A Ditadura Militar impactou diretamente o Supremo Tribunal Federal. Alguns episódios na história indicam quais foram os principais impactos do regime ditatorial sobre a Suprema Corte brasileira.

 No dia 02/04/1964, dois dias após a assunção ao poder dos militares pelo Golpe do dia 31 de março, o Presidente do STF à época, Min. Ribeiro da Costa, participou da posse de Ranieri Mazzili, então Presidente da Câmara dos Deputados, como Presidente da República interino.

Em 15/04/1964, quando o Marechal Humberto Castello Branco assumiu a Presidência do mandato provisório de Ranieri Mazzili, o Presidente do STF Min. Ribeiro da Costa em discurso de boas-vindas na sede do Supremo:

“Senhor Presidente, Marechal Humberto de Alencar Castello Branco.

Excelência. A visita cordial que Vossa Excelência realiza, neste momento, à Alta

Corte de Justiça Brasileira tem amplo significado, ainda mais acentuando-se pelo fato eloquente que Vossa Excelência timbrou em ressaltar: de se ter empossado no Poder Executivo e dali, pela primeira vez, sair hoje para a realização desse ato solene.

Só isto revela o zelo, o apreço e a admiração do Chefe de Estado pelas demais instituições, a começar por aquela cuja missão reside, precisamente, em julgar, em face da Constituição, os atos dos demais Poderes”.

Porém, após este ato de recepção, a prática do Regime foi de atos prejudiciais à autonomia do STF.

O Ato Institucional nº 01, de abril de 1964, já trazia a previsão de eleição indireta para Presidente da República e a suspensão por 6 meses das garantias constitucionais ou legais de vitaliciedade e estabilidade de servidores. Ademais, “no interesse da paz e da honra nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, os Comandantes-em-Chefe, que editam o presente Ato, poderão suspender os direitos políticos pelo prazo de dez (10) anos e cassar mandatos legislativos federais, estaduais e municipais, excluída a apreciação judicial desses atos”. Como consequência, por exemplo, do AI-1, 2.990 pessoas tiveram mandatos cassados no decorrer do tempo. Tal medida já enfraqueceu o Supremo Tribunal Federal como garantidor dos direitos e garantias, já que houve profundas mudanças no cenário nacional.

Após o Presidente do STF Min. Ribeiro da Costa e vários membros da Corte perceberem que a intenção do Regime era de reprimir e manter tais alterações que afetavam diretamente a Constituição, várias decisões do Supremo começaram a incomodar os Militares.

Já com boatos de medidas mais duras sendo preparadas contra o Supremo Tribunal Federal, em 20/10/1965, o Min. Ribeiro da Costa publicou artigo no jornal Correio da Manhã com duras críticas ao regime:

Nada mais contundente, absurdo, esdrúxulo e chocante com os princípios básicos da constituição, que se cogite de aumento de juízes da Corte Suprema, sem que de sua iniciativa se manifeste essa necessidade mediante mensagem dirigida ao Congresso Nacional (…) Já é tempo que os militares se compenetrem de que nos regimes democráticos não lhes cabe o papel de mentores da Nação, como há pouco o fizeram, com estarrecedora quebra de sagrados deveres, os sargentos instados pelos Jangos e Brizolas. A atividade civil pertence aos civis, a militar a estes que sob o sagrado compromisso juram fidelidade às leis à Constituição

Uma semana depois, foi publicado o Ato Institucional nº 02, de outubro de 1965, que veio atingir diretamente o STF. Tal Ato alterou sua composição. O número de Ministros aumentou de 11 para 16.

Além disso, expressamente excluiu da apreciação judicial:

“I – os atos praticados pelo Comando Supremo da Revolução e pelo Governo federal, com fundamento no Ato Institucional de 9 de abril de 1964 (AI-1), no presente Ato Institucional e nos atos complementares deste;

II – as resoluções das Assembléias Legislativas e Câmara de Vereadores que hajam cassado mandatos eletivos ou declarado o impedimento de Governadores, Deputados, Prefeitos ou Vereadores, a partir de 31 de março de 1964, até a promulgação deste Ato.”

Assim, tal AI-2 foi ainda mais agressivo com a sociedade e o STF, aumentando a sua composição, com a consequência de indicação de Ministros teoricamente mais alinhados ao Regime e à contundente retirada da apreciação pela Justiça dos atos praticados com base nos próprios Atos Institucionais. Assim, as ilegalidades não sofreriam qualquer controle, havendo prejuízo direto ao sistema republicano e à tripartição dos poderes. Além disso, o AI-2 aumentou por demasia os poderes do Presidente da República, concedendo-lhe o direito para dissolver o parlamento, intervir nos estados, decretar estado de sítio, demitir funcionários civis e militares etc.

Já o Ato Institucional nº 05, de dezembro de 1968, foi o mais duro golpe no que ainda restava de democracia e no STF. Foi considerado o mais profundo e o que mais atingiu os direitos políticos e civis.

O Ato deu ao Presidente da República o poder de decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sitio ou fora dele. E que tais Casas só voltariam a funcionar quando convocados pelo Presidente da República.

O AI-5 permitiu a suspendeu dos direitos políticos de “quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais”, fazendo cessar o privilégio de foro por prerrogativa de função; o direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais; proibiu as atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política; permitiu a aplicação, quando necessária, da liberdade vigiada; proibição de freqüentar determinados lugares; domicílio determinado.

O próprio AI-5 adentrava mais uma vez na possibilidade de apreciação do Judiciário. Agora, suspendia a garantia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular. Ademais, reforçava a impossibilidade de qualquer apreciação judicial por todos os atos praticados de acordo com o AI-5 e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos.

Assim, instituia, de uma vez por todas, as restrições ao STF na apreciação dos atos do Regime Militar. Assim, pode-se configurar este como o fim dos direitos e garantias constitucionais. O fim do Estado Democrático de Direito, ou o que ainda restava dele, no Brasil.

No início de 1969, o STF foi atingido novamente em sua própria formação. Em fevereiro de 1969, com o Ato Institucional nº 06, o Presidente Costa e Silva reduziu o número de magistrados do Supremo de 16 para 11 e transferiu todos os delitos contra a segurança nacional ou as forças armadas para a jurisdição do Supremo Tribunal Militar e dos tribunais militares de categoria inferior.

Três ministros do Supremo Tribunal Federal foram forçados a se aposentar: Victor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva. Além disso, o presidente do Tribunal, Ministro Gonçalves de Oliveira, renunciou em sinal de protesto.

Após, com as medidas de “flexibilização” dos Atos Institucionais, o STF voltou, gradativamente, a ter a força constitucional. Porém, sem dúvida, que ainda com o Regime Militar e legislações anteriores o Supremo Tribunal Federal teve atuações limitadas pelo Regime Militar, só havendo maior democratização com a abertura, em 1985 e ganhando maior abrangência com a própria Constituição Federal de 1988.

A história serve para mostrar como o Estado Democrático de Direito fica extremamente abalado quando se afeta diretamente o Supremo Tribunal Federal, o guardião da Constituição e que a sociedade não pode tolerar qualquer reedição de regimes ou atos totalitários e repressivos.