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Vamos estudar/revisar Fazenda Pública porque o concurso da PGF vem aí!

Vamos analisar, com a profundidade que o concurso exige, o conceito processual de Fazenda Pública.

Chamo de conceito processual justamente porque, para que se tenha ideia da utilização racional da expressão, necessário se faz analisar que o termo Fazenda Pública não se confunde com o conceito de Administração seja em sentido subjetivo, seja em sentido objetivo. O nome Fazenda relaciona-se às finanças, dinheiro, Erário que, ao final, é quem sofre as consequências econômicas decorrentes de eventuais condenações processuais. A expressão foi utilizada nos códigos processuais de 1939, 1973 e é trinta e cinco vezes repetida no de 2015, razão pela qual o termo é consagrado na doutrina e na legislação.

O renomado José dos Santos Carvalho Filho disse:

Em algumas espécies de demanda, as pessoas de direito público têm sido nominadas de Fazenda Pública, e daí expressões decorrentes, como Fazenda Federal, Fazenda Estadual e Fazenda Municipal. Trata-se de mera praxe forense, usualmente explicada pelo fato de que o dispêndio com a demanda é debitado ao Erário da respectiva pessoa. Entretanto, Fazenda Pública igualmente não é pessoa jurídica, de modo que, encontrando-se tal referência no processo, deverá ela ser interpretada como indicativa de que a parte é a União, o Estado, o Município e, enfim, a pessoa jurídica a que se referir a Fazenda.[1]

Assim, Fazenda Pública é a expressão que se emprega sempre que a pessoa jurídica de direito público estiver ocupando o polo de uma ação judicial. Entende-se, por pessoa jurídica de direito público as que integram a Administração Pública Direta e Indireta, com exceções, dos entes federados, de forma que não temos como deixar de analisar o art. 4º do Decreto-lei nº 200/1967 que organiza a Administração Federal, vejamos:

Art. 4° A Administração Federal compreende:

I – A Administração Direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios.

II – A Administração Indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria:

a) Autarquias;

b) Empresas Públicas;

c) Sociedades de Economia Mista.

d) Fundações Públicas.

Assim, pelo modelo do Decreto-lei nº 200/1967, pode-se concluir que a Administração Direta compreende a União, os Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios bem como todos os órgãos que compõem essa estrutura, contudo, referidos órgãos não são dotados de personalidade jurídica, justamente por isso que não se admite o ingresso de ação judicial para demandar contra o Ministério do Planejamento ou a Secretaria de Saúde de determinado Estado ou Município.

Em legislação mais atual, o Código Civil em seu artigo 41, diz que as pessoas jurídicas de direito público interno são a União, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios, os Municípios, as autarquias, inclusive as associações públicas e as demais entidades de caráter público criadas por lei.

Por Administração Indireta entende-se tratar das autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista. Contudo, as empresas públicas e sociedades de economia mista representam justamente as pessoas jurídicas dotadas de personalidade de direito privado.

Se Fazenda Pública é a pessoa jurídica de direito público em juízo, por óbvio, temos que afastar do conceito processual as empresas públicas e sociedades de economia mista. Assim, adverte o Leonardo Carneiro da Cunha[2] quando diz:

À evidência, estão excluídos do conceito de Fazenda Pública as sociedades de economia mista e as empresas públicas. Embora integrem a Administração Pública indireta, não ostentam natureza de direito público, revestindo-se da condição de pessoa jurídica de direito privado, a cujo regime estão subordinadas. Então, quando se alude à Fazenda Pública, na expressão não estão inseridas as sociedades de economia mista nem as empresas públicas, sujeitas que são ao regime geral das pessoas jurídicas de direito privado.

Nos termos da Constituição Federal, as empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado (art. 173, parágrafo 2º, CF/88). Assim, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, por exemplo, não integram o conceito de Fazenda Pública e não podem lançar mão das prerrogativas processuais das pessoas jurídicas de direito público.

Por “demais entidades de caráter público criadas por lei” citadas no art. 41 do Código Civil, podemos incluir as Agências Reguladoras e Agências Executivas, as quais são verdadeiras autarquias, razão pela qual integram o conceito de Fazenda Pública.

Percebe-se que o que distingue, nitidamente, a pessoa jurídica que integra o conceito de Fazenda Pública é a sua natureza pública, dessa natureza decorre a vinculação e com ela todas as prerrogativas que carregam referidos entes em juízo. Não há nenhum ato adicional, processual ou não, para a possibilidade de utilização dessas prerrogativas.

Assim, teríamos o seguinte:

Fazenda Pública

Integram o conceito processual

Não integram o conceito processual
Pessoa jurídica de direito público

Pessoa jurídica de direito privado

  • União;
  • Estados, Distrito Federal e Territórios;
  • Municípios;
  • Autarquias;
  • Fundações Públicas;
  • ECT (STF, ACO-QO 765 RJ).
  • Empresas públicas;
  • Sociedades de Economia Mista.

Há, contudo, uma exceção legal. Veja o art. 12 do Decreto-lei nº 09/1969: “Art. 12 – A ECT gozará de isenção de direitos de importação de materiais e equipamentos destinados aos seus serviços, dos privilégios concedidos à Fazenda Pública, quer em relação a imunidade tributária, direta ou indireta, impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, quer no concernente a foro, prazos e custas processuais.”

Perceba que esse dispositivo legal concede à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos as mesmas prerrogativas inerentes à Fazenda Pública, assim temos uma empresa pública que integra o conceito de Fazenda Pública. Veja que há conflito normativo entre o disposto no art. 173, parágrafo 2º, CF/88 com o art. 12 do Decreto-lei nº 09/1969, já que a Constituição impede que a empresa pública tenha privilégios não extensivos ao setor privado.

A questão foi decidida, em último grau, pelo Supremo Tribunal Federal[3] assim:

1. A prestação do serviço postal consubstancia serviço público [art. 175 da CB/88]. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é uma empresa pública, entidade da Administração Indireta da União, como tal tendo sido criada pelo decreto-lei nº 509, de 10 de março de 1969.

2. O Pleno do Supremo Tribunal Federal declarou, quando do julgamento do RE 220.906, Relator o Ministro MAURÍCIO CORRÊA, DJ 14.11.2002, à vista do disposto no artigo 6o do decreto-lei nº 509/69, que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é “pessoa jurídica equiparada à Fazenda Pública, que explora serviço de competência da União“.(CF, artigo 21, X)

O STF, com isso, entende recepcionado pela CF/88 o art. 12 do Decreto-lei nº 09/1969 permitindo com que a ECT, embora empresa pública, seja considerada pessoa jurídica de direito público, tenha prerrogativas de Fazenda Pública e se submeta ao regime de precatórios[4].

Sobre o regime de precatórios e empresa pública, importante destacar a decisão do STF, 1ª Turma, no RE 627242 AgR[5] que explicita “embora, em regra, as empresas estatais estejam submetidas ao regime das pessoas jurídicas de direito privado, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que “entidade que presta serviços públicos essenciais de saneamento básico, sem que tenha ficado demonstrado nos autos se tratar de sociedade de economia mista ou empresa pública que competiria com pessoas jurídicas privadas ou que teria por objetivo primordial acumular patrimônio e distribuir lucros. Nessa hipótese, aplica-se o regime de precatórios” (RE 592.004, Rel. Min. Joaquim Barbosa). 2. É aplicável às companhias estaduais de saneamento básico o regime de pagamento por precatório (art. 100 da Constituição), nas hipóteses em que o capital social seja majoritariamente público e o serviço seja prestado em regime de exclusividade e sem intuito de lucro. 3. Provimento do agravo regimental e do recurso extraordinário.”

A informação sobre a excepcionalidade da ECT é relevante para as provas objetivas e especialmente se o candidato estiver prestando concurso para o cargo de advogado da ECT já que, em termos processuais, sua atuação se assemelhará a dos procuradores das demais pessoas jurídicas de direito público que integram o conceito de Fazenda Pública, inclusive no processo do trabalho[6]

Perceba-se, em última análise, que a ECT presta serviço público essencial e, portanto, foi integrada ao conceito de Fazenda Pública, contudo, essa matemática não funciona de forma automática a permitir que, por exemplo, Estados e Municípios criem empresas públicas prestadoras de serviço público essencial com prerrogativas inerentes à Fazenda Pública. O caso da ECT é exceção isolada que não serve de parâmetro reprodutor para Estados, Distrito Federal e Municípios, não obstante, o STF tenha entendido estender o regime de precatórios as empresas públicas quando o capital social seja majoritariamente público e o serviço seja prestado em regime de exclusividade e sem intuito de lucro.

A jurisprudência, portanto, nos força a atualizar o quadro de integrantes do conceito processual de Fazenda Pública além de destacar a hipótese na qual as empresas públicas gozam do regime de precatórios:

Fazenda Pública

Integram o conceito processual

Não integram o conceito processual
Pessoa jurídica de direito público

Pessoa jurídica de direito privado

  • União;
  • Estados, Distrito Federal e Territórios;
  • Municípios;
  • Autarquias;
  • Fundações Públicas;
  • ECT (STF, ACO-QO 765 RJ).
  • Empresas públicas;
  • Sociedades de Economia Mista.

Gozam da prerrogativa do regime de precatórios da Fazenda Pública

As empresas públicas quando o capital social seja majoritariamente público e o serviço seja prestado em regime de exclusividade e sem intuito de lucro.

RE 627242 AgR, 1ª Turma, Min. Marco Aurélio, 02/05/2017

Um ponto que sempre é levantado quando se trata do conceito de Fazenda Pública é sobre a Ordem dos Advogados do Brasil, é natural a curiosidade sobre a possibilidade ou não do uso das prerrogativas inerentes às pessoas jurídicas de direito público.

Como já vimos, é a natureza jurídica de direito público, com exceção da ECT, que determina o ingresso da pessoa jurídica no conceito de Fazenda Pública. Nesses termos, é necessário indagar qual a natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil.

O STF respondeu essa indagação quando do julgamento da ADI 3026. Nela, o STF foi levado a decidir se os quadros administrativos da OAB deviam ser preenchidos somente mediante concurso público. Para adentrar na análise dessa exigência o Supremo teve, necessariamente, que definir a natureza jurídica da Ordem. Assim disse a Suprema Corte[7]:

  1. Não procede a alegação de que a OAB sujeita-se aos ditames impostos à Administração Pública Direta e Indireta.
  2. A OAB não é uma entidade da Administração Indireta da União. A Ordem é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro.
  3. A OAB não está incluída na categoria na qual se inserem essas que se tem referido como “autarquias especiais” para pretender-se afirmar equivocada independência das hoje chamadas “agências”.
  4. Por não consubstanciar uma entidade da Administração Indireta, a OAB não está sujeita a controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada. Essa não-vinculação é formal e materialmente necessária.
  5. A OAB ocupa-se de atividades atinentes aos advogados, que exercem função constitucionalmente privilegiada, na medida em que são indispensáveis à administração da Justiça [artigo 133 da CB/88]. É entidade cuja finalidade é afeita a atribuições, interesses e seleção de advogados. Não há ordem de relação ou dependência entre a OAB e qualquer órgão público.

Resta claro que o STF entendeu ter a OAB natureza jurídica sui generis, considerando-a única e especial eis que suas atividades não se restringem à esfera corporativa, mas alcançam feição institucional. Para o STF, a OAB não se sujeita ao controle do TCU nem à exigência constitucional do concurso público para provimento de cargos. Não sendo pessoa jurídica de direito público, não integra o conceito de Fazenda Pública para fins processuais. Por fim, é sempre bom lembrar que a OAB possui suas causas julgadas pela Justiça Federal nos termos do art. 58, § 8º da Lei nº 9.649/1998.

Até o fechamento do presente post, pende de análise no STF a ADI 5367, apensa a ADC 36, por meio da qual o Ministério Público Federal quer ver declarada inconstitucional norma que permite com que os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas admitam pessoas sem a necessidade de realizar concurso público. No julgamento, a exemplo do que aconteceu com a OAB na ADI 3026, o Supremo terá que necessariamente firmar a natureza jurídica dos conselhos de fiscalização profissional para decidir sobre a obrigatoriedade ou não do concurso. De todo modo, embora pendente de julgamento, é preciso analisar a manifestação da Advocacia-Geral da União que defende a natureza jurídica de autarquias peculiares aos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, ou seja, “alheias à estrutura da Administração Pública indireta, sobretudo em razão da ausência de vinculação e de supervisão ministerial[8]

Assim, forçoso concluir que se estão os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas alheios à estrutura da Administração Pública Indireta, não integram o conceito de Fazenda Pública para fins processuais.

Mais uma vez, completemos nosso quadro que sintetiza as pessoas que integram o conceito processual de Fazenda Pública:

Fazenda Pública

Integram o conceito processual

Não integram o conceito processual
Pessoa jurídica de direito público

Pessoa jurídica de direito privado

  • União;
  • Estados, Distrito Federal e Territórios;
  • Municípios;
  • Autarquias;
  • Fundações Públicas;
  • ECT (STF, ACO-QO 765 RJ).
  • Empresas públicas;
  • Sociedades de Economia Mista;
  • OAB (natureza jurídica sui generis – ADI 3026, STF);
  • Conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas (ADI 5367, pendente de julgamento, mas segundo manifestação da AGU na ADI são autarquias peculiares alheias à estrutura da Administração Pública indireta).

Encerro o post com uma curiosidade sobre o nome “Fazenda” na seara processual. No caso da União, como veremos a seguir, a representação processual se dá de forma bifurcada, ou seja, as causas que envolvem matéria fiscal, nos termos da Lei Complementar 73/93, são de atribuição da Procuradoria da Fazenda Nacional e as demais, residualmente, são de atribuição dos Procuradoria-Geral da União a cargo dos Advogados da União.

Ora, imagine, por exemplo, que João, militar, ingressa com a ação judicial para discutir duas situações de decorrem da sua situação de saúde: a. sua reforma militar; e b. a isenção de imposto de renda. Percebe-se que para a situação a, a representação da União se dá por meio de um Advogado da União (PGU), enquanto que para a situação b a representação da União se dá por meio de um Procurador da Fazenda Nacional (PGFN), assim, a representação da União, na mesma ação, se dará por duas contestações, cada qual assinada pelo procurador competente e discutindo apenas a situação que lhe cabe representar nos termos da Lei Complementar 73/93.

A curiosidade está justamente no fato de que, ao nominar as partes do processo, a Justiça Federal tem o costume de informar UNIÃO para os processos representados pelos Advogados da União e FAZENDA NACIONAL para os processos representados pelos Procuradores da Fazenda Nacional. Assim, na situação hipotética apresentada, embora haja um único réu na ação, temos duas denominações para a União, a UNIÃO em si e a FAZENDA NACIONAL, obviamente, cada qual sendo devidamente e pessoalmente intimado dos atos processuais para a devida manifestação nos termos do art. 183 do CPC/2015.

Assim, da próxima vez que se deparar com processo judicial cuja parte seja a FAZENDA NACIONAL, saiba tratar-se da União sendo representada pela PGFN em matéria fiscal.

EBEJI

Grande abraço a todos, Ubirajara Casado.

EBEJI

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[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 22. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 1044.

[2] CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo.7. ed. São Paulo: Dialética, 2009. p. 18.

[3] ACO-QO 765 RJ, Trbunal Pleno, Ministro Marco Aurélio, DJe-211 DIVULG 06-11-2008 PUBLIC 07-11-2008 EMENT VOL-02340-01 PP-00141.

[4] “Os bens, as rendas e os serviços da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos são impenhoráveis, e a execução deve observar o regime de precatórios. 2. Nas comarcas onde não há Vara da Justiça Federal, os Juízes Estaduais são competentes para apreciar a execução fiscal.” RE 393032 AgR, 1ª Turma, Min. Cármen Lúcia, 27/10/2009.

[5] RE 627242 AgR, 1ª Turma, Min. Marco Aurélio, 02/05/2017.

[6] PROC. Nº TST-RR-782/2002-411-04-00.1.

[7] ADI 3026 DF, Tribunal Pleno, Min. Eros Grau, DJ 29-09-2006 PP-00031 EMENT VOL-02249-03 PP-00478, 8 de Junho de 2006.

[8] Retirado do Parecer do Ministério Público Federal No 155.397/2016-AsJConst/SAJ/PGR na ADI 5367.