Personalidade e capacidade no plano internacional: é possível ao indivíduo acessar diretamente os tribunais internacionais? 

Olá, meus caros!

O tema que iremos abordar hoje já foi objeto de questionamento no concurso para o cargo de Procurador Federal, em 2010.

Na ocasião, a banca examinadora solicitou ao candidato que redigisse um texto dissertativo acerca da capacidade processual do indivíduo no direito internacional, no qual fosse feita a devida distinção entre personalidade e capacidade no plano internacional, destacando-se, ainda, o entendimento da Corte Internacional de Justiça, da Corte Europeia de Direitos Humanos e da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o tema.

Pois bem. De maneira breve, passaremos a analisar os principais aspectos do assunto.

Inicialmente, é importante observar que, durante muito tempo, a doutrina resistiu em conferir ao indivíduo o caráter de sujeito de direito internacional público, especialmente em razão da perspectiva eminentemente interestatal que sempre norteou este ramo do direito.

Contudo, nos dias atuais, vem sendo progressivamente reconhecida não somente a personalidade do indivíduo, enquanto aptidão para titularizar direitos e obrigações no plano internacional, mas também sua capacidade processual, que lhe permite demandar em instâncias internacionais e, assim, exercer direitos e cumprir obrigações.[1]

Vale mencionar, não obstante, que, muito embora exista essa tendência de reconhecimento paulatino da capacidade processual do indivíduo, ainda não são todos os tribunais internacionais que a admitem.

Nesse sentido, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) entende que a capacidade de lhe submeter litígios está restrita aos Estados soberanos, membros ou não da Organização das Nações Unidas (ONU). Portanto, para que um particular faça valer algum direito seu junto à CIJ, é necessário que seu Estado espose tal pretensão e ali deflagre demanda judicial.[2]

Do mesmo modo, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) também não reconhece a legitimação do indivíduo para acessá-la diretamente, nos termos do art. 61.1[3], da Convenção Americana, cabendo apenas aos Estados-parte ou à Comissão Interamericana fazê-lo. Assim, ao indivíduo que se sentir lesado cabe enviar o caso para apreciação da Comissão, que, se entender que o Estado-parte descumpriu alguma obrigação prevista Convenção, poderá submetê-lo à Corte.[4]

A única que assegura o direito de petição ao indivíduo, sem intermediários, é a Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH). Tal garantia, no entanto, somente foi prevista com o Protocolo nº 11/1998, que tornou obrigatória a cláusula do art. 34[5], da Convenção Europeia, por meio da qual se previu expressamente a possibilidade de a pessoa física, grupo de particulares ou organizações não governamentais demandarem junto ao tribunal, reconhecendo-se, portanto, sua capacidade processual.

Enfim, é isso. Espero que os tenha ajudado!

Forte abraço,

Rodolfo Lopes

[1] PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado. 4ª ed. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 169 e 174.

[2] MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 955.

[3] Artigo 61

  1. Somente os Estados-partes e a Comissão têm direito de submeter um caso à decisão da Corte.

[4] PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional: um estudo comparativo dos sistemas regionais europeu, interamericano e africano. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 141 e 145.

[5] Artigo 34

Petições individuais

O Tribunal pode receber petições de qualquer pessoa singular, organização não governamental ou grupo de particulares que se considere vítima de violação por qualquer Alta Parte Contratante dos direitos reconhecidos na Convenção ou nos seus protocolos. As Altas Partes Contratantes comprometem – se a não criar qualquer entrave ao exercício efectivo desse direito.