Olá, leitores! Tudo bem?

Vou falar hoje sobre um julgado recente de Direito Previdenciário, publicado no Informativo 605 do STJ, que certamente será objeto de cobrança em provas. Mas, não é só. Aproveitei o tema a ser abordado para fazer uma revisão sobre alguns pontos relacionados ao pagamento indevido pelo INSS, apresentando, ao final, um breve resumo.

Como sabemos, ao julgar os Embargos de Divergência nº 1.086.154 (Info 536), a Corte Especial do STJ pacificou a divergência existente entre a 1ª e a 3ª Seção acerca da obrigação de devolução das parcelas de benefício previdenciário percebidas com fundamento em decisão antecipatória revogada.

No referido julgado, ficou assentada a existência de duas situações, a depender no momento da revogação da decisão concessiva, as quais ensejam soluções diversas:

i) Revertida a tutela provisória ainda nas instâncias ordinárias (em sede de sentença ou acórdão proferido em Apelação ou Recurso Inominado do JEF), faz jus a autarquia previdenciária à devolução dos valores pagos.

ii) Ocorrida a revogação da tutela nas instâncias extraordinárias (Recurso Extraordinário ou Especial) não haverá restituição, na medida em que a dupla conformidade entre a sentença e o acórdão gera a estabilização da decisão de primeira instância e cria no vencedor a legítima expectativa de que é titular do direito reconhecido na sentença e confirmado pelo Tribunal de segunda instância[1].

Com base no aludido entendimento, o INSS passou a realizar, em âmbito administrativo, o desconto dos valores pagos em cumprimento de ordem judicial revertida, utilizando-se, para tanto, do disposto no inc. II do art. 115 da Lei nº 8.213/91, in litteris:

Art. 115.  Podem ser descontados dos benefícios:

[…]

II – pagamento de benefício além do devido;

Pois bem. O tema chegou ao STJ, que, ao apreciar o REsp nº 1.338.912, assentou o entendimento de que, embora o inc. II do art. 115 da Lei 8.213/91, autorize o INSS a fazer o desconto de pagamento de benefício além do devido, em âmbito administrativo, observadas as garantias da ampla defesa e do contraditório, trata-se de comando destinado, tão somente, a recuperação de valores pagos por decisão do próprio INSS.

Desse modo, de acordo com o Tribunal da Cidadania, o dispositivo não é aplicável quando o valor supostamente indevido for decorrente de tutela judicial, pois, nessas situações, o INSS deve se utilizar dos meios inerentes ao controle dos atos judiciais, sob pena de inobservância do princípio da segurança jurídica.

A propósito, confira-se o acórdão do julgado em comento, o qual foi objeto do Informativo 605:

PREVIDENCIÁRIO.  RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991.  ATO  DO  GERENTE  EXECUTIVO  DE  BENEFÍCIOS DO INSS QUE DETERMINOU  O  DEVOLUÇÃO  DE  VALORES  RECEBIDOS  POR PENSIONISTA, A TÍTULO    DE    TUTELA    ANTECIPADA,    POSTERIORMENTE    REVOGADA. IMPOSSIBILIDADE.    NORMATIVO    QUE    NÃO    AUTORIZA,    NA   VIA ADMINISTRATIVO-PREVIDENCIÁRIA,  A COBRANÇA DE VALORES ANTECIPADOS EM PROCESSO JUDICIAL. 1. Os recursos  interpostos com fulcro no CPC/1973 sujeitam-se aos requisitos  de  admissibilidade  nele  previstos,  conforme diretriz contida no Enunciado Administrativo n. 2 do Plenário do STJ. 2. Na origem,  cuida-se  de  mandado  de  segurança  impetrado por beneficiária  de pensão por morte contra ato de Gerente Executivo de Benefícios  do  INSS  que  determinou  o  desconto, no benefício, de valores  recebidos  a  título  de  tutela  antecipada posteriormente cassada. 3. O normativo  contido  no  inciso  II  do  artigo  115 da Lei n. 8.213/1991  não  autoriza o INSS a descontar, na via administrativa, valores  concedidos  a  título  de tutela antecipada, posteriormente cassada  com a improcedência do pedido. Nas demandas judicializadas, tem o INSS os meios inerentes ao controle dos atos judiciais que por ele devem ser manejados a tempo e modo. 4.Recurso especial não provido. (REsp 1338912/SE, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/05/2017, DJe 29/05/2017).

À evidência, o entendimento exarado pelo STJ será objeto de cobrança em concursos, haja vista a importância da decisão.  Contudo, como muitos de vocês se submeterão a concursos que exigem conhecimento robusto sobre Direito Previdenciário, permitam-me um maior aprofundamento sobre o tema.

Registre-se, a existência de jurisprudência que rechaça a aplicação do inc. II do art. 115 da Lei nº 8.213/91 mesmo quando o pagamento a maior se deu administrativamente, por erro do INSS, desde que configurada a boa-fé o segurado ou dependente.

Nesse sentido, notem-se os seguintes julgados do STJ:

“[…] 2. A jurisprudência do STJ é no sentido de ser desnecessária a devolução, pelo segurado, de parcelas recebidas a maior, de boa-fé, em atenção à natureza alimentar do benefício previdenciário e à condição de hipossuficiência da parte segurada. 3. Agravo regimental não provido.” (AgRg no REsp 1431725/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/05/2014, DJe 21/05/2014).

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA RURAL CASSADA. RESTITUIÇÃO DE PARCELAS PREVIDENCIÁRIAS PAGAS ADMINISTRATIVAMENTE. VERBA ALIMENTAR RECEBIDA DE  BOA FÉ PELA SEGURADA. […]  2– O art. 115 da Lei nº 8.213/91, que regulamenta a hipótese de desconto administrativo, sem necessária autorização judicial, nos casos em que a concessão a maior se deu por ato administrativo do Instituto agravante, não se aplica às situações em que o segurado é receptor de boa-fé, o que, conforme documentos acostados aos presentes autos, se amolda ao vertente caso. Precedentes.3- Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 413.977/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 19/02/2009, DJe 16/03/2009).

Sem embargo, a Previdência Social entende que deverá haver a devolução dos valores percebidos indevidamente, ainda que de boa-fé, para preservar o erário. Nesse sentido dispõe o Parecer/CONJUR/ MPS 616/201, aprovado pelo Ministro da Previdência Social, em 23.12.2010.

Ademais, consoante o STJ, a restituição de benefícios previdenciários não pode ser inscrita em dívida ativa, sendo necessária ação específica para constituir o título executivo, em razão da ausência de certeza do crédito. Ex vi:

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO CONCEDIDO MEDIANTE SUPOSTA FRAUDE. NÃO INCLUSÃO NO CONCEITO DE DÍVIDA ATIVA NÃO TRIBUTÁRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. NECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO PRÓPRIA. 1. Insurge-se o INSS contra acórdão que manteve extinta a execução fiscal fundada em Certidão de Dívida Ativa para restituição de valores referentes a benefícios previdenciários concedidos mediante suposta fraude, por não se incluir no conceito de dívida ativa não tributária. 2.Conforme dispõem os arts. 2º e 3º da Lei n. 6.830/80, e 39, § 2º, da Lei n. 4.320/64, o conceito de dívida ativa envolve apenas os créditos certos e líquidos. Assim, tanto a dívida ativa tributária como a não tributária requer o preenchimento desses requisitos. 3.No caso dos autos, cuida-se de um suposto crédito decorrente de ato ilícito (fraude). Trata-se de um nítido caso de responsabilidade civil, não se enquadrando no conceito de dívida ativa não tributária por falta do requisito da certeza. 4. Necessidade de uma ação própria para formação de um título executivo. Recurso especial improvido. (REsp 1172126/SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/09/2010, DJe 25/10/2010).

Sintetizando o exposto, apresento as seguintes conclusões:

i) Em relação aos benefícios previdenciários pagos em decorrência de decisão judicial precária posteriormente revertida, o STJ adota a tese da dupla confirmação, negando a restituição caso a revogação da tutela provisória se dê apenas perante as instâncias extraordinárias;

ii) De acordo com o Tribunal da Cidadania, mesmo nos casos em que se admite a devolução em razão da cassação de tutela provisória, não pode esta ser realizada administrativamente, com base no inciso II do artigo 115 da Lei n. 8.213/1991;

iii) Existem julgados do STJ que rechaçam a aplicação do inc. II do art. 115 da Lei nº 8.213/91 mesmo quando o pagamento a maior se deu em âmbito administrativo, por erro do INSS, desde que configurada a boa-fé o segurado ou dependente. Sem embargo, a Previdência Social entende que deverá haver a devolução dos valores percebidos indevidamente, ainda que de boa-fé, para preservar o erário. Nesse sentido dispõe o Parecer/CONJUR/ MPS 616/201, aprovado pelo Ministro da Previdência Social, em 23.12.2010.

iv) Consoante o STJ, a restituição de benefícios previdenciários não pode ser inscrita em dívida ativa, sendo necessária ação específica para constituir o título executivo.

Bom, acredito que foi possível compreender o recente julgado do STJ e, ainda, fazer uma revisão sobre tópicos periféricos relacionados ao tema tratado. Cumprido o propósito, fico por aqui.

Até a próxima!

 

Referências Bibliográficas

AMADO, Frederico. Curso de Direito e Processo Previdenciário. 8ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016.

[1] PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. SENTENÇA QUE DETERMINA O RESTABELECIMENTO DE PENSÃO POR MORTE. CONFIRMAÇÃO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. DECISÃO REFORMADA NO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ.  IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. 1. A dupla conformidade entre a sentença e o acórdão gera a estabilização da decisão de primeira instância, de sorte que, de um lado, limita a possibilidade de recurso do vencido, tornando estável a relação jurídica submetida a julgamento; e, de outro, cria no vencedor a legítima expectativa de que é titular do direito reconhecido na sentença e confirmado pelo Tribunal de segunda instância. 2. Essa expectativa legítima de titularidade do direito, advinda de ordem judicial com força definitiva, é suficiente para caracterizar a boa-fé exigida de quem recebe a verba de natureza alimentar posteriormente cassada, porque, no mínimo, confia – e, de fato, deve confiar – no acerto do duplo julgamento. 3. Por meio da edição da súm. 34/AGU, a própria União reconhece a irrepetibilidade da verba recebida de boa-fé, por servidor público, em virtude de interpretação errônea ou inadequada da Lei pela Administração. Desse modo, e com maior razão, assim também deve ser entendido na hipótese em que o restabelecimento do benefício previdenciário dá-se por ordem judicial posteriormente reformada. 4. Na hipótese, impor ao embargado a obrigação de devolver a verba que por anos recebeu de boa-fé, em virtude de ordem judicial com força definitiva, não se mostra razoável, na medida em que, justamente pela natureza alimentar do benefício então restabelecido, pressupõe-se que os valores correspondentes foram por ele utilizados para a manutenção da própria subsistência e de sua família. Assim, a ordem de restituição de tudo o que foi recebido, seguida à perda do respectivo benefício, fere a dignidade da pessoa humana e abala a confiança que se espera haver dos jurisdicionados nas decisões judiciais. 5. Embargos de divergência no recurso especial conhecidos e desprovidos. (EREsp 1086154/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/11/2013, DJe 19/03/2014).