Olá alunos e leitores do blog da EBEJI! Vamos falar hoje de entendimento importante no âmbito do direito de família associado ao direito processual civil. É possível que a viúva, não herdeira, conteste a ação de investigação de paternidade?
A ação de investigação de paternidade é o procedimento próprio para que o filho exerça o direito de buscar a paternidade biológica, ou seja, é forma de reconhecimento forçado ou coativo da paternidade. Tal ação pode ser movida também para reconhecimendo de maternidade, embora a primeira hipótese seja a mais comum na prática.
Esta demanda é imprescritível, isto é, sem prazo para que seja intentada, pois ostenta natureza declaratória e está diretamente relacionada à dignidade da pessoa humana. É o que preceitua o art. 27 do ECA (Lei 8069/90):
“O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de justiça.”
No mesmo sentido, a súmula 149 do STF prevê que “É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança.”
Pois bem. A ação em questão, em regra, é personalíssima do filho que, menor, deverá ser representado (menor de 16 anos) ou assistido (entre 16 e 18 anos). No entanto, a lei 8.560/92, prevê a legitimidade extraordinária do Ministério Público, ao tratar da veriguaçao oficiosa de paternidade (remessa pelo ofical de registro civil ao juiz, de registro de nascimento em que conste apenas a maternidade), conforme disposto no art. 2o, § 4° – Se o suposto pai não atender no prazo de trinta dias, a notificação judicial, ou negar a alegada paternidade, o juiz remeterá os autos ao representante do Ministério Público para que intente, havendo elementos suficientes, a ação de investigação de paternidade.
Outra legitimidade também conferida pela lei é a dos herdeiros do filho que pretende ver reconhecida a paternidade, estatuída pelo Código Civil:
Art. 1.606. A ação de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz.
Parágrafo único. Se iniciada a ação pelo filho, os herdeiros poderão continuá-la, salvo se julgado extinto o processo.
Estabelecido o polo ativo, vamos definir quem deve ocupar o polo passivo. O polo passivo deverá ser tomado por quem pode sustentar o preceito declaratório que o filho almeja, isto é, o estado de filho. Desta forma, deve figurar o suposto pai ou a suposta mãe (investigatória de maternidade).
Em caso de falecimento do investigado, o filho teria prejudicado seu direito? Não. É a chamada investigaçao de paternidade post mortem, que será proposta contra todos os herdeiros do investigado, legítimos ou testamentários (não contra o espólio, já que tem caráter pessoal) havendo, neste caso, litisconsórcio necessário.
Os arts. 1790 e 1829 do CC regulam a vocação hereditária, nos interessando o que dispõe o caput do 1790 e o inciso I do 1829, que assim preveem:
Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: […]
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; […]
Pela rápida leitura dos dispositivos, percebe-se que o cônjuge ou companheiro nem sempre serão herdeiros, o que varia em virtude da qualidade dos bens existentes ao tempo da abertura da sucessão ou do regime de bens do casamento.
Desta forma, é possível concluir que, não sendo herdeira, a viúva não ostentará a qualidade de listiconsorte necessária em ação de investigação de paternidade post mortem. Isto é, intentada a ação contra os herdeiros, e não o sendo a viúva, para complementação da relação processual desnecessária sua citação e integração no polo passivo. Tal premissa levaria, necessariamente, à conclusão de ilegitimidade da viúva para impugnar a ação.
No entanto, o art. 1.615 do CC estabelece que “Qualquer pessoa, que justo interesse tenha, pode contestar a ação de investigação de paternidade, ou maternidade.” Com isso, avaliada a existência de justo interesse, o qual poderá ser econômico ou moral, a pessoa que o detenha poderá contestar a ação investigatória.
Neste sentido, a viúva não herdeira tem justo interesse, o qual pode ser exclusivamente moral, em preservar os vínculos familiares e o casal formado com o investigado falecido. Daí emana, portanto, a possibilidade de esta impugnar a demanda em tela. Neste caso, como não é parte do processo, deverá recebê-lo no estado em que se encontra.
É esse o entendimento sedimentado na jurisprudência e exposto no julgado abaixo transcrito:
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE DA VIÚVA PARA IMPUGNAR AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE POST MORTEM. Mesmo nas hipóteses em que não ostente a condição de herdeira, a viúva poderá impugnar ação de investigação de paternidade post mortem, devendo receber o processo no estado em que este se encontra. Em princípio, a ação de investigação de paternidade será proposta em face do suposto pai ou suposta mãe, diante do seu caráter pessoal. Desse modo, falecido o suposto pai, a ação deverá ser proposta contra os herdeiros do investigado. Nesse contexto, na hipótese de a viúva não ser herdeira, ela não ostentará, em tese, a condição de parte ou litisconsorte necessária em ação de investigação de paternidade. Assim, a relação processual estará, em regra, completa com a citação do investigado ou de todos os seus herdeiros, não havendo nulidade pela não inclusão no polo passivo de viúva não herdeira. Ocorre que o art. 365 do CC/1916, em dispositivo reproduzido no art. 1.615 do Código em vigor, estabelece: “qualquer pessoa, que justo interesse tenha, pode contestar a ação de investigação da paternidade ou maternidade”. Por conseguinte, o interesse em contestar não é privativo dos litisconsortes necessários. Esclareça-se, a propósito, que a doutrina – seja sob a égide do Código de 1916, seja do atual – orienta-se no sentido de que o “justo interesse” pode ser de ordem econômica ou moral. De igual modo já decidiu o STF, em julgado no qual foi reconhecida a legitimidade da viúva do alegado pai para contestar ação de investigação de paternidade em hipótese em que não havia petição de herança (RE 21.182-SE, Primeira Turma, julgado em 29/4/1954). Desta feita, o interesse puramente moral da viúva do suposto pai, tendo em conta os vínculos familiares e a defesa do casal que formou com o falecido, compreende-se no conceito de “justo interesse” para contestar a ação de investigação de paternidade, nos termos do art. 365 do CC/1916 e do art. 1.615 do CC/2002. Não sendo herdeira, deve ela, todavia, receber o processo no estado em que este se encontrar, uma vez que não ostenta a condição de litisconsorte passiva necessária. REsp 1.466.423-GO, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 23/2/2016, DJe 2/3/2016 (Informativo n. 578).
Bons estudos e até semana que vem!
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