Variações em torno do direito à nomeação dos aprovados em concursos públicos

  1. Noções introdutórias

O concurso público consiste em um procedimento que visa aferir as aptidões dos candidatos para assim, municiar a administração com os candidatos mais qualificados para o exercício dos cargos e funções públicas.

A constituição brasileira exige, como regra, a realização de concurso público para a investidura em cargos ou empregos públicos, em seu art. 37, II. Essa exigência abrange todos os entes da Administração, independente de fazer parte da Administração Direta ou Indireta e mesmo da sua natureza jurídica, tendo em vista que as empresas públicas e sociedades de economia mista também são abrangidas por tal exigência.

As exceções seriam, por exemplo, cargos em comissão e confiança, mas que, necessariamente, devem se destinar a funções de chefia, assessoramento e direção. Há, também, a previsão de contratações temporárias em certas ocasiões, na própria constituição sem a realização de concursos públicos, como é o caso da previsão do art. 198, §4º, que trata da contratação de agentes comunitários por processo seletivo público.

Essa exigência constitucional impõe-se tanto pelo princípio da isonomia, como, principalmente, pelo princípio da impessoalidade, que domina a atividade do administrador. Mencione-se ainda a tutela da moralidade da administrativa por meio da utilização de um procedimento que vede favorecimentos indevidos[1].

  1. O direito subjetivo dos aprovados dentro das vagas ofertadas no edital

Pois bem, acontece que, realizado o concurso público com a previsão de vagas a Administração Pública cria, no indivíduo que esteja prestando o concurso, uma expectativa legítima de convocação caso classificado dentro das vagas ofertadas. À medida em que o ente publica lança um edital com um determinado número de vagas, a Administração realiza uma promessa e, constrói, ao menos dentre os aprovados dentro das vagas, uma relação de confiança legítima para com a convocação[2].

O ente que realizou um concurso público gera a base da confiança para um administrado que, de boa-fé, ao se classificar o concurso, tem, para si, criado um verdadeiro direito subjetivo à convocação. Como menciona a doutrina, “sob a ótica da justiça material, especialmente, do princípio da proteção da confiança, o mais correto seria assegurar ao candidato aprovado dentro do número de vagas o direito à nomeação para o cargo o emprego público”[3].

No entanto, por vezes, o poder público se recusa a realizar a  convocação por afirmar haver mera expectativa de direito na previsão das vagas, o que não pode ser admitido. Há, nesse caso, violação do princípio da confiança legítima, situação essa que, vista de outro modo, viola também o interesse público de uma boa administração, que resta prejudicada pela ausência do preenchimento de cargos.

Os tribunais superiores, inicialmente, coadunaram com essa interpretação, ao ponto de o STF afirmar que “a aprovação em concurso não gera direito absoluto a nomeação, constituindo mera expectativa de direito”[4]. Interpretação essa que apenas incentivava arbítrios do poder público e que não mais se coaduna com o ordenamento jurídico atual.

Como bem aponta o professor José dos Santos Carvalho Filho, “Se o edital do concurso previu determinado número de vagas, a Administração fica vinculada ao seu provimento, em virtude da presumida necessidade para o desempenho das respectivas funções”[5]. A confiança legítima depositada pelo candidato aprovado dentro do número de vagas em sua nomeação gera verdadeiro direito subjetivo ao preenchimento daquela vaga durante o tempo de validade do concurso.

Esse entendimento paulatinamente começou a ser aceito pelos nossos tribunais superiores. O STF, em recente precedente, reafirmou essa posição ao afirmar que “Publicado o Edital que rege o concurso público, com número específico de vagas, o ato da Administração que declara os candidatos aprovados no certame cria um dever de nomeação para a própria Administração e, portanto, um direito à nomeação titularizado pelo candidato aprovado dentro desse número de vagas”[6].

Há, inclusive, precedente do mesmo Tribunal em que houve o efetivo reconhecimento da influência do princípio da confiança legítima para a fixação desse entendimento, em acórdão de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, um dos grandes expoentes para a consagração dessa norma jurídica no Brasil. Nesse precedente, restou afirmado que “O reconhecimento de um direito subjetivo à nomeação deve passar a impor limites à atuação da Administração Pública e dela exigir o estrito cumprimento das normas que regem os certames, com especial observância dos deveres de boa-fé e incondicional respeito à confiança dos cidadãos”[7], sendo relevante destacar que esse julgado foi proferido no regime de repercussão geral.

Da mesma forma afirma o Superior Tribunal de Justiça, que “A aprovação em concurso público em posição classificatória compatível com as vagas previstas em edital confere ao candidato direito subjetivo à nomeação e à posse dentro do período de validade do certame”[8].

Há, então, na atualidade, verdadeira consagração desse entendimento que tutela adequadamente a confiança depositada pelos cidadãos em informação divulgada pela própria administração. É que o poder público, ao publicar o edital, confirma aos interessados em prestar o concurso, a necessidade de preenchimento daqueles cargos, devendo esta situação ser protegida. Dessa forma, uma vez aprovado o candidato no número de vagas, deve ser convocado.

Esse entendimento, no entanto, comporta exceções reconhecidas tanto pela jurisprudência do STJ, como pela jurisprudência do STF.

Em certo caso, apontou o tribunal da cidadania apontou que seria possível a nomeação de número de candidatos inferior ao de aprovados dentro do número de vagas ofertadas quando o edital seja claro “ao afirmar acerca da possibilidade de nomeação dos aprovados em número inferior ou superior das vagas colocadas no certame” a depender da disponibilidade financeira existente.[9]

Assim, permitiu o STJ que o direito subjetivo à nomeação pela aprovação dentro do número de vagas fosse limitado pelo próprio edital. Bastaria que esse edital tivesse a previsão acerca da possibilidade de nomeação dos aprovados em número inferior ou superior das vagas colocadas no certame. De certa forma, esse temperamento do entendimento anterior feito pelo tribunal cria um precedente bastante danoso, posto que a retirada do direito subjetivo dependerá apenas de uma previsão editalícia.

O STF, por outro lado, parece ser mais restritivo quanto às hipóteses de não nomeação desses aprovados. Segundo o tribunal, “é necessário que a situação justificadora seja dotada das seguintes características: a) Superveniência: os eventuais fatos ensejadores de uma situação excepcional devem ser necessariamente posteriores à publicação do edital do certame público; b) Imprevisibilidade: a situação deve ser determinada por circunstâncias extraordinárias, imprevisíveis à época da publicação do edital; c) Gravidade: os acontecimentos extraordinários e imprevisíveis devem ser extremamente graves, implicando onerosidade excessiva, dificuldade ou mesmo impossibilidade de cumprimento efetivo das regras do edital; d) Necessidade: a solução drástica e excepcional de não cumprimento do dever de nomeação deve ser extremamente necessária, de forma que a Administração somente pode adotar tal medida quando absolutamente não existirem outros meios menos gravosos para lidar com a situação excepcional e imprevisível”.[10]

O que se percebe é que tanto o STF como o STJ admitem que possa não haver a nomeação dos candidatos aprovados dentro das vagas ofertadas no edital, desde que a administração pública fundamente de forma detalhada a recusa da nomeação. Essa recusa deve ser admitida apenas em casos excepcionais, sob pena de se transformar um direito subjetivo em mera expectativa de direito, voltando-se ao período em que havia ampla discricionariedade dos administradores na nomeação de aprovados em concursos públicos.

  1. A situação dos aprovados fora das vagas – da expectativa de direito ao direito subjetivo a nomeação

Quanto aos demais candidatos aprovados, mas não classificados dentro das vagas, haveria mera expectativa de direito. Isso porque não haveria confiança legítima depositada por esses candidatos na necessidade de sua convocação.

No entanto, esse entendimento não é absoluto, tendo em vista que, nos casos em que haja contratação de forma precária para aqueles cargos, aquela expectativa transforma-se em verdadeiro direito subjetivo[11].

O surgimento do direito subjetivo também ocorre quando haja o surgimento de novas vagas, seja em razão da criação de novos cargos mediante lei, seja em virtude de vacância decorrente de exoneração, demissão, aposentadoria, posse em outro cargo inacumulável ou falecimento.[12] No caso do surgimento de novas vagas, felizmente, tende a prevalecer o entendimento de que o direito subjetivo irá surgir independentemente da previsão editalícia no sentido de que ocorrerá o preenchimento das vagas que vierem a surgir.[13] Por fim, ainda é possível o surgimento do direito a nomeação quando ocorra a abertura de novo certame ainda na vigência do anterior, desde que o novo concurso seja dirigido a preencher vagas na mesma área em que tenha sido aprovado o candidato.[14]

Por outro lado, de acordo com o STJ, mesmo com a criação de novos cargos durante o prazo de validade do concurso, o ente público pode se furtar a realizar as nomeações dos aprovados fora das vagas quando “inexista dotação orçamentária específica. Isso porque, para a criação e provimento de novos cargos, a Administração deve observar o disposto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000), sendo imprescindível a demonstração do suporte orçamentário e financeiro necessário.”[15]

Assim, muito embora, em regra, o surgimento de novas vagas gere o direito subjetivo mesmo para aqueles que estejam fora das vagas previstas no edital, esse entendimento resta excepcionado quando inexista dotação orçamentária. De acordo com o STJ, caso houvesse a nomeação sem tal dotação, haveria violação da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Dr. Ravi Peixoto, Procurador do Município de João Pessoa

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[1]     Assim também: SANTOS, Fernanda Marinela de Sousa. Concursos públicos: acessibilidade e polêmicas. 2ª ed. MARINELA, Fernanda; BOLZAN, Fabrício. (orgs). Leituras complementares de direito administrativo: advocacia pública. Salvador: Juspodivm, 2010, p. 258.

[2]     Em sentido semelhante:OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. O princípio da proteção da confiança legítima no direito administrativo brasileiro. Revista Carioca de Direito. v. 1, n.1, 2010, p. 89.

[3]     ARAÚJO, Valter Shuenquener de. O princípio da proteção da confiança. Niterói: Impetus, 2009, p.  168.

[4]     STF, RE 116.044, 2ª T., Rel. Min. Djaci Falcão, j. 08/11/1988, DJ 09/12/1988.

[5]     Manual de direito administrativo. 23ª ed. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2010, p. 688.

[6]     STF, RE 666.092 AgR, Rel. Min Luiz Fux, j. 03/04/2012, DJe 23/04/2012. No mesmo sentido: STF, ARE 807.311 AgR, 2ª T., Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 10/06/2014, Dje 01/07/2014.

[7]     STF, RE 598.099, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 10/08/2011, DJe 03/10/2011.

[8]     STJ, AgRg no RE nos EDcl nos EDcl no AgRg no RMS 30.776/RO, Corte Especial, j. 01/07/2014, DJe 05/08/2014; STJ, RMS 39.167/DF, 2ª T., Rel. Min. Eliana Calmon, Rel. p/ Acórdão Min. Mauro Campbell Marques, j. 05/08/2014, DJe 12/08/2014; STJ, RMS 34.501/SP, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, j. 06/12/2012, DJe 19/12/2012.

[9]     STJ, RMS 35.211/SP, 2ª T., Rel. Min. Mauro Campbell, j. 02/04/2013, DJe 09/04/2013.

[10]    STF, RE 598.099, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 10/08/2011, DJ 03/10/2011.

[11]    Nesse sentido: STF, ARE 649.046 AgR, 1ª T., Rel. Luiz Fux, j. 28/08/2012, Dje 13/09/2012. O entendimento do STJ também é no mesmo sentido: STJ, AgRg no AREsp 345.267/PI, 1ª T., Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 16/06/2014, DJe 04/08/2014; STJ, AgRg no REsp 1349579/ES, 2ª T., Rel. Min. Humberto Martins, j. 04/12/2012, DJe 13/12/2012.

[12]    STJ, AgRg no AREsp 351.528/PB, 1ª T., Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 16/06/2014, DJe 04/08/2014; STJ, RMS 37882/AC, 2ª T., Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, j. 18/12/2012, DJe 14/02/2013; MS 18.570/DF, 1ª Seção, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 21/08/2012; DJe 29/05/2012.

[13]    STJ, RMS 36.818/AC, 1ª T., Rel. Min. Sérgio Kukina, j. 16/06/2014, DJe 25/06/2014; STJ, REsp 1.359.516/SP, 2ª T., Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 2/052013

[14]    STJ, AgRg no AREsp 432.638/PB, 1ª T., Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 16/06/2014, DJe 04/08/2014.

[15]    STJ, RMS 37.700/RO, 2ª T., Rel. Min. Mauro Campbell, j. 04/04/2013, DJe 10/04/2013; STJ, AgRg no REsp 1.402.265/PE, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, j. 04/02/2014, DJe 07/03/2014.