Olá alunos! Vamos falar hoje de tema interessante afeto ao Direito Civil, especificamente no âmbito do Direito de Família, importante tanto para os concursos da Magistratura quanto do Ministério Público e da Defensoria.

Primeiramente, vamos entender o que é o instituto da guarda e de onde ele se origina.

A Constituição Federal em seu art. 226, §5o, estabelece a absoluta igualdade de condições entre homem e mulher no exercício dos direitos e deveres inerentes à sociedade conjugal. Como desdobramento desta isonomia, o art. 21 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) dispõe que “O poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.” Desta forma, ambos os genitores têm condições de gerir amplamente a vida de seus filhos, uma vez que o poder parental é atribuído aos dois.

Destarte, dessa relação entre pai e filho exsurge o chamado poder familiar, antigamente denominado de pátrio poder (originariamente exercido pelo pai, posteriormente com colaboração da mulher para, finalmente, passar a ser exercido por ambos). Nos dizeres de Caio Mário[1], o poder familiar é definido como “O complexo de direitos e deveres quanto à pessoa e bens do filho, exercidos pelos pais na mais estreita colaboração, e em igualdade de condições. ”

 Ele é, portanto, um feixe de direitos e obrigações, assim estabelecido no art. 1634 do Código Civil:

Art. 1.634.  Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:

I – dirigir-lhes a criação e a educação;

II – exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;

III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;

V – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município;

VI – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

VII – representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

VIII – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

IX – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

Os filhos estão sujeitos ao poder familiar apenas enquanto menores (art. 5o do CC), como preceitua o art. 1630 do CC. E é deste que decorre, portanto, o exercício da guarda, conforme inciso II do artigo supratranscrito.

A guarda é um corolário do direito-dever de criação e educação. Segundo José Antônio de Paula Neto, trata-se de um “direito consistente na posse de menor, oponível a terceiros e que acarreta deveres de vigilância em relação a este”.[2] Tratando-se de direito-dever a ser exercido por ambos os pais, os problemas surgem com a dissolução do vínculo conjugal, seja pela separação ou pelo divórcio.

A redação original do CC/02 previa, no art. 1583, que nestes casos a guarda dos filhos seria determinada na forma em que acordassem os cônjuges. Com a tendência civil-constitucional, o nosso sistema passou a focar no melhor interesse da criança e do adolescente, e não dos pais, passando-se, então, a definir a questão da guarda com foco nas necessidades infanto-juvenis e diante das circunstâncias do caso concreto.

Atualmente possuímos duas modalidades de guarda, a unilateral ou compartilhada (atual art. 1583 do CC).  A guarda unilateral é aquela em favor de apenas um dos genitores enquanto ao outro caberá apenas a regulamentação de visitas (art. 1583, §1o, 1a parte). A visitação, para este que não possui a guarda, poderá ser exercida mediante condições livremente pactuadas entre as partes ou estabelecidas pelo juiz, com a concordância do Ministério Público. Poderá abarcar dias, finais de semanas e inclusive pernoites. O traço marcante desta modalidade é que ela priva o menor do convívio contínuo com um dos genitores.

De outro lado, temos a guarda compartilhada, pela qual as atribuições inerentes aos filhos serão exercidas livremente por ambos os pais, o que possibilita, portanto, a ampla convivência com eles (art. 1583, §1o, 2a parte). É essa a forma de guarda mais recomendável, pois fica a critério dos genitores planejar a convivência e rotina.

Nos termos do §2o do art. 1584, não havendo consenso entre os genitores acerca de quem permanecerá com a guarda, obrigatoriamente deverá o juiz fixar a forma compartilhada:

Art. 1584, § 2o:Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.

Tal determinação apenas cede lugar no caso em que um dos pais não estiver apto a exercer o poder familiar ou declarar ao juiz não ter interesse em ter a guarda do menor (o que, a nosso ver, parece bastante óbvio, pois seria caso em que haveria o interesse de um e o desinteresse de outro, conduzindo à hipótese de acordo).

Deste modo, em hipótese de discordância entre os genitores, a forma compartilhada deverá obrigatoriamente ser aplicada, com exceção do caso em que um dos genitores não estiver apto ao exercício do poder familiar.

Tal inaptidão, contudo, deverá necessariamente ser declarada por decisão judicial, através de procedimento próprio (art. 155 a 163 do ECA). Não é possível, logo, o indeferimento da guarda compartilhada sem que haja a demonstração cabal da inaptidão do genitor. Isto ocorre porque o exercício do poder familiar é inerente ao estado de filho, isto é, é inerente à autoridade parental, dependendo de decisão judicial para que seja afastado, o que pode se dar por meio de perda ou suspensão, como estatuem os arts. 1637 e 1638 do CC.

Assim, a suspensão ou perda do poder familiar deve, obrigatoriamente, ser decretada por meio de decisão judicial e, só então, a partir desta, é possível afastar-se a obrigatoriedade da guarda compartilhada entre genitores discordantes. Esta questão foi tema de recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, veiculada no informativo n. 595:

Consiste a controvérsia em dizer se, à luz da atual redação do art. 1.584, II, § 2º, do Código Civil, é possível ao julgador indeferir pedido de guarda compartilhada sem a demonstração cabal de que um dos ex-cônjuges não está apto a exercer o poder familiar. Inicialmente, importa declinar que a questão relativa à imposição da guarda compartilhada, a partir do advento da nova redação do art. 1.584, II, § 2º, do CC, deixou de ser facultativa para ser regra impositiva. No que toca às possibilidades legais de não se fixar a guarda compartilhada, apenas duas condições podem impedir-lhe a aplicação obrigatória: a) a inexistência de interesse de um dos cônjuges; b) a incapacidade de um dos genitores de exercer o poder familiar. A primeira assertiva legal labora na linha do que é ululante, pois não se pode obrigar, sob vara, um genitor, a cuidar de sua prole. Contudo, do mesmo vício – obviedade – não padece a segunda condição, extraída, contrario sensu, do quanto disposto no art. 1.584, § 2º, do CC. O texto de lei, feito com a melhor técnica redacional, por trazer um elemento positivo: a condição necessária para a guarda compartilhada, aponta, em via contrária, para a circunstância que impedirá a imposição dessa mesma guarda compartilhada: a inaptidão para o exercício do poder familiar. E aqui reside uma outra inovação neste texto legal, de quilate comparável à própria imposição da guarda compartilhada, que consiste na evidenciação dos únicos mecanismos admitidos em lei para se afastar a imposição da guarda compartilhada: a suspensão ou a perda do poder familiar. A suspensão por gerar uma inaptidão temporária para o exercício do poder familiar (art. 1637 do CC); a perda por fixar o término do Poder Familiar. Ocorre, porém, que ambas as situações exigem, pela relevância do direito atingido, que haja uma prévia decretação judicial do fato, circunstância que, pela íntima correlação com a espécie, também deverá ser reproduzida nas tentativas de oposição à guarda compartilhada. É dizer, um ascendente só poderá perder ou ter suspenso o seu poder/dever consubstanciado no poder familiar por meio de uma decisão judicial e, só a partir dessa decisão, perderá a condição essencial para lutar pela guarda compartilhada da prole, pois deixará de ter aptidão para exercer o poder familiar. Essa interpretação, que se extrai do texto legal, embora não crie uma exceção objetiva à regra da peremptoriedade da guarda compartilhada, tem o mérito de secundar o comando principal, pois se passa a exigir, para a não aplicação da guarda compartilhada, um prévio ou incidental procedimento judicial declarando a suspensão ou perda do poder familiar, com decisão judicial no sentido da suspensão ou da perda.

O tema, embora não apresente exceção à regra legal, demonstra a necessidade da existência de procedimento prévio ou concomitante à discussão da guarda, atinente à perda ou suspensão do poder familiar de um dos genitores, para que seja aplicada a regra insculpida no §2o do art. 1584. Em provas práticas e discursivas, o tema tem grandes chances de aparecer, sendo muito importante a familiaridade com os dispositivos legais mencionados neste pequeno ensaio e com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Bons estudos!

[1] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Volume V. 16a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 421.

[2] NETO, José Antônio Paula Santos. Do Poder Familiar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 55.