Neste início de 2014 estão ocorrendo novas manifestações públicas contra a realização da Copa do Mundo no Brasil ou, pelo menos, como a forma que o evento será realizado, com alegados gastos excessivos de recursos públicos em detrimento de outras áreas fundamentais, como saúde e educação.

Agências bancárias, concessionárias, automóveis de forças policiais e prédios particulares foram depredados.

Neste momento de tensão, até mesmo um carro particular, o fusca da família de um serralheiro de São Paulo, que utilizava o veículo como instrumento de trabalho, foi incendiado no centro da cidade.

Estes tumultos ocorrerem em meio a algumas manifestações violentas que ocorrem no país, ao mesmo tempo em que há centenas de manifestações pacíficas e que exigem melhoria dos serviços públicos e melhor controle dos gastos públicos e punições de desvios.

Daí advém a questão: quem paga a conta dos prejuízos das manifestações violentas?

Neste caso, o ônus da manifestação recai somente sobre um ou alguns membros da coletividade? É válido que o cidadão que tem um automóvel passando pela rua naquele momento ou que tenha um imóvel nas proximidades do ato que ocorreu de forma violenta seja responsabilizado, individualmente, quando houve clara omissão do Estado? E se for em automóvel da FIFA? E se o dano ocorrer em propriedade da FIFA, ou em consultor ou empregado que estiver trabalhando na Copa do Mundo?

Se o dano for causado a bens ou delegatários da FIFA, a lei resolve de forma clara e direta. Há uma Lei Federal específica, de nº 12.663/2012, que prevê que a União responderá pelos danos que causar, por ação ou omissão, à FIFA, seus representantes legais, empregados ou consultores, na forma do §6º do art. 37 da Constituição Federal. Ainda, que a União assumirá os efeitos da responsabilidade civil perante a FIFA, seus representantes legais, empregados ou consultores por todo e qualquer dano resultante ou que tenha surgido em função de qualquer incidente ou acidente de segurança relacionado aos Eventos, exceto se e na medida em que a FIFA ou a vítima houver concorrido para a ocorrência do dano.

Procurador-Geral da República ajuizou ADIn contra a norma, indicando que, neste ponto, a lei violou previsão constitucional [artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal] sobre a responsabilidade da Administração Pública:

“Contrariamente ao dispositivo constitucional, o artigo 23 da Lei Geral da Copa adota a Teoria do Risco Integral, pois impõe à União a assunção da responsabilidade por danos que não foram causados por seus agentes. O dispositivo impugnado prevê a dispensa da comprovação da falha administrativa, de forma a responsabilizar o ente público inclusive pelos prejuízos decorrentes de atos de terceiros e de fatos da natureza”.

Assim, a responsabilidade que a União assume pela citada lei é integral, independente, inclusive, de conduta decorrente da ação ou omissão de um agente público, mesmo quando o afetado não seja o beneficiário de um serviço público. O STF ainda deve analisar neste semestre o presente caso, com a existência da União como “garantidora geral” de qualquer mínimo prejuízo porventura causado, ainda que inexista qualquer nexo de causalidade.

Já quando o prejuízo é causado a um particular, nacional ou estrangeiro em trânsito no Brasil, a situação é diferente. Não há responsabilidade integral a ser suportada pela União, pelo Estado ou Município. Mas as tradicionais formas de responsabilidade civil do Estado ainda têm sua total validade e devem, quando caracterizadas, ser também aplicadas a fim de não penalizar isoladamente um indivíduo que não colaborou para o evento danoso.

Vale lembrar que atos públicos são amplamente divulgados, não se tratando de ato em que não se poderia supor os seus desdobramentos. Estes atos são, não raras vezes, marcados através de redes sociais com bastante antecedência. E, infelizmente, a consequência violenta de parte destes atos também é prevista, já que parcela de manifestantes algumas vezes acaba buscando métodos violentos para demonstrar o descontentamento.

 Neste sentido, entendo que o cidadão, de forma individual, não pode arcar com o ônus da manifestação. A questão da responsabilidade civil do Estado pode ser aferida até mesmo por conta da socialização dos danos ocorridos, já que é fundamental que o Estado responda pelos danos que este mesmo Estado, em qualquer uma das suas faltas, venha causar ao direito individual.

Vige em nosso ordenamento civil brasileiro, o princípio da causalidade adequada, também denominado princípio do dano direto e imediato. Ou seja, não pode uma pessoa ser responsabilizada por aquilo que não tiver dado causa.

Neste sentido, o STF entende que as pessoas jurídicas de direito público respondem objetivamente pelos danos que causarem a terceiros, com fundamento no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, tanto por atos comissivos quanto por omissivos, desde que demonstrado o nexo causal entre o dano e a omissão do Poder Público.

Assim, em um ato com hora marcada, com risco de que grupos promovam a violência e com o prévio conhecimento e própria presença do aparelho policial estatal, não é aceitável que o particular suporte o prejuízo do evento de forma isolada. Ou seja, houve possibilidade do Estado, de forma diligente, impedir aquele evento danoso, porém, não o fez.

Assim, caberia ao Estado, responsável pela segurança pública, ser o garantidor de danos causados a particulares em eventos marcados e com acompanhamento da polícia. Em períodos mais próximos da Copa do Mundo, caberia até mesmo à União, quando estiver presentes forças federais de segurança, como Exército, Força Nacional de Segurança e Polícia Federal, já que a União também assume a responsabilidade por manter a ordem e garantir a incolumidade física e patrimonial dos cidadãos no país, principalmente em cidades-sedes da Copa do Mundo.

Não se pode supor que o país garantirá à FIFA, em toda a sua amplitude, uma espécie de responsabilidade civil nunca garantida a nenhuma entidade ou pessoa, se não garantir minimamente aos seus cidadãos a responsabilidade civil por danos decorrentes de omissão das forças de segurança em atos com hora e local marcados e com enredo definido.

Dr. Alan Mansur, Procurador da República