Olá pessoal, tudo certo?

Hoje vamos rememorar um tema já abordado há muito aqui no blog por mim, mas que é sempre relevante tecer algumas considerações. Após a realização de algumas (recentes) audiências criminais em que foram realizadas suspensões condicionais do processo, achei pertinente dividir alguns pontos que não são muito explorados pela doutrina pátria.

Tradicionalmente, o direito penal e processual penal é associado à chamada Justiça do Conflito, em que amiúde há pólos com interesses concretamente divergentes, problematizando fatos e produzindo provas para que um terceiro imparcial , o julgador, delibere pela solução a ser aplicada no caso concreto.

Contudo, há quem aponte que a Constituição Federal de 1988 teria inaugurado e/ou traçado os primeiros contornos da chamada Jurisdição do Consenso!

Pedro, nunca ouvi falar disso! É sério?

Talvez você não saiba, mas você já ouviu e domina essa “jurisdição do consenso”! É que ela é apresentada a partir dos Institutos Despenalizadores plasmados na Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95)!

Dentre esses institutos despenalizadores, gostaria de discorrer um pouco mais sobre a SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO (art. 89), vulgarmente conhecida como sursis processual. Para a doutrina majoritária, haveria aqui um escopo claramente voltado para a busca da pacificação social a partir de acordos, conferindo celeridade e estimulando a descarcerização.

Todavia, é de se anotar que a justiça consensual brasileira não seguiu os parâmetros e modelos desenvolvidos nos Estados Unidos, tanto que a natureza jurídica e consequências dos institutos que materializam a ideia do consenso são distintas.

Não obstante na suspensão condicional do processo o acusado não questionar expressamente a imputação antes de se submeter às condicionantes ofertadas, aqui não há qualquer reconhecimento de culpa. Diz, pois, a doutrina que o Brasil, nesse quesito, adotou a ideia do nolo contendere. Antes de entendermos melhor esse conceito, imprescindível apreciar dois outros sistemas, adotados no Direito comparado:

  1. Guilty Plea­ – aqui, o acusado expressamente declara sua culpa e, em contrapartida, recebe uma compensação como, por exemplo, redução na pena imposta. Dessa assunção de culpa podem derivar efeitos civis (indenizatórios)! Nos EUA, quando ocorre, há expressa renúncia ao direito de ser processado por um tribunal do júri. A finalidade é reduzir o tempo despendido na solução de um conflito, de forma a proporcionar uma resposta mais rápida para o réu e para a sociedade, deixando para julgamento somente aqueles casos realmente complicados.
  2. Plea Bargaining – Também conhecida como “negociação de declaração de culpa”, aqui o cidadão que é acusado tem a oportunidade de verdadeiramente negociar com o oponente (acusador) a sua culpa e pena. Em troca de alguma benesse, o acusado admite sua culpa. Interessante colacionar comentários de doutrina especializada:

“No plea bargaining norte-americano há uma ampla possibilidade de transação: sobre os fatos, sobre a qualificação jurídica, sobre as consequências penais e etc. […] No sistema norte-americano o acordo pode ser feito extraprocessualmente. No nosso sistema tudo tem que ser celebrado “na presença do juiz”.” (art. 89, §1º)[1]

Nesse caminhar, a diferença principal que se pode apontar entre os dois institutos supramencionados é que no plea bargaining há possibilidade de se transacionar (negociar) as circunstâncias fáticas do ilícito, a qualificação jurídica (classificação) e também a pena, ao contrário do guilty plea em que há o reconhecimento da culpa e uma compensação.

Como salientado acima, o legislador brasileiro fez opção diversa àquela desenhada pelos norte americanos e consubstanciada nos institutos estudados adrede. É que quando consagrou a suspensão condicional do processo no art. 89 da Lei 9.099/95, entendeu-se por bem não reconhecer qualquer assunção de culpa, apenas o afastamento do desejo de litigar.

É como se o acusado dissesse “como não tenho interesse em litigar, aceito a proposta que me é feita e me submeto a essas condições”.

O legislador brasileiro abraçou o instituto de origem nos estudos da doutrina processualista penal italiana, consagrado na expressão “nolo contendere” ou “non contendere”, as quais trazem a ideia de garantia do acusado ao direito de não participar de um processo, não se discutindo em qualquer grau acerca de sua eventual culpa. Tanto que, uma vez revogada a suspensão condicional do processo, há a retomada do curso processual, cabendo à acusação todo o ônus de prova quanto à culpabilidade do denunciado.

Compreendidas as distinções acerca dos três institutos, o que é imprescindível para sua prova é ter a seguinte ideia: não há, na suspensão condicional do processo, qualquer reconhecimento de culpa.

Em verdade, ela sequer é discutida e analisada para a oferta da suspensão. Uma vez revogada, à acusação compete se desincumbir de todo o ônus probatório, nada sendo alterado pela aceitação inicial da proposta do art. 89 da Lei. 9.099/95!

Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal

https://www.facebook.com/Profpedrocoelho/

 

[1] GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.