Olá pessoal, todos bem?

Imagine a seguinte situação hipotética: Ebéjica se encontra no interior de um trem pertencente a concessionária de transporte ferroviário e sofre assédio sexual praticado por outro passageiro durante o percurso.

A pergunta é: A concessionária de serviço público responde por dano moral?

Você poderia responder rapidamente que não, e a justificativa seria plausível, pautada na excludente de responsabilidade chamada ato de terceiro. Embora a construção da resposta seja bem plausível, contudo, não foi assim que entendeu o STJ, veremos.

EBEJI

1. Responsabilidade de prestadora de serviço público no STF e no STJ

O Supremo Tribunal Federal, em julgamento de recurso extraordinário representativo da controvérsia, determinou que a pessoa jurídica de direito privado, prestadora de serviço público, ostenta responsabilidade objetivaem relação a terceiros usuários ou não usuários do serviço público, nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição da República de 1988(RE 591.874/MS, publicado no DJe de 21/11/2008).

No STJ, o mesmo entendimento vem sendo adotado há tempos através da aplicação da teoria de risco administrativo do negócio, ou seja, as empresas que firmam contratos para a execução de serviços como fornecimento de água, transporte ou energia, ou construção e conservação de rodovias, são responsabilizadas pelos possíveis danos na mesma proporção do poder público executando os mesmos serviços.

O ministro Villas Bôas Cueva resumiu o entendimento do tribunal no julgamento do REsp 1.330.027: “Quanto à ré, concessionária de serviço público, é de se aplicar, em um primeiro momento, as regras da responsabilidade objetiva da pessoa prestadora de serviços públicos, independentemente da demonstração da ocorrência de culpa. Isso porque a recorrida está inserta na Teoria do Risco, pela qual se reconhece a obrigação daquele que causar danos a outrem, em razão dos perigos inerentes a sua atividade ou profissão, de reparar o prejuízo”.

Ao julgar o REsp 1.095.575, a ministra Nancy Andrighi lembrou que, mesmo antes da introdução do Código Civil de 2002, já era reconhecida a responsabilidade objetiva da concessionária de serviços públicos, tendo em vista o risco inerente à atividade exercida.

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2. Relação de consumo

Saliente-se que a relação mantida entre Ebéjica e a “empresa de trem” é de consumo, o que atrai a aplicação do art. 14, parágrafos 1º e 3º do CDC:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I – o modo de seu fornecimento;

II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III – a época em que foi fornecido.

(…)

3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

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3. Cláusula de incolumidade

Segundo o STJ, a cláusula de incolumidade é ínsita ao contrato de transporte, implicando obrigação de resultado do transportador, consistente em levar o passageiro com conforto e segurança ao seu destino, salvo se demonstrada causa de exclusão do nexo de causalidade, notadamente o caso fortuito, a força maior ou a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro.

O direito de segurança do usuário está inserido no serviço público concedido, havendo presunção de que a concessionária assumiu todas as atividades e responsabilidades inerentes ao seu mister”, afirmou o ministro Luis Felipe Salomão (REsp 1.268.743).

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4. Ato de terceiro como fortuito externo ou interno

Você deve ter percebido que no art. 14, parágrafo 3º, II, o CDC informa que o fornecedor de serviços não responde quando demonstrado a culpa exclusiva de terceiro.

Assim, o fato de terceiro é excludente de responsabilidade, contudo, não em todos os casos.

Para o STJ quando o ato de terceiro pode:

Excluir a responsabilidade quando é causa única do evento danoso, não guarda relação com a organização do negócio e os riscos da atividade de transporte, equiparando-se a fortuito externo.
Não excluir a responsabilidade quando quando se mostra conexa à atividade econômica e aos riscos inerentes à sua exploração, caracterizando fortuito interno.

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5. O caso concreto (conclusões do STJ)

No caso do trem, por envolver, necessariamente, uma grande aglomeração de pessoas em um mesmo espaço físico, aliados à baixa qualidade do serviço prestado, incluído a pouca quantidade de vagões ou ônibus postos à disposição do público, a prestação do serviço de transporte de passageiros vem propiciando a ocorrência de eventos de assédio sexual. Em outros termos, mais que um simples cenário ou ocasião, o transporte público tem concorrido para a causa dos eventos de assédio sexual.Em tal contexto, a ocorrência desses fatos acaba sendo arrastada para o bojo da prestação do serviço de transporte público, tornando-se assim mais um risco da atividade, a qual todos os passageiros, mas especialmente as mulheres, tornam-se vítimas.

Conclui-se que, se a ocorrência do assédio sexual guardar conexidade com os serviços prestados pela concessionária e, tratando-se de fortuito interno, a transportadora de passageiros permanece objetivamente responsável pelos danos causados.

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6. Possibilidade de condenação do Estado por dano causado pela concessionária

A regra é que a responsabilidade do Estado por danos causados por concessionárias de serviço público seja subsidiária, ou seja, apenas na impossibilidade de a própria concessionária arcar com a indenização, o Estado deve ser acionado. Nesses casos, o poder público assume a obrigação principal de indenizar ou reparar o dano e o prazo prescricional para acionar o Estado tem início apenas quando comprovada a impossibilidade de pagamento pela concessionária e não do ajuizamento da demanda contra a concessionária.

Há de se reconhecer que o termo a quo do lapso prescricional somente teve início no momento em que se configurou o fato gerador da responsabilidade subsidiária do poder concedente, in casu, a falência da empresa concessionária” (REsp 1.135.927).

Contudo, é bom lembrar ainda a possibilidade de condenação do Estado de forma solidária, mesmo com concessão integral dos serviços. Analisando um caso de dano ambiental decidiu o STJ:

“O município é responsável, solidariamente, com o concessionário de serviço público municipal, com quem firmou convênio para realização do serviço de coleta de esgoto urbano, pela poluição causada no Ribeirão Carrito, ou Ribeirão Taboãozinho” (REsp 28.222).

Assim, o ente público concedente, no caso da concessionária de transporte, pode ser responsabilizado de forma subsidiária pelo pagamento de dano moral decorrente de assédio sexual sofrido por passageira no interior do transporte público.

Forte abraço, Ubirajara Casado.

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