Prezados, como eu havia dito no post “Minhas impressões sobre a decisão da Justiça Federal que anula questão do concurso de Procurador Federal/2013” em 16/01, não havia razão para que a liminar concedida ao candidato tivesse contornos coletivos, como se se trata-se de Ação Civil Pública, o TRF da 5a Região corrigiu o equívoco da decisão de primeiro grau, através da decisão que se segue, em sede de agravo.

Atentem para as partes negritadas e para a curiosa situação descrita ao final da decisão que determina a provocação da Corregedoria da AGU.

Eis a decisão:

 

PROCESSO Nº: 0800298-89.2014.4.05.0000 – AGRAVO DE INSTRUMENTO

AGRAVANTE: FUNDACAO UNIVERSIDADE DE BRASILIA (e outro)

AGRAVADO: VICTOR SOUSA MUNIZ

ADVOGADO: VICTOR SOUSA MUNIZ

RELATOR(A): DESEMBARGADOR(A) FEDERAL MARCOS MAIRTON DA SILVA (Convocado)- 1º TURMA

 

DECISÃO

 

A FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA e a UNIÃO interpõem agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, contra decisão do MM. Juiz Federal Substituto Júlio Rodrigues Coelho Neto, da 18.ª Vara da Seção Judiciária da Seção Judiciária do Ceará, proferida na Ação Ordinária n.º 0800213-78.2013.4.05.8103.

A demanda foi proposta por VICTOR SOUSA MUNIZ, atuando em causa própria.

Os agravantes almejam ver suspensa a eficácia da antecipação parcial dos efeitos da tutela deferida no sentido de se anular a Questão 200 do Concurso Público para o Cargo de Procurador Federal da Advocacia-Geral da União, regido pelo Edital n.º 4, de 27 de agosto de 2013, com a atribuição da pontos a ela referentes a todos os candidatos da disputa.

 

DECIDO.

 

De todos consabido que a intervenção do Poder Judiciário, em concurso público, limita-se ao controle estrito da legalidade das normas de regência, da elaboração dos questionamentos e de sua vinculação intrínseca às respostas estabelecidas como adequadas pela comissão oficial. Em reverência à esfera discricionária da Administração Pública e para não estimular a proliferação de lides temerárias por aqueles que não obtiveram sucesso no certame, evidentemente a tutela jurisdicional clama por extrema cautela e excepcional, fragrante ilegalidade estatal.

Pois bem, debruçando-me sobre o laborioso decisório de primeiro grau, não se me deparam dúvidas de erronia na resposta oficialmente considerada como “correta” para a Questão 200. Cumpre transcrevê-la:

200. O STF veda o uso da reclamação quando tiver ocorrido o trânsito em julgado do ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do próprio STF, ao passo que, para o STJ, o uso da reclamação constitucional, que difere da correição parcial, pode ocorrer mesmo após o trânsito em julgado da decisão reclamada.

A Comissão do Concurso declarou como correta tal afirmativa.

Ora, a jurisprudência do v. Superior Tribunal de Justiça, em vários precedentes, tem aplicado analogicamente a inteligência da Súmula 734 do excelso Pretório: Não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal.

Aliás, a posição da Corte infraconstitucional foi reafirmada inclusive pelas Terceira e Primeira Seções no ano passado. Senão, vejamos, grifei:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. EXONERAÇÃO DE SERVIDOR EM DESCOMPASSO COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. DISCUSSÃO JUDICIAL. TRÂNSITO EM JULGADO. SÚMULA 734/STF. APLICAÇÃO.

1. Reclamação proposta com vista à reintegração do autor em cargo público do qual teria sido exonerado sem a observância do contraditório e da ampla defesa, em razão de não possuir a habilitação legal no momento da inscrição no concurso que propiciou a sua investidura.

2. O ato de exoneração do reclamante foi questionado nos autos do Mandado de Segurança 1.0000.00280.646-1/000, que se alega ter desrespeitado a Súmula 266/STJ, resultando na denegação da ordem, tendo a sentença transitado em julgado antes da propositura da presente ação.

3. Incidência, por analogia, da Súmula 734/STF: “Não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal.” 4. Precedentes: Rcl 3.777/CE, Rel. Ministro LUIZ FUX, CORTE ESPECIAL, julgado em 28/10/2010, DJe 16/2/2011; EDcl no AgRg na Rcl 10.030/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/12/2012, DJe 1º/2/2013; EDcl na Rcl 6.488/BA, Rel. Ministro MARCO BUZZI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 29/2/2012, DJe 13/3/2012.

5. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg na Rcl 3.891/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/05/2013, DJe 31/05/2013)

 

PROCESSUAL CIVIL. RECLAMAÇÃO. UTILIZAÇÃO COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. DECISÃO RECLAMADA TRANSITADA EM JULGADO. SÚMULA 734/STF.

1. Cuida-se de reclamação interposta contra decisão que obstou a subida de recurso especial.

2. Impedido pela Corte de origem o trânsito de recurso especial dirigido a esta Corte, é cabível o agravo previsto no art. 544 do CPC, recurso que não foi interposto a tempo e modo pela parte interessada.

3. A reclamação não se presta a fazer as vezes de sucedâneo recursal. Precedentes: Rcl 2.908/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 23.11.2011, DJe 1º.2.2012; AgRg na Rcl 5.751/DF, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 10.8.2011, DJe 9.9.2011.

4. A jurisprudência desta Corte é uníssona no sentido de que descabe reclamação contra decisão transitada em julgado, aplicando-se, por analogia, a Súmula 734/STF. Precedentes: AgRg na Rcl 10.030/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, Primeira Seção, julgado em 14/11/2012, DJe 21/11/2012; AgRg na Rcl 5.119/SP, Rel. Min.

Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 13/4/2011, DJe 6/4/2011.

Agravo regimental improvido.

(AgRg na Rcl 10.442/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/04/2013, DJe 23/04/2013)

 

Andou bem, portanto, o juiz de primeiro grau ao reconhecer a nulidade da questão.

Superado este ponto, avanço para as demais pretensões recursais, notadamente quanto aos efeitos dessa nulidade em relação ao candidato autor e aos demais que participam do certame, mas não (pelo menos ainda não) desta relação processual.

Com efeito, no que diz respeito à eficácia da antecipação dos efeitos da tutela para todos os demais concorrentes, julgo merecer acolhida a irresignação das agravantes.

Embora o Edital, em seu item 8.12.7, consigne que “Se do exame de recursos resultar anulação de item integrante de prova, a pontuação correspondente a esse item será atribuída a todos os candidatos, independentemente de terem recorrido” (grifei), atente-se que tal regramento impõe um dever-poder para a entidade promovente do concurso. Ou seja, se a Comissão resolver acolher uma impugnação administrativa ou reconhecer a nulidade de uma questão na seara exclusivamente administrativa, deverá recalcular as notas para todos os participantes.

Ao magistrado, de fato, se impõem diretrizes outras, em conformidade com o direito positivo processual. Nesse aspecto, considerando estarmos diante de uma mera ação ordinária, não de uma ação coletiva, a exemplo da ação civil pública, o alcance subjetivo da tutela de urgência ou meritória há de restringir-se às partes litigantes, exclusivamente.(Ubirajara: como falei aqui, não se trata de processo coletivo)

Nessa linha de entendimento, ganham realce esses dispositivos do Código de Processo Civil: “Art. 6º Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei; Art. 472. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros”.

Nessa trilha, eis aresto do Superior Tribunal de Justiça, grifei:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. EX-COMBATENTE. COISA JULGADA. TRÍPLICE IDENTIDADE DAS AÇÕES ORDINÁRIAS. AUSÊNCIA. PARTES DISTINTAS. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. “A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros” (art. 472, caput, primeira parte, do CPC).

2. A sentença de improcedência do pedido concernente à concessão de pensão especial de ex-combatente da Segunda Guerra Mundial, prolatada nos autos de ação ordinária ajuizada pelo falecido marido da agravada, não faz coisa julgada em relação a esta última, inexistindo impedimento para que o suposto direito à referida pensão seja deduzido em uma nova ação ordinária.

3. Manutenção da decisão impugnada que deu provimento ao recurso especial da autora, ora agravada, a fim de reformar o acórdão recorrido para afastar a preliminar de coisa julgada e, assim, determinou o retorno dos autos à origem para prosseguimento do feito.

4. Agravo regimental não provido.

(AgRg no AREsp 337.150/PE, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/08/2013, DJe 15/08/2013)

Ademais, tenho por configurada a tutela além do pedido autoral, pois a liminar foi pleiteada apenas para favorecer o demandante individual. Leia-se:

 

A) Conceder Liminar, “Inaudita altera pars”, no sentido de:

A.1) Assegurar a participação do Demandante – Victor Sousa Muniz , nº de inscrição – 10011631 , nas demais fases do certame, inclusive na Inscrição Definitiva a ser realizada no período de 2 a 6 de dezembro de 2013 , no horário das 8 horas às 12 horas e das 13 horas às 17 horas (horário oficial de Brasília/DF), com a expedição de Mandado Judicial para que os responsáveis pelo recebimento dos comprovantes de prática jurídica admitam a documentação do demandante anexada aos autos, em razão do preenchimento dos requisitos para a concessão da antecipação de tutela pretendida, notadamente a verossimilhança da alegação, a prova inequívoca apresentada, a existência de dano irreparável ou de difícil reparação e a reversibilidade da medida;

Em relação à pretensão recursal de o autor promover a citação de todos os candidatos, há muito a jurisprudência rechaçou a tese de litisconsórcio passivo necessário. Para não me delongar neste ponto pacífico, trago à baila julgado desta Corte, destaquei:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PEDIDO JURIDICAMENTE POSSÍVEL. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. INOCORRÊNCIA. AVALIAÇÃO CURRICULAR.

1. Embora o Judiciário não possa substituir a banca examinadora de concursos e processos seletivos simplificados, pode e deve, corrigindo o excesso de formalismo, determinar que seja avaliado determinado título;

2. O pedido é juridicamente impossível quando encontra vedação no ordenamento jurídico, o que não é a hipótese dos autos. Não é vedado ao candidato que se submete a concurso público requerer judicialmente a apreciação de documento não aceito pela banca examinadora em prova de títulos. Se ele faz jus ao que pede, é questão distinta, de mérito, que não se confunde com a condição da ação reputada ausente;

3. Inexistência de litisconsórcio passivo necessário, uma vez que o litígio não diz respeito à ordem de classificação ou à exclusão de outros candidatos, mas à situação exclusiva do apelado com a banca examinadora do concurso. Demais disso, a citação dos demais candidatos do certame inviabilizaria totalmente o processamento do feito;

4. No caso dos autos, a banca deixou de considerar pontos relativos à documentação comprobatória da experiência profissional do impetrante, porque se tratavam de “declarações” e não de “certidões” de tempo de serviço;

5. Não computar os pontos relativos aos títulos apresentados pelo candidato por se tratarem de declarações constitui apego desarrazoado à formalidade vazia, negando à Administração o objetivo colimado de escolher os melhores;

6. Ademais, a experiência profissional que o impetrante pretende comprovar foi obtida em órgãos públicos – Secretaria de Estado da Saúde do Governo de Alagoas e o Hemocentro de Alagoas – HEMOAL, de modo que as declarações respectivas são dotadas de fé pública;

7. Apelação e remessa oficial improvidas.

(PJE: 08005724620134058000, AC/AL, RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA, Segunda Turma, JULGAMENTO: 26/11/2013)

Igualmente não acolho a alegação de probabilidade de multiplicação de ações símiles pelos demais candidatos, a insinuar um perigo da demora inverso, porquanto o flagrante equívoco da resposta atribuída à Questão 200 e a manutenção de sua resposta oficial, sem sombras de dúvidas, autorizaria uma sequência de atos administrativos de nomeação e posse de difícil e tormentosa reversibilidade. Em outras palavras, dentre duas realidades fáticas possíveis, o Poder Judiciário deve buscar aquela que guarda conformidade com o Direito, na sua melhor acepção de estrita legalidade.

Por outro lado, o mesmo item 8.12.7 do edital, antes citado, demonstra ser totalmente equivocada a tese das recorrentes (item 3.2) de que a anulação da questão 200 acarretaria a sua exclusão do cálculo da pontuação dos candidatos, e não a atribuição dos seus pontos aos candidatos, independentemente de a terem acertado ou não.

Nessa linha de raciocínio, dizem as agravantes, que “há um verdadeiro hiato entre anular a questão da prova objetiva – sendo esse o objeto do pedido autoral, inclusive em sede de tutela antecipada – e atribuir a pontuação, como se o autor tivesse acertado a questão válida”. Na verdade, o edital diz literalmente que “Se do exame de recursos resultar anulação de item integrante de prova, a pontuação correspondente a esse item será atribuída a todos os candidatos, independentemente de terem recorrido” (grifei), conforme transcrito anteriormente.

Assim, a tese das agravantes, de que a anulação da questão acarretaria um recálculo do valor das questões, levando o autor (agravado) a uma pontuação de 119,5050251, é totalmente falaciosa, e distorce a realidade dos fatos, tendente a induzir o julgador a erro.

Dessa forma, anular a questão, implica sim atribuir sua pontuação ao agravado. Quanto a se lhe deixar de subtrair 0,5 do que havia sido computado como erro, é decorrência lógica da operação.

Posto isso, recebo o agravo parcialmente no efeito suspensivo unicamente para limitar a eficácia da antecipação dos efeitos da tutela a VICTOR SOUSA MUNIZ, autor da Ação Ordinária n.º 0800213-78.2013.4.05.8103, recalculando-se a sua nota, considerando, para tanto, a atribuição de um ponto, relativo à questão sob comento, e deixando de descontar 0,5 pelo suposto erro. A partir desse cálculo, atribua-se-lhe a classificação correspondente à nova pontuação, garantindo a participação nas demais fases do certame, como requerido na inicial.

Dê-se ciência, com extrema urgência, à primeira instância.

Após, intime-se o agravado para contraminuta.

Intimem-se. Publique-se. Após, vista ao MPF para ofertar parecer.

Finalmente, registro que os procuradores federais responsáveis pelo agravo, além de tentar induzir este magistrado a erro, sustentando, na inicial do agravo, um efeito da anulação da questão diverso do que previa o edital, um procurador e uma procuradora federais compareceram ao gabinete deste relator e, indagados se o edital previa tal consequência para a anulação de questões, afirmaram que sim que “como em qualquer concurso, a anulação gerava nova atribuição ao valor das questões”. Tal conduta – se confirmada – revela deslealdade incompatível com a advocacia, e mais, com a atuação do servidor público, nos termos do Decreto 1171/1994. Em vista disso, determino seja oficiada a Corregedoria da AGU, para apuração do fato.

Recife, 24 de janeiro de 2014.

MARCOS MAIRTON DA SILVA,

Desembargador Federal (Convocado).

 

Forte abraço e até a próxima, Ubirajara Casado.