Aqui no blog no post Porque a Fazenda Pública entende que os honorários de advogado e o crédito exequente não podem ser desmembrados? tratou-se do embasamento normativo para o entendimento da Fazenda Pública de que os honorários e o crédito exequente não poderiam ser executados autonomamente, em cotejo com o posicionamento que prevaleceu no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

É pertinente retomar o tema, para maior aprofundamento quanto à posição dos Tribunais Superiores, tendo em vista que o Supremo Tribunal Federal (STF), em 30.10.2014, concluiu o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 564.132/RS, na sistemática do art. 543-B do CPC/1973 (repercussão geral), firmando o entendimento de que a verba honorária, de natureza alimentar, não se confundiria com o débito principal, de forma que estaria sujeita a regimes autônomos de pagamento quando titularizada por credores distintos. Como o acórdão do STF foi publicado em 10.02.2015 há grandes chances de que o entendimento seja cobrado nas provas de concursos públicos que se avizinham.

O STF, referendando o posicionamento que já havia sido firmado pelo STJ, admitiu a execução autônoma dos honorários advocatícios e do crédito principal, possibilitando, inclusive, que a execução dos honorários se faça sob regime diferente daquele utilizado para o crédito considerado principal. Permitiu-se, assim, a expedição de RPV para pagamento de honorários advocatícios ainda que o crédito principal deva ser pago via expedição de precatórios.

Tal entendimento contrapõe-se ao posicionamento de que o valor executado contra a Fazenda Pública deveria ser pago de forma integral por um mesmo rito (o que, conforme já mencionado, é o posicionamento muitas vezes defendido pela Fazenda Pública). Cumpre, portanto, conhecer bem o posicionamento do STJ e do STF sobre o assunto, já que questões relacionadas aos honorários advocatícios estão em grande evidência quando se trata de advocacia pública.

No Recurso Especial (REsp) nº 1.347.736/RS, julgado, em 09.10.2013, pelo STJ, na forma do art. 543-C do CPC (Tema: 608), cujo acórdão foi publicado em 15.04.2014, entendeu-se que os honorários advocatícios, não obstante disciplinados pelo direito processual, decorrem de pedido expresso, ou implícito, de uma parte contra o seu oponente no processo e, portanto, formariam um capítulo de mérito da sentença. Desse modo, a parte que versa sobre os honorários advocatícios constituiria um capítulo de mérito, ainda que constante de uma sentença terminativa. De acordo com o STJ, tal capítulo de mérito consagraria o direito autônomo do advogado contra a parte que deu causa ao processo.

Considerando que os honorários constituiriam direito autônomo do advogado, o STJ assentou que o advogado poderia executá-los nos próprios autos ou em ação distinta. Entendeu-se, pois, que não seria correto o argumento de que a natureza acessória dos honorários impediria que fosse adotado procedimento distinto do que for utilizado para o crédito principal.

Assim, partindo-se da premissa de que os honorários instauram uma relação creditícia autônoma que se estabelece entre o vencido e os advogados do vencedor, seria facultado ao titular a execução independente, nos próprios autos ou em processo específico. Executando nos próprios autos, tem-se um regime de litisconsórcio ativo facultativo com o titular do crédito principal.

Vale ressaltar ainda que, ao acompanhar a posição do Ministro Castro Meira, o Ministro Herman Benjamin (relator para o acórdão) salientou que, embora a prática revelasse vários casos em que o principal seria pago por precatório e os honorários por RPV, o entendimento do STJ também permitiria, diante da independência das verbas, que os honorários sejam pagos via precatório e o principal via RPV, se cada qual se enquadrar nas respectivas faixas de pagamento.

Além disso, o STJ considerou que a previsão do art. 100, §8º, da Constituição Federal de 1988 não impediria que dois ou mais credores, incluídos no polo ativo de uma mesma execução, possam receber seus créditos por sistemas distintos (RPV ou precatório), de acordo com o valor a que couber a cada um.  É importante reiterar a observação de que, quando julgado o REsp nº 1.347.736/RS, ainda pendia a conclusão do julgamento do RE nº 564.132/RS (tema 018), com repercussão geral reconhecida. Por esse motivo, embora o STJ tenha tratado da norma constitucional, considerando os votos até então existentes no julgado do STF, ainda não havia um posicionamento definitivo quanto à constitucionalidade da execução do crédito principal e dos honorários por sistemas distintos.

Entretanto, atualmente, a matéria também foi pacificada no STF, não havendo mais dúvidas de que o pagamento de honorários advocatícios em regime diferenciado do crédito principal não caracteriza fracionamento vedado pela norma constitucional.

Importa mencionar que, no voto do Ministro Eros Grau, relator do julgado, entendeu-se pela inaplicabilidade do entendimento consagrado no RE nº 146.139 de que os honorários sucumbenciais manteriam sua natureza alimentar somente em ações de cobrança de crédito alimentício em razão da regra de que o acessório segue o principal. Esclareceu-se que o voto do RE nº 141.639, ao considerar os honorários como acessórios da condenação, tomou como premissa o direito vigente à época, em especial o art. 33 do ADCT, norma que alcançava os precatórios tais como expedidos, lembrando-se que, anteriormente à Constituição Federal de 1988, não havia distinção quanto ao regime aplicável para a expedição de créditos alimentares e não-alimentares.

Fez-se, ainda, o esclarecimento de que, no RE nº 141.639, colimava-se o fracionamento, a posteriori, de precatório já expedido, não tendo sido tratada a questão da execução autônoma por advogado que tenha atuado no feito, sendo portanto, situação diversa da tratada no RE nº 564.132/RS, com repercussão geral reconhecida.

Remetendo ao Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/94), notadamente ao art. 23 e ao §1º do art. 24 e asseverando o caráter alimentar dos honorários, o Ministro Eros Grau concluiu que o direito do advogado de executar de forma autônoma os honorários advocatícios seria evidente, sendo que esses honorários não se confundiriam com o principal. Esclareceu-se que o preceito constitucional consagrado no §8º (originalmente §4º) do art. 100 tem a finalidade de vedar que um mesmo exequente se valha, ao mesmo tempo, por meio do fracionamento da dívida de dois sistemas de satisfação do crédito.

A norma constitucional, portanto, não incidiria quando o titular do crédito decorrente de honorários, quando não seja titular de dois créditos, pleiteie o seu recebimento, já que a verba honorária consubstancia direito autônomo, que poderia até ser executado em separado. Ressalvou-se, contudo, que o fracionamento da execução deve ocorrer antes da expedição do ofício requisitório, sob pena de quebra da ordem cronológica dos precatórios.

Por fim, ainda sobre o fracionamento do pagamento, é pertinente observar o registro feito pela Ministra Rosa Weber quanto à decisão do STF, de 24.09.2014, que, ao julgar o tema no 148 da repercussão geral (RE 568645), firmou a tese de que, em hipótese de litisconsórcio facultativo, a forma de pagamento dos débitos da Fazenda Pública, seja por requisição de pequeno valor  seja por precatório, depende dos valores isoladamente considerados, sem que tal entendimento implique ofensa ao § 8º do art. 100 da Constituição Federal (na redação da EC no 62/2009, § 4o na redação originária).

Dessa forma, pode-se concluir que, consoante entendimento jurisprudencial do STF, o óbice ao fracionamento tem por objetivo assegurar a observância da ordem cronológica de pagamento dos precatórios. Tal finalidade é que impediria que se adotem, por um mesmo credor e para um mesmo crédito, simultaneamente, os regimes de execução por precatório e de requisição de pequeno valor. Não haveria, assim, impedimento para que credores diferentes utilizem regimes diversos para pagamento.

Bons estudos! Espero, mais uma vez, ter ajudado!

Grande abraço

Flávia Coelho
Procuradora da Fazenda Nacional