Olá pessoal, tudo beleza?

Hoje vamos tratar de um tema muito polêmico, que divide bastante a doutrina e recentemente foi objeto de questionamento da prova objetiva do MPF, gerando alguma incompreensão. Trata-se da possível existência entre (i) decretação de prisão preventiva de ofício na fase investigativa e (ii) conversão de prisão em flagrante em preventiva, de ofício.

Na antiga redação do artigo 311 do CPP, era possível o juiz decretar a prisão preventiva de ofício, independentemente da fase da persecução em que se estava analisando. Contudo, tal panorama era bastante criticado pela doutrina, uma vez que violaria o sistema acusatório. Nesse sentido, com o advento da Lei 12.403/2011, o CPP fora reformado, passando a prever a possibilidade (aquém do ideal para grande parte da doutrina e também em minha opinião) de preventiva (medidas cautelares em geral) de ofício apenas na fase processual, não mais durante a investigação. Essa constatação pode ser confirmada pelos dispositivos abaixo transcritos:

Art. 311.  Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.   (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

Art. 282.  As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:

  • 2o As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

Ora, evidencia-se, pois, que a possibilidade de decretação da preventiva de ofício se dá exclusivamente no curso da ação penal, sendo vedado ao juiz decretá-la sem provocação na fase investigativa. O decreto de prisão preventiva durante as investigações não prescinde de requerimento do titular da ação penal – Ministério Público ou querelante -, ou,ainda, de representação do órgão responsável pela atividade investigatória para que possa ser efetivada pelo magistrado, sob pena de violação aos princípios da imparcialidade do juiz, da inércia da jurisdição e do sistema acusatório[1].

De maneira acertada, parcela da doutrina não enxerga qualquer diferença entre o ato de decretar preventiva de ofício na fase investigativa (claramente vedado pela ordem vigente atual) e o ato de converter eventual prisão em flagrante em preventiva, de ofício.

A grande celeuma é que alguns doutrinadores passaram a apontar, à luz do artigo 310, II do CPP (“Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente: II – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão) que o magistrado poderia converter o flagrante em prisão preventiva DE OFÍCIO, independentemente de provocação do titular da ação penal!

Ora, concordo totalmente com grande parte da doutrina que aponta que não se coaduna com as funções do magistrado exercer qualquer atividade de ofício na fase investigativa que possa colaborar com a acusação. A ele cabe atuar somente quando devidamente provocado, tutelando liberdades fundamentais. O dispositivo acima transcrito deve ser interpretado sistematicamente com o artigo 282, parágrafo 2º e artigo 311 do mesmo diploma, mormente em razão de o artigo 306 prever também a comunicação do Ministério Público acerca do flagrante, garantindo-lhe ciência para análise da necessidade de requerimento de conversão ou não do flagrante[2]!

Eugênio Pacelli, na 18ª edição de seu manual, defende uma posição intermediária. Segundo o processualista, “o que é vedado ao juiz é somente a conversão da preventiva para fins de conveniência da investigação ou da instrução, na medida em que tais questões não lhes dizem respeito na fase de investigação. (…) O juiz poderá converter a prisão em flagrante em preventiva, de ofício, exceto para fins de tutela da investigação ou da instrução”[3].

Certo, Pedro! Mas e como se posiciona a jurisprudência do STJ?

Apesar da intensa controvérsia doutrinária e da minha particular posição em sentido contrário, o fato é que no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ficou muito clara a diferenciação entre (i) decretação de preventiva de ofício (art. 311) e (ii) conversão de flagrante em preventiva de ofício (art. 310, II), sendo essa segunda admitida! O ministro Reynaldo Soares da Fonseca, no RHC 51.967/MG, afirmou que:

“Não se trata de decretação da prisão de ofício, em desconformidade com o Sistema Acusatório

de Processo ou com o Princípio da Inércia, adotados pela Constituição da República de 1988. Em

primeiro lugar, porque o julgador só atuará após ter sido previamente provocado pela autoridade

policial (art. 306 do Código de Processo Penal), não se tratando de postura que coloque em xeque a sua imparcialidade. Em segundo lugar, porque a mesma Lei n. 12.403/2011, que extirpou a possibilidade de o juiz decretar de ofício a prisão provisória ainda durante o inquérito policial, acrescentou o inciso II ao artigo 310 do Código de Processo Penal, que expressamente permite a conversão. O cometimento de novo delito pelo recorrente, quando em curso do benefício da liberdade provisória,demonstra a concreta possibilidade de que o réu, em liberdade, venha a praticar novos crimes”.

Já nesse ano de 2017, o STJ teve a oportunidade de reafirmar o seu entendimento, apontando que “a impossibilidade de decretação da prisão preventiva ex officio pelo juiz na fase investigativa não se confunde com a hipótese dos autos, retratada no art. 310, II, do CPP, que permite ao magistrado, quando do recebimento do auto de prisão em flagrante, e constatando ter   sido esta formalizada nos termos legais, convertê-la em preventiva quando presentes os requisitos constantes do art. 312 do CPP. Isso porque a conversão da prisão em flagrante, nos termos já sedimentados por ambas as Turmas que compõem a Terceira Seção desta Corte Superior de Justiça, pode ser realizada de ofício pelo juiz” ((RHC 78.984/MG, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 16/02/2017, DJe 24/02/2017).

Pedro, e como a questão foi cobrada na prova do MPF?

A prova trazia a seguinte assertiva, para os candidatos avaliarem se está CERTA ou ERRADA:

“É entendimento majoritário que na fase da investigação criminal o decreto de prisão preventiva depende de requerimento, não podendo o juiz decretá-la ex officio, vedação que não se verifica na hipótese em que, mesmo na investigação, receber autos de prisão em flagrante e verificar presentes os requisitos da preventiva”.

Apesar de, particularmente, eu não conseguir afirmar claramente qual das posições prevalece na seara doutrinária, conforme foi apontado exaustivamente acima, claramente na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a posição que prevalece é pela vedação exclusivamente da decretação da prisão preventiva de ofício, não havendo mácula na conversão, de ofício, da prisão em flagrante para a preventiva!

No momento em que escrevi esse post, ainda não foi publicado o gabarito da prova! Teremos que aguardar!

Espero que tenha ficado claro! Tema bastante interessante!

Vamos em frente!

[1]BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo Penal, 2ª ed., Rio de Janeiro: Elsevier,2014, p. 734.

[2] Nesse sentido, ver LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal, Volume Único, 5ª Edição, Ed. Jus Podivm, pág. 953.

[3] PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 18ª edição, Atlas, pág. 593-595.