Olá alunos e leitores do blog da EBEJI!

Hoje voltamos a falar de Estatuto da Criança e do Adolescente, no âmbito infracional, sobre importante questão acerca da internação de adolescente infrator.

Em texto recente já publicado aqui no blog abordamos a remissão na fase pré-processual (https://blog.ebeji.com.br/impossibilidade-de-modificacao-pelo-juiz-da-proposta-de-remissao-pre-processual-oferecida-ao-adolescente/). Hoje, analisaremos a prática do ato infracional cuja consequência seja a aplicação de medida socioeducativa de internação.

Apenas relembrando conceitos, nos termos do art. 103 do ECA, o ato infracional é a conduta descrita como crime ou contravenção penal. Como tal, é preciso que ele seja também típico, antijurídico e culpável, nos mesmos moldes do Direito Penal, de forma a permitir que o adolescente por ele responda.

Destaque-se que a responsabilização infracional é apenas juvenil, isto é, para adolescentes na faixa etária entre 12 anos completos e 18 anos incompletos, excluídos os menores de 12 anos. Para tanto, a análise da responsabilidade deve ser feita considerando-se a idade do jovem na data do fato, nos moldes em que preconiza o art. 104, parágrafo único do ECA.

E vocês sabem como é o procedimento a ser desenvolvido para que se culmine na imposição da medida socioeducativa de internação?

Realizada a prática de ato análogo a crime ou contravenção, não se tratando de hipótese de arquivamento ou remissão (art. 180), o Ministério Público oferecerá representação e terá início a ação socioeducativa (não se fala em ação penal nem em réu, mas representado). O primeiro ato judicial, em que pese o silêncio do legislador, é o juízo de admissibilidade daquela peça, pois necessariamente o magistrado precisa aferir a viabilidade desta, evitando-se ações desprovidas de fundamento.

Recebida a mesma, será designada audiência de apresentação para a oitiva do menor, seguida da oitiva dos pais ou responsável, que igualmente serão intimados a comparecer (art. 184 e 186). Na sequência, o juiz poderá conceder a remissão (essa como forma de suspensão ou extinção do processo –  art. 186, §1o e 188) mas, não sendo o caso, a defesa terá o prazo de 3 dias a contar desta audiência para apresentar a defesa prévia.

Uma vez apresentada, será designada nova audiência, esta chamada de audiência em continuação (art. 186, §4o) em que será colhida a prova, isto é, efetuada a oitiva das testemunhas arroladas, após o que, concluídas todas as diligências pendentes, deverão as partes se manifestar em alegações finais, primeiro o Ministério Público e depois a Defesa, seguindo-se da prolação da sentença.

Percebe-se, portanto, que o procedimento para apuração de ato infracional é bastante concentrado, vigorando a celeridade, especialmente se o adolescente estiver internado provisoriamente, hipótese em que tudo deverá ser concluído dentro do prazo máximo de 45 dias, conforme determinam os arts. 108 e 183 do ECA.

Na sentença, caberá ao juiz, comprovada a materialidade e autoria do ato infracional, julgar procedente a representação, de forma fundamentada, e aplicar a medida socioeducativa mais adequada. Importante ressaltar que não cabe falar em sentença condenatória com aplicação de pena.

Dentre as medidas socioeducativas existentes em nosso ordenamento, cujo rol encontra-se previsto no art. 112, há apenas duas medidas que implicam em privação de liberdade, quais sejam, a semiliberdade e a internação. A primeira está regulada no art. 120, ao passo em que a segunda está disciplinada a partir do art. 121.

Tratemos da internação. Esta é a medida que, por excelência, tem natureza segregadora e, por esta razão, submete-se aos princípios da brevidade (duração de menor período possível), excepcionalidade (aplicação que se justifique apenas se não houver outra medida mais adequada ao caso) e condição peculiar do adolescente como pessoa em desenvolvimento (ótica multidisciplinar sobre o comportamento dele, que analisa as condições psíquicas, físicas e emocionais).

A internação determinada na sentença é conhecida por internação definitiva, e para sua aplicação é obrigatória a observância do disposto no art. 122 do ECA, que assim prevê:

Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:

I – tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;

II – por reiteração no cometimento de outras infrações graves;

III- por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.

O rol do artigo 122 é exaustivo, mas não há necessidade de cumulação das hipóteses. Ao contrário, há independência entre elas e a presença de apenas uma autoriza o decreto de internação.

O inciso III cuida de descumprimento reiterado e injustificado de outra medida socioeducativa anteriormente imposta. Não diz respeito, portanto, ao ato infracional em si, mas ao descumprimento da medida consequente que lhe foi aplicada.

O inciso I cuida dos crimes que envolvem grave ameaça ou violência contra a pessoa, como roubo, sequestro, homicídio, latrocínio, estupro, lesão grave, etc.

O inciso II, objeto específico do presente estudo, permite a internação se o adolescente tiver reiterado o cometimento de outras infrações graves. Por grave não se deve entender necessariamente cometido com violência ou grave ameaça, permitindo-se a inclusão de outras infrações. Segundo ensinamento de Jurandir Norberto Marçura (Estatuto da Criança e do Adolescente comentado – Comentários jurídicos e sociais, Editora Malheiros, 2002, pag. 518):

Considerando que o legislador valeu-se dos conceitos de crime e contravenção para definir o ato infracional (art. 103), devemos buscar na lei penal o balizamento necessário para a conceituação do ato infracional grave. Nela, os crimes considerados graves são apenados com reclusão; os crimes leves e as contravenções penais, com detenção, prisão simples e/ou multa. Por conseguinte, entende-se por grave o ato infracional a que a lei penal comina pena de reclusão.

É preciso, portanto, que nos termos do inciso II, para que ele seja caracterizado, se tenha apenas a prática de um primeiro ato grave, o que sequer significa que tenha que ser ato da mesma espécie ou igual.

Surge, neste inciso, grande celeuma acerca da reiteração. É sabido que o vocábulo indica repetição, isto é, fazer de novo, e para que se faça de novo é necessária apenas uma prática anterior. No entanto, formou-se o entendimento de que, na verdade, a imposição constante do dispositivo em comento necessita da prática de ao menos três condutas.

Explico. O inciso II fala em “reiteração no cometimento de outras infrações”. Percebe-se que o dispositivo traz a última expressão no plural, o que levou parte da doutrina e jurisprudência a afirmar que para a sua configuração era necessário, portanto, que houvesse ao menos duas práticas anteriores graves para que, na terceira, pudesse ser determinada a infração. Do contrário, o dispositivo preveria reiteração de outra infração, no singular. Este era o posicionamento sedimentado do STJ, como se depreende do HC 57.641:

HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE . ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO PORTE ILEGAL DE ARMA DE USO PERMITIDO. DESNECESSIDADE DE A ARMA ESTAR MUNICIADA PARA CARACTERIZAR O CRIME. ATIPICIDADE. INEXISTÊNCIA MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA DE INTERNAÇÃO POR PRAZO INDETERMINADO. INEXISTÊNCIA DE REITERAÇÃO DE CONDUTA INFRACIONAL GRAVE. MALFERIMENTO AO ART. 122 DO ESTATUTO MENORISTA. ROL TAXATIVO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. PRECEDENTES. 1. Basta à configuração do crime do art. 14 , da Lei n.º 10.826 /03, o porte de arma de uso permitido sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, sendo irrelevante o fato de a arma estar desmuniciada. 2. A internação, medida sócio-educativa extrema, só está autorizada nas hipóteses taxativamente elencadas no art. 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente . Somente ocorre reiteração de conduta infracional pelo menor, quando, no mínimo, são praticadas três ou mais condutas infracionais. 3. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 4. Ordem parcialmente concedida para, reformando o acórdão vergastado, restabelecer a sentença de primeiro grau.

Todavia, tal entendimento está hoje SUPERADO. Tanto o STF quanto o STJ asseveram que, para configurar a polêmica reiteração, não é necessário o cometimento de três infrações, ao argumento de ausência de previsão legal neste sentido.

Desta forma, o entendimento que vigora hoje é de que o ECA não estipulou número mínimo de atos infracionais para que se aplique o inciso II do art. 122, de sorte que, havendo o cometimento de um grave anterior, analisado o caso pelo juiz, e considerada a medida mais adequada, poderá ser imposta a internação.

É o que traz o seguinte julgado:

A depender das particularidades e circunstâncias do caso concreto, pode ser aplicada, com fundamento no art. 122, II, do ECA, medida de internação ao adolescente infrator que antes tenha cometido apenas uma outra infração grave. Dispõe o art. 122, II, do ECA que a aplicação de medida socioeducativa de internação é possível “por reiteração no cometimento de outras infrações graves”. Sobre o tema, destaquem-se os seguintes ensinamentos trazidos por doutrina: “Há orientação jurisprudencial, em nosso entendimento equivocada, dando conta da necessidade da reiteração de, pelo menos, três atos infracionais graves. Chega-se a tal conclusão pelo fato de o legislador não ter usado o termo reincidência, ao qual se permitiria a prática de duas infrações. Com a devida vênia, este Estatuto fez o possível para evitar termos puramente penais. Se não usou a palavra reincidência, foi justamente para fugir ao contexto criminal, aliás, como usou ato infracional e não delito ou crime.” Não há que se falar em quantificação do caráter socioeducador do ECA, seja em razão do próprio princípio da proteção integral, seja em benefício do próprio desenvolvimento do adolescente, uma vez que tais medidas não ostentam a particularidade de pena ou sanção, de modo que inexiste juízo de censura, mas, sim, preceito instrutivo, tendo em vista que exsurge, conforme doutrina, “após o devido processo legal, a aplicação da medida socioeducativa, cuja finalidade principal é educar (ou reeducar), não deixando de proteger a formação moral e intelectual do jovem”. À luz do princípio da legalidade, devemos nos afastar da quantificação de infrações, devendo, portanto, a imposição da medida socioeducativa pautar-se em estrita atenção às nuances que envolvem o quadro fático da situação em concreto. Comunga-se, assim, da perspectiva proveniente da doutrina e da majoritária jurisprudência do STF e da Quinta Turma do STJ, de modo que a reiteração pode resultar do próprio segundo ato e, por conseguinte, a depender das circunstâncias do caso concreto, poderá vir a culminar na aplicação da medida de internação. […]HC 347.434-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Rel. para acórdão Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 27/9/2016, DJe 13/10/2016.

O tema, portanto, com a modificação de entendimento, é extremamente relevante para os concursos que abordam a matéria, demandando conhecimento do candidato acerca de suas nuances e dos dispositivos citados.

Bons estudos e até a próxima!