Ubirajara Casado é Advogado da União

Professor de Processo Civil e Constitucional da EBEJI

EBEJI

Todos conhecemos o art. 71 da Constituição Federal de 1988, especialmente o que diz o seu parágrafo 3:

Art. 71, parágrafo 3º da CF de 1988.

As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo.

Isso significa que os ressarcimentos e multas aplicados pelos Tribunais de Contas se sujeitam à cobrança pelo meio executivo.

Muito bem, contudo, quem executa?

A dúvida acompanha a jurisprudência por muito tempo, razão pela qual precisaremos estabelecer alguns parâmetros cronológicos para entender a celeuma.

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1º momento: STF e o RE 223.037 em 2002:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SERGIPE. COMPETÊNCIA PARA EXECUTAR SUAS PRÓPRIAS DECISÕES: IMPOSSIBILIDADE. NORMA PERMISSIVA CONTIDA NA CARTA ESTADUAL. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. As decisões das Cortes de Contas que impõem condenação patrimonial aos responsáveis por irregularidades no uso de bens públicos têm eficácia de título executivo (CF, artigo 71, § 3º). Não podem, contudo, ser executadas por iniciativa do próprio Tribunal de Contas, seja diretamente ou por meio do Ministério Público que atua perante ele. Ausência de titularidade, legitimidade e interesse imediato e concreto. 2. A ação de cobrança somente pode ser proposta pelo ente público beneficiário da condenação imposta pelo Tribunal de Contas, por intermédio de seus procuradores que atuam junto ao órgão jurisdicional competente. 3. Norma inserida na Constituição do Estado de Sergipe, que permite ao Tribunal de Contas local executar suas próprias decisões (CE, artigo 68, XI). Competência não contemplada no modelo federal. Declaração de inconstitucionalidade, incidenter tantum, por violação ao princípio da simetria (CF, artigo 75). Recurso extraordinário não conhecido. (RE 223037, Relator(a):  Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 02/05/2002, DJ 02-08-2002 PP-00061 EMENT VOL-02076-06 PP-01061)

O STF, então disse:

  • O Ministério Público Especial junto ao Tribunal de Contas não tem legitimidade para promover a execução dos acórdãos proferidos pelas Cortes de Contas.
  • Apenas o Ente Público beneficiário da condenação imposta pelo Tribunal de Contas pode executar o acórdão por meio de sua procuradoria.

Assim, em tese, teríamos:

Ente beneficiário pelo acórdão: Órgão autorizado a executar:
União AGU
Estados Procuradorias Estaduais
Municípios Procuradorias Municipais

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2º momento: STJ e o REsp 1119377/SP em 2009:

PROCESSUAL CIVIL – MINISTÉRIO PÚBLICO –  LEGITIMIDADE PARA PROMOVER EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL ORIUNDO DO TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL – CONCEITO DE PATRIMÔNIO PÚBLICO QUE NÃO COMPORTA SUBDIVISÃO APTA A ATRIBUIR EXCLUSIVAMENTE À FAZENDA PÚBLICA A LEGITIMIDADE PARA PROMOVER A EXECUÇÃO.

1. No caso concreto, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo entendeu ser indevido o aumento salarial concedido ao vereador – ora recorrido.

2. O Tribunal de origem, após subdividir o conceito de patrimônio público em patrimônio público-privado e patrimônio do povo, entendeu que o direito tratado no caso é meramente patrimonial público, cujo exclusivo titular é a Fazenda Municipal. Segundo a decisão recorrida, em tais condições, não tem o Ministério Público legitimidade processual para promover ação civil pública de caráter executório já que a legitimidade exclusiva seria da Fazenda Pública Municipal.

3. A subdivisão adotada pela Corte de origem é descabida. Não existe essa ordem de classificação. O Estado não se autogera, não se autocria, ele é formado pela união das forças e recursos da sociedade. Desse modo, o capital utilizado pelo ente público com despesas correntes, entre elas a remuneração de seus agentes políticos, não pode ser considerado patrimônio da pessoa política de direito público, como se ela o houvesse produzido.

3. Estes recursos constituem-se, na verdade, patrimônio público, do cidadão que, com sua força de trabalho, produz a riqueza sobre a qual incide a tributação necessária ao estado para o atendimento dos interesses públicos primários e secundários.

4. A Constituição Federal, ao proibir ao Ministério Público o exercício da advocacia pública, o fez com a finalidade de que o parquet melhor pudesse desempenhar as suas funções institucionais – dentre as quais, a própria Carta Federal no art. 129, III, elenca a defesa do patrimônio público – sem se preocupar com o interesse público secundário, que ficaria a cargo das procuradorias judiciais do ente público.

5. Por esse motivo, na defesa do patrimônio público meramente econômico, o Ministério Público não poderá ser o legitimado ordinário, nem representante ou advogado da Fazenda Pública. Todavia, quando o sistema de legitimação ordinária falhar, surge a possibilidade do parquet, na defesa eminentemente do patrimônio público, e não da Fazenda Pública, atuar como legitimado extraordinário.

6. Conferir à Fazenda Pública, por meio de suas procuradorias judiciais, a exclusividade na defesa do patrimônio público, é interpretação restritiva que vai de encontro à ampliação do campo de atuação conferido pela Constituição ao Ministério Público, bem como leva a uma proteção deficiente do bem jurídico tutelado. 8. Por isso é que o Ministério Público possui legitimidade extraordinária para promover ação de execução do título formado pela decisão do Tribunal de Contas do Estado, com vistas a ressarcir ao erário o dano causado pelo recebimento de valor a maior pelo recorrido. (Precedentes: REsp 922.702/MG, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 28.4.2009, DJe 27.5.2009; REsp 996.031/MG, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 11.3.2008, DJe 28.4.2008; REsp 678.969/PB, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 13.12.2005, DJ 13.2.2006; REsp 149.832/MG, Rel. Min. José Delgado, publicado em 15.2.2000 ) Recurso especial provido. (REsp 1119377/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/08/2009, DJe 04/09/2009)

Ops! Temos uma nova informação trazida pelo STF nesse julgado:

  • Havendo inércia do Poder Público por meio de sua procuradoria (legitimado ordinário), o Ministério Público poderia atuar como legitimado extraordinário (atuando em nome próprio na defesa de interesse alheio) para a execução do acórdão do Tribunal de Contas.

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3º momento: STF e o ARE 823347 RG em 2014 (repercussão geral):

Recurso extraordinário com agravo. Repercussão geral da questão constitucional reconhecida. Reafirmação de jurisprudência. 2. Direito Constitucional e Direito Processual Civil. Execução das decisões de condenação patrimonial proferidas pelos Tribunais de Contas. Legitimidade para propositura da ação executiva pelo ente público beneficiário. 3. Ilegitimidade ativa do Ministério Público, atuante ou não junto às Cortes de Contas, seja federal, seja estadual. Recurso não provido.

(ARE 823347 RG, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 02/10/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-211 DIVULG 24-10-2014 PUBLIC 28-10-2014)

  • O STF afastou a legitimidade do Ministério Público ainda como legitimado extraordinário.
  • Manteve sua jurisprudência no sentido de reconhecer ilegitimidade ao Ministério Público Especial junto ao Tribunal de Contas para a execução.

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4º momento: STJ e o REsp 1.464.226-MA de 2014:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE PARA A EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL PROVENIENTE DE DECISÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS.

A execução de título executivo extrajudicial decorrente de condenação patrimonial proferida por tribunal de contas somente pode ser proposta pelo ente público beneficiário da condenação, não possuindo o Ministério Público legitimidade ativa para tanto. De fato, a Primeira Seção do STJ pacificou o entendimento no sentido de que o Ministério Público teria legitimidade, ainda que em caráter excepcional, para promover execução de título executivo extrajudicial decorrente de decisão de tribunal de contas, nas hipóteses de falha do sistema de legitimação ordinária de defesa do erário (REsp 1.119.377-SP, DJe 4/9/2009). Entretanto, o Pleno do STF, em julgamento de recurso submetido ao rito de repercussão geral, estabeleceu que a execução de título executivo extrajudicial decorrente de decisão de condenação patrimonial proferida por tribunal de contas pode ser proposta apenas pelo ente público beneficiário da condenação, bem como expressamente afastou a legitimidade ativa do Ministério Público para a referida execução (ARE 823.347-MA, DJe 28/10/2014). Além disso, a Primeira Turma do STJ também já se manifestou neste último sentido (REsp 1.194.670-MA, DJe 2/8/2013). Precedentes citados do STF: RE 791.575-MA AgR, Primeira Turma, DJe 27/6/2014; e ARE 791.577-MA AgR, Segunda Turma, DJe 21/8/2014. REsp 1.464.226-MA, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 20/11/2014.

Assim, após a decisão do STF (3º momento), o STJ reviu sua posição e deixou de conceder legitimidade extraordinária ao Ministério Público para executar acórdão do Tribunal de Contas mesmo quando da inércia do Ente Público.

Para a mudança de entendimento do STJ, foi determinante o art. 81, art. 28, II e art. 61 da Lei Orgânica do TCU:

Art. 81. Competem ao procurador-geral junto ao Tribunal de Contas da União, em sua missão de guarda da lei e fiscal de sua execução, além de outras estabelecidas no Regimento Interno, as seguintes atribuições:

(…)

III – promover junto à Advocacia-Geral da União ou, conforme o caso, perante os dirigentes das entidades jurisdicionadas do Tribunal de Contas da União, as medidas previstas no inciso II do art. 28 e no art. 61 desta Lei, remetendo-lhes a documentação e instruções necessárias;

__

Art. 28. Expirado o prazo a que se refere o caput do art. 25 desta Lei, sem manifestação do responsável, o Tribunal poderá:

(…)

II – autorizar a cobrança judicial da dívida por intermédio do Ministério Público junto ao Tribunal, na forma prevista no inciso III do art. 81 desta Lei.

__

Art. 61. O Tribunal poderá, por intermédio do Ministério Público, solicitar à Advocacia-Geral da União ou, conforme o caso, aos dirigentes das entidades que lhe sejam jurisdicionadas, as medidas necessárias ao arresto dos bens dos responsáveis julgados em débito, devendo ser ouvido quanto à liberação dos bens arrestados e sua restituição.

Assim, resta claro que somente a Advocacia Pública do Ente beneficiário pode executar acórdão do TCU, o que representa tese favorável à Fazenda Pública em sua atuação.

Em resumo:

STF e o RE 223.037 em 2002

•        O Ministério Público Especial junto ao Tribunal de Contas não tem competência para promover a execução dos acórdãos proferidos pelas Cortes de contas.

•        Apenas o Ente Público beneficiário da condenação imposta pelo Tribunal de Contas pode executar o acórdão por meio de sua procuradoria.

STJ e o REsp 1119377/SP em 2009 •        Havendo inércia do Poder Público por meio de sua procuradoria (legitimado ordinário) o Ministério Público poderia atuar como legitimado extraordinário (atuando em nome próprio na defesa de interesse alheio) para a execução do acórdão do Tribunal de Contas.
STF e o ARE 823347 RG em 2014 (repercussão geral)

•        O STF afastou a legitimidade do Ministério Público ainda como legitimado extraordinário.

•        Manteve sua jurisprudência no sentido de reconhecer ilegitimidade ao Ministério Público Especial junto ao Tribunal de Contas para a execução.

STJ e o REsp 1.464.226-MA de 2014               Após a decisão do STF (3º momento), o STJ reviu sua posição e deixou de conceder legitimidade extraordinária ao Ministério Público para executar acórdão do Tribunal de Contas mesmo quando da inércia do Ente Público.

Fiquemos atentos!

Forte abraço, Ubirajara Casado.