Ubirajara Casado é Advogado da União
Professor de Processo Civil e Constitucional da EBEJI
Coautor do livro Súmulas da AGU: Organizadas por assunto, anotadas e comentada
EBEJI
Tudo bem com todos vocês? Espero que sim e que todos continuem estudando muito para passar no concurso desejado.
Vamos falar sobre uma decisão do STJ muito interessante acerca da existência de condenação em ação de improbidade que imponha ao condenado ressarcimento ao erário e acórdão do Tribunal de Contas impondo ressarcimento ao mesmo acusado, pelos mesmos fatos.
Antes, vamos revisar um pouco sobre a a ação de improbidade.
Administrador probo é o que atende às exigências de boa-fé, lealdade, honestidade e ética. Ímprobo, portanto, será aquele que desvirtua qualquer um desses parâmetros. A ação de improbidade administrativa, portanto, é aquela que pretende o reconhecimento judicial de condutas de improbidade na Administração e a consequente aplicação das sanções legais.
Veja-se que a existência de tal ação está prevista na própria Constituição, que, em seu art. 37, §4º, dispõe que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
As sanções aplicáveis, portanto, já foram determinadas pelo próprio texto constitucional, que, mais adiante, no §5º, especifica que a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.
A lei a que se refere o dispositivo é a Lei 8.429/92, de leitura obrigatória, a qual possui caráter nacional quanto ao seu núcleo, isto é, quanto às normas que tratam de direito civil, eleitoral e processual.
E o que é um ato de improbidade? É ele um ilícito penal, civil ou de natureza administrativa?
A matéria já foi analisada pelo STF que, na ADI 2797, entendeu que o ato ímprobo possui natureza civil, ainda que algumas de suas sanções atinjam a esfera dos direitos políticos. Vale lembrar que essa posição foi firmada no momento em que declarada a inconstitucionalidade do art. 84 do CPP, com a nova redação que lhe havia sido dada pela Lei 10.28/02, e que garantia prerrogativa de foro também nas hipóteses de ação de improbidade administrativa.
Sendo um ato de natureza civil, e considerando a independência existente entre as instâncias, nada impede que a prática deste ato irradie efeitos nas três esferas jurídicas: penal, cível e administrativa.
Além disso, essa constatação nos permite concluir que a ação de improbidade é uma ação de natureza civil, e não penal. Disso, então, há uma consequência importante que gostaria de tratar com os senhores antes de analisar a decisão do STJ no REsp 1.413.674-SE 1a Turma.
Não há bis in idem em relação aos agentes políticos, que respondem tanto por improbidade administrativa quanto pela prática de crimes de responsabilidade:
Como sabemos, os agentes políticos estão sujeitos também à prática de crimes de responsabilidade. Tais crimes estão previstos na Lei 1.79/50. A dúvida, então, estava em saber se a aplicação dos dois regimes geraria um bis in idem.
A matéria foi objeto de longas discussões tanto no STF quanto no STJ, sendo que, atualmente, a posição é a de que a lei de improbidade administrativa é plenamente aplicável aos agentes políticos.
Como exemplo, cite-se o seguinte julgado do STF:
E M E N T A: “MEDIDA CAUTELAR INOMINADA INCIDENTAL” – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – AGENTE POLÍTICO – COMPORTAMENTO ALEGADAMENTE OCORRIDO NO EXERCÍCIO DE MANDATO DE GOVERNADOR DE ESTADO – POSSIBILIDADE DE DUPLA SUJEIÇÃO TANTO AO REGIME DE RESPONSABILIZAÇÃO POLÍTICA, MEDIANTE “IMPEACHMENT” (LEI Nº 1.079/50), DESDE QUE AINDA TITULAR DE REFERIDO MANDATO ELETIVO, QUANTO À DISCIPLINA NORMATIVA DA RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI Nº 8.429/92) – EXTINÇÃO SUBSEQUENTE DO MANDATO DE GOVERNADOR DE ESTADO – EXCLUSÃO DO REGIME FUNDADO NA LEI Nº 1.079/50 (ART. 76, PARÁGRAFO ÚNICO) – PLEITO QUE OBJETIVA EXTINGUIR PROCESSO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, EM RAZÃO DE, À ÉPOCA DOS FATOS, A AUTORA OSTENTAR A QUALIDADE DE CHEFE DO PODER EXECUTIVO – LEGITIMIDADE, CONTUDO, DE APLICAÇÃO, A EX-GOVERNADOR DE ESTADO, DO REGIME JURÍDICO FUNDADO NA LEI Nº 8.429/92 – DOUTRINA – PRECEDENTES – REGIME DE PLENA RESPONSABILIDADE DOS AGENTES ESTATAIS, INCLUSIVE DOS AGENTES POLÍTICOS, COMO EXPRESSÃO NECESSÁRIA DO PRIMADO DA IDEIA REPUBLICANA – O RESPEITO À MORALIDADE ADMINISTRATIVA COMO PRESSUPOSTO LEGITIMADOR DOS ATOS GOVERNAMENTAIS – PRETENSÃO QUE, SE ACOLHIDA, TRANSGREDIRIA O DOGMA REPUBLICANO DA RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS – DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO À AÇÃO CAUTELAR – INTERPOSIÇÃO DE RECURSO DE AGRAVO – PARECER DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA POR SEU IMPROVIMENTO – RECURSO DE AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
(AC 3585 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 02/09/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-211 DIVULG 24-10-2014 PUBLIC 28-10-2014)
Interessante observar, a partir do julgado acima, que a perda do mandato eletivo faz cessar a aplicabilidade da Lei 1.079/50, mas não faz cessar a aplicação da LIA, o que é questão de grande relevância prática!
Já que estamos falando em bis in idem, vamos a decisão do STJ do último informativo (584):
DIREITO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE DE DUPLA CONDENAÇÃO AO RESSARCIMENTO AO ERÁRIO PELO MESMO FATO.
Não configura bis in idem a coexistência de título executivo extrajudicial (acórdão do TCU) e sentença condenatória em ação civil pública de improbidade administrativa que determinam o ressarcimento ao erário e se referem ao mesmo fato, desde que seja observada a dedução do valor da obrigação que primeiramente foi executada no momento da execução do título remanescente. Conforme sedimentada jurisprudência do STJ, nos casos em que fica demonstrada a existência de prejuízo ao erário, a sanção de ressarcimento, prevista no art. 12 da Lei n. 8.429/92, é imperiosa, constituindo consequência necessária do reconhecimento da improbidade administrativa (AgRg no AREsp 606.352-SP, Segunda Turma, DJe 10/2/2016; REsp 1.376.481-RN, Segunda Turma, DJe 22/10/2015). Ademais, as instâncias judicial e administrativa não se confundem, razão pela qual a fiscalização do TCU não inibe a propositura da ação civil pública. Assim, é possível a formação de dois títulos executivos, devendo ser observada a devida dedução do valor da obrigação que primeiramente foi executada no momento da execução do título remanescente. Precedente citado do STJ: REsp 1.135.858-TO, Segunda Turma, DJe 5/10/2009. Precedente citado do STF: MS 26.969-DF, Primeira Turma, DJe 12/12/2014. REsp 1.413.674-SE, Rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Rel. para o acórdão Min. Benedito Gonçalves, julgado em 17/5/2016, DJe 31/5/2016.
Quais as conclusões que tenho do julgado?
– Perceba, inicialmente, que o mesmo ato praticado pelo agente público (lembre-se que a lei de improbidade tem conceito amplo de agente público, razão pela qual o STJ inclui até estagiários como sujeitos ativos de atos de improbidade e passivos da ação civil pública por ato de improbidade1) pode ensejar uma condenação em ressarcimento via controle realizado pelo TCU e uma sanção de ressarcimento proveniente de uma ação civil pública por ato de improbidade.
– Pois bem, o acórdão do TCU é título executivo extrajudicial e executado pela Fazenda Pública beneficiária (atenção que o MP não pode executar esse acórdão, segundo jurisprudência do STF – confira lendo aqui: https://blog.ebeji.com.br/legitimidade-para-a-execucao-de-acordao-do-tcu/)
– A ação civil pública por ato de improbidade é intentada pelo MP ou pela Fazenda Pública e não é inibida pelo acórdão do TCU, exatamente porque as instâncias administrativa e judicial não se confundem, no caso.
– Mas, nesse caso, o agente deve pagar o ressarcimento duas vezes?
– Não, segundo o STJ não configura bis in idem a coexistência de título executivo extrajudicial (acórdão do TCU) e sentença condenatória em ação civil pública de improbidade administrativa que determinam o ressarcimento ao erário e se referem ao mesmo fato, desde que seja observada a dedução do valor da obrigação que primeiramente foi executada no momento da execução do título remanescente.
– Assim, como o ressarcimento é destinado, nos dois casos, a mesma pessoa jurídica de Direito Público, não há necessidade de pagamento duplo, será preciso a dedução dos valores eventualmente já pagos entre um título e outro.
– Julgado importante para a Fazenda Pública por envolver: acórdão de título do TCU e sua execução, ação de improbidade e ressarcimento.
Forte abraço a todos, Ubirajara Casado.
EBEJI
1. De acordo com o artigo 2º da Lei 8.429/92 o conceito de agente público é amplo, sendo considerado como tal “todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior”.
Desta forma, o agente público é todo aquele que exercer mandato, emprego ou função em qualquer órgão da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual.
O STJ tem jurisprudência específica para o caso dos estagiários, entendendo que os mesmos podem ser sujeitos ativos de atos de improbidade e, por consequência, são legitimados passivos para uma ACP por improbidade administrativa:
Segunda Turma
DIREITO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA A ESTAGIÁRIO.
O estagiário que atua no serviço público, ainda que transitoriamente, remunerado ou não, está sujeito a responsabilização por ato de improbidade administrativa (Lei 8.429/1992). De fato, o conceito de agente público, constante dos artigos 2º e 3º da Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), abrange não apenas os servidores públicos, mas todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função na Administração Pública. Assim, na hipótese em análise, o estagiário, que atua no serviço público, enquadra-se no conceito legal de agente público preconizado pela Lei 8.429/1992. Ademais, as disposições desse diploma legal são aplicáveis também àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma, direta ou indireta. Isso porque o objetivo da Lei de Improbidade não é apenas punir, mas também afastar do serviço público os que praticam atos incompatíveis com o exercício da função pública. REsp 1.352.035-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 18/8/2015, DJe 8/9/2015 (Informativo 568).
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