Ei, pessoal. Como estão?
Hoje vou falar especificamente sobre o posicionamento do STF acerca da responsabilidade do Estado por omissão. Há diversos materiais afirmando que a jurisprudência do Excelso Pretório vem se consolidando no sentido da responsabilidade objetiva da Administração em caso de omissão. Contudo, não é bem assim! Para se entender a orientação perfilhada pelo Supremo, é preciso distinguir a responsabilidade por omissão genérica e específica, conforme veremos a seguir.
Como cediço, a regra, com relação ao Estado, é a responsabilidade objetiva fundada no risco administrativo, cujo fundamento normativo se encontra no §6º do art. 37 da CF. Sem embargo, existem casos em que o dano não foi causado diretamente pela ação do agente público, mas sim por um “não fazer”, o que dá ensejo a responsabilidade do Estado por omissão.
Grande parte da doutrina administrativista, capitaneada por Celso Antônio Bandeira de Mello, sustenta ser restrita a aplicação do art. 37, §6º, CF à responsabilidade por ação do Poder Público, sendo subjetiva a responsabilidade da Administração sempre que o dano decorrer de uma omissão do Estado. De acordo com o referido autor, nos casos de omissão, o Estado não agiu, razão pela qual não é o causador do dano, não restando obrigado a indenizar os prejuízos, podendo responder, contudo, subjetivamente, com base na culpa anônima ou falta do serviço.
Há, ainda, uma segunda corrente, defendida por Sérgio Cavalieri Filho, entre outros doutrinadores, para a qual a responsabilidade por omissão nem sempre será do tipo subjetiva.
Isso porque, dispõe o §6º do artigo 37 da Constituição Federal que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. Desse modo, para que haja responsabilidade objetiva basta que surja o nexo de causalidade, caracterizado quando o Poder Público ostente o dever legal específico de agir para impedir o evento danoso, não exigindo a norma constitucional que a conduta estatal seja comissiva ou omissiva.
Sob esse prisma, o que determina se a responsabilidade do Estado será do subjetiva não é a mera ocorrência da omissão, mas sim o tipo de conduta omissiva, se específica ou genérica. Assim, a responsabilidade do Estado será subjetiva no caso de omissão genérica e objetiva no caso de omissão específica, pois aí há dever individualizado de agir.
Vejamos a diferença entre os dois tipos de omissão:
OMISSÃO ESPECÍFICA | OMISSÃO GENÉRICA |
Estado se encontra na condição de garante e, por omissão, cria situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tenha o dever de agir para impedi-lo.
Pressupõe um dever específico do Estado, que o obrigue a agir para impedir o resultado danoso. |
Situações em que não se pode exigir do Estado uma atuação específica. A inação do Estado não se apresenta como causa direta e imediata da não ocorrência do dano, razão pela qual deve o lesado provar que a falta do serviço (culpa anônima) concorreu para o dano. |
Ex.: morte de detento em rebelião em presídio; suicídio cometido por paciente internado em hospital público, tendo o médico responsável ciência da intenção suicida do paciente e nada feito para evitar; paciente que dá entrada na emergência de hospital público, onde fica internada, não sendo realizados os exames determinados pelo médico, vindo a falecer no dia seguinte; acidente com aluno nas dependências de escola pública. | Ex. queda de ciclista em bueiro há muito tempo aberto em péssimo estado de conservação, o que evidencia a culpa anônima pela falta do serviço; estupro cometido por presidiário, fugitivo contumaz, não submetido à regressão de regime prisional como manda a lei.
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Ao que se depreende da análise dos julgados mais recentes do Supremo, a Corte adota a segunda teoria apresentada, aplicando a responsabilização objetiva do Estado, nos moldes do art. 37, §6º, da CF, nas hipóteses em que o Poder Público tem o dever específico de agir e a sua omissão cria a situação propícia para a ocorrência do evento danoso (omissão específica).
A esse respeito, confira-se o seguinte trecho do voto condutor do RE 841.526/RS:
“Diante de tal indefinição, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vem se orientando no sentido de que a responsabilidade civil do Estado por omissão também está fundamentada no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, ou seja, configurado o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo particular e a omissão do Poder Público em impedir a sua ocorrência – quando tinha a obrigação legal específica de fazê-lo – surge a obrigação de indenizar, independentemente de prova da culpa na conduta administrativa, consoante os seguintes precedentes:
[…]
Deveras, é fundamental ressaltar que, não obstante o Estado responda de forma objetiva também pelas suas omissões, o nexo de causalidade entre essas omissões e os danos sofridos pelos particulares só restará caracterizado quando o Poder Público ostentar o dever legal específico de agir para impedir o evento danoso, não se desincumbindo dessa obrigação legal. Entendimento em sentido contrário significaria a adoção da teoria do risco integral, repudiada pela Constituição Federal, como já mencionado acima.” (g.n.) (RE 841526, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, j. 30/03/2016, Repercussão geral)
Isso não significa, todavia, que o STF aplique indistintamente tal modalidade de responsabilização a todo e qualquer dano advindo da omissão da Administração. Pelo contrário, entende o Excelso Pretório pela aplicação da responsabilidade subjetiva por omissão, com base na culpa anônima, nos casos em que há um dever genérico de agir e o serviço não funciona, funciona mal ou funciona tardiamente (omissão genérica).
Ocorre que nem sempre a distinção entre o tipo de omissão, se genérica ou específica, consta da ementa do julgado, o que leva muitos a entenderem pela oscilação jurisprudencial no STF ou, ainda, pela aplicação irrestrita da responsabilidade objetiva aos casos de omissão estatal, conclusão que, na atualidade, não encontra amparo nos julgados da Corte.
Esteja atento!
Bons estudos a todos!
Referências Bibliográficas
CAVALIERI FILHO, Sérgio. A Responsabilidade Civil Objetiva e Subjetiva do Estado. In Revista da EMERJ, v. 14, n. 55, p. 10-20, jul.-set. 2011.
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