Dia 30 de dezembro de 2013. Às vésperas do alvorecer do novo ano, o TSE publica a Resolução nº 23.396/2013, que dispõe sobre a apuração de crimes eleitorais. Aparentemente singela e inofensiva, normatiza todo o trâmite do inquérito policial eleitoral. As resoluções do TSE têm força de lei ordinária, tendo a função de regulamentar as eleições.

Porém, a medida desfere novo golpe às prerrogativas constitucionais do Ministério Público. Simplesmente, de uma vez só vai contra o Código de Processo Penal, Leis Orgânicas do Ministério Público e a Constituição da República. Com uma explícita inconstitucionalidade, impede o Ministério Público Eleitoral de requisitar a instauração de inquéritos policiais para apurar crimes eleitorais. Simples, assim.

É inevitável a lembrança recente e um certo déjà-vu quando se lembra da PEC 37 e a tentativa de limitar o Ministério Público. No caso, impede-se, novamente o exercício de uma prerrogativa constitucional do Ministério Público Brasileiro.

A medida, em seu art. 8º, confere exclusividade ao Juiz Eleitoral para determinar a instauração do inquérito policial eleitoral. Deixa de fora o Ministério Público Eleitoral, ignorando o sistema acusatório e jogando para escanteio toda a capacidade de requisitar inquérito policial, prevista na Constituição da República. A Constituição é cristalina em sua previsão de função institucional do Ministério Público –  art. 129, inciso VIII: “requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial”. Condicionar tal previsão por Resolução do TSE vai de encontro à hierarquia normativa.

Os sinais de alerta para a impunidade foram acesos. A sociedade analisa com atenção mais este debate jurídico, que tem grande potencial de transformar apurações de crimes eleitorais em mais documentos perdidos em escaninhos, pela já decantada burocracia e formalidades excessiva no processo penal. Não pela atuação dos Juízes Eleitorais em todo o país, que atuam em prazos sufocantes, com uma carga excessiva de trabalho, e na maioria das vezes, sem estrutura; mas sim pela própria burocracia e obstáculos que a Resolução tenta impor para a busca da verdade real nas investigações eleitorais.

Crimes, em geral, precisam de mais agilidade e efetividade para a investigação, sob pena de tornar-se impossível de caracterizá-los e reproduzi-los dentro de um inquérito e, posteriomente, de um processo. Necessário reproduzir com efetividade  os fatos da realidade para, após o devido processo legal, convencer o Estado-Juiz a condenar o requerido a uma pena, que deve ser justa e adequada à gravidade da conduta praticada. Há uma busca da sociedade obter maior celeridade em apurações penais.

Crimes eleitorais, por sua vez, além de tudo, exigem maior rapidez e eficiência, para que não se tenha vestígios e provas perdidas por uma apuração demorada. Se não,  viciam as eleições, permitindo galgar ao poder candidatos que macularam o processo eleitoral e desequilibram criminosamente o pleito. Crimes eleitorais precisam de fiscalização rápida e austera.

Impedindo o Ministério Público de requisitar diretamente a instauração de inquérito, há risco de ser ter um Ministério Público passivo, o que não pode ocorrer.

Com esta restrição, teremos duas espécies de crimes no mesmo ordenamento jurídico: crimes de ação pública com requisição de inquérito pelo MP, e crimes eleitorais, sem a possibilidade de requisição. Seria criada uma espécie sui generis de crime de ação penal pública, que impõe maior dificuldade e burocracia para investigar, em detrimento de todos os outros. Uma espécie de “crime com grife”. Qual seria a razão desta restrição? Por que o receio e o tratamento diferenciado ao Ministério Público somente na área eleitoral?

Submeter a mera requisição de inquérito a uma decisão judicial indica que o Juiz Eleitoral tenha função acusatória, já que impõe ao magistrado uma avaliação prévia sobre o caso que será analisado pelo mesmo juiz. Haverá uma clara violação ao princípio da imparcialidade do Juiz Eleitoral, já que cabe, sim, ao membro do Poder Juduciário velar pelas liberdades individuais e se manter imparcial nas investigações. É necessária sua presença e decisão nos casos em que há a cláusula de reserva da jurisdição, como casos de expedição de mandado de prisão, de interceptação telefônica e busca e apreensão, mas não para autorizar o início da própria investigação.

A Resolução cria mais uma fase para se apurar crimes como a compra de votos, corrupção eleitoral, falsidade de documentos eleitorais, filiações fraudulentas, fraudes em urnas eletrônicas. Coloca mais um óbice, atrasando ainda mais a investigação.

É sabido que os problemas no processo eleitoral brasileiro não são a existência de possíveis “investigações secretas”, já que todas as investigações são devidamente regulamentadas, com trâmite e registro policial e no Poder Judiciário e todas as medidas restritivas da liberdade e invasivas devem ser analisadas e regularmente deferidas pelo Juiz Eleitoral. Os problemas são, sim, a falta de investigações, o aumento de crimes e condutas ilegais nas eleições que ferem a escolha democrática do cidadão, que têm tudo para aumentar e reforçar a impunidade no caso de se criar mais uma etapa prévia à investigação eleitoral.

A Resolução vem criar mais um embaraço na atuação do Ministério Público e da persecução penal em crimes eleitorais, criando nova fase, impedindo uma maior celeridade. E não resolve nenhum problema atual. Ou seja, inova para pior.

Várias manifestações foram apresentadas, como das Associações representativas do Ministério Público, que indicaram que “A omissão da legitimidade do Ministério Público para a requisição destes inquéritos é inconstitucional, exótica, opaca em seus propósitos, imprevisível em suas consequências e atentatória à transparência do pleito e à própria Democracia”.

O Procurador-Geral da República Rodrigo Janot já pediu ao TSE a revisão da presente Resolução, por considerar que a norma estabelece limites para a instauração do inquérito policial pelo Ministério Público, e já sinalizou que caso o pedido não seja atendido, vai propor ao Supremo Tribunal Federal uma ação direta de inconstitucionalidade para questionar a referida resolução.

O Presidente do TSE, Ministro Marco Aurélio Mello, que votou contra a Resolução, disse acreditar na evolução da decisão, e afirmou que a tentativa de tolher o Ministério Público “conflita com o Código de Processo Penal e, portanto, não pode prevalecer”.

Com o pedido do PGR, o caso poderá ser revisto pelo próprio TSE ou sendo objeto de questionamento perante o STF.

Importante que de forma mais rápida a Justiça retome as normas aplicadas anteriormente pelo próprio TSE e, com base no Código de Processo Penal e Constituição da República garanta as requisições de crimes eleitorais pelo Ministério Público, evitando assim um período de insegurança jurídica e investigações com mais uma “etapa”.

Assim, a sociedade, que em junho cobrou e conseguiu a manutenção dos poderes de investigação do Ministério Público derrubando a PEC 37, vai acompanhar de perto e exigir a manutenção da possibilidade de requisição de inquérito policial pelo Ministério Público Eleitoral, o que só aumentará a cobrança de eleições mais limpas e maior eficácia do sistema eleitoral brasileiro, da atuação do Ministério Público Eleitoral e da Polícia no enfrentamento dos crimes eleitorais.

Será que as Eleições de 2014 serão marcadas pela ausência de requisição direta de inquéritos pelo Ministério Público Eleitoral? Espera-se, que não. Que o próprio TSE reconsidere este ponto da Resolução nº 23.396/2013 e deixe o texto adequado à Constituição da República.