A Ação Rescisória e os Capítulos da Decisão Judicial

A decisão judicial que pode ser alvo de ação rescisória é, nos termos do artigo 485 do CPC, a sentença de mérito, transitada em julgado.

Por óbvio quando o legislador fala em sentença ele o faz de maneira imprópria estando contida neste conceito também os acórdãos proferidos pelos tribunais, desde que tragam julgamento de mérito e tenham transitado em julgado.

É importante rememorar ao leitor que as decisões judiciais podem ser divididas em sentenças e decisões interlocutórias (decisões proferidas por juízo singular) ou acórdãos ou decisões monocráticas (decisões proferidas por órgão colegiado). No presente texto trataremos das decisões que podem ser objeto da ação rescisória, quais sejam, as sentenças e os acórdãos.

A sentença/ acórdão é um ato jurídico que contém uma norma jurídica individualizada, ou a norma individual, definida pelo Poder Judiciário, que se diferencia das demais normas jurídicas (leis, por exemplo) em razão da possibilidade de tornar-se indiscutível pela coisa julgada material[1].

Essas decisões judiciais, embora formalmente únicas, podem ser cindidas ideologicamente. Essa cisão é possível quando: i) a decisão contém o julgamento de mais de uma pretensão; ii) quando haja apenas uma pretensão a ser decidida, mas esta pretensão é decomponível; iii) quando o juiz, independentemente da quantidade de pretensões a ser decidida analise, no corpo da sua decisão, questões processuais e as repele, passando a analisar o mérito das questões controvertidas.

Dessa cisão interna da decisão judicial surgem os capítulos, sendo estes as unidades autônomas contidas na parte dispositiva, podendo o capítulo dispor sobre a pretensão de julgamento do mérito da causa (capítulo puramente processual) ou sobre o próprio mérito da causa (capítulo de mérito).

Proferida uma sentença ou um acórdão com mais de um capítulo é possível que um ou alguns dos litigantes não se conforme com parte da decisão e se conforme com a outra, tendo interesse de recorrer de apenas um ou alguns dos capítulos desta decisão. Quando há o chamado recurso parcial de uma decisão judicial (recurso que impugna apenas um ou alguns dos seus capítulos) os capítulos não impugnados precluem, não sendo mais possível a sua reversão visto que a parte não impugnada tornou-se irrecorrível.

Diante disso surge a discussão de qual é o termo inicial para o ajuizamento de ação rescisória em face de uma decisão que possua capítulos autônomos e apenas alguns desses capítulos foram impugnados através de recurso.

O artigo 495 do CPC determina o prazo decadencial para a propositura da ação rescisória, sendo este de dois anos, tendo como dies ad quo o trânsito em julgado da decisão. A controvérsia surge em definir se o prazo para a ação rescisória deve ser contado do dia em que os capítulos autônomos da decisão transitaram em julgado ou se deve ser contado a partir do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo.

O Tribunal Superior do Trabalho tem entendimento cristalizado no enunciado 100 da súmula da sua jurisprudência dominante que o trânsito em julgado de uma decisão com capítulos autônomos ocorre em momentos e em tribunais distintos, contando o prazo decadencial para o ajuizamento de ação rescisória da preclusão máxima de cada decisão que resolve cada capítulo.

Segue o texto literal da mencionada súmula:

Prazo de Decadência – Ação Rescisória Trabalhista

II – Havendo recurso parcial no processo principal, o trânsito em julgado dá-se em momentos e em tribunais diferentes, contando-se o prazo decadencial para a ação rescisória do trânsito em julgado de cada decisão, salvo se o recurso tratar de preliminar ou prejudicial que possa tornar insubsistente a decisão recorrida, hipótese em que flui a decadência a partir do trânsito em julgado da decisão que julgar o recurso parcial. (ex-Súmula nº 100 – alterada pela Res. 109/2001, DJ 20.04.01)

Não obstante esta jurisprudência do TST a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no informativo 547, de 08 de outubro de 2014 reiterou a sua jurisprudência no sentido de que o prazo inicial para o ajuizamento de ação rescisória conta-se do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo, não considerando o trânsito em julgado de cada capítulo separadamente. Assim constou no citado informativo:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. TERMO INICIAL DO PRAZO DECADENCIAL PARA O AJUIZAMENTO DE AÇÃO RESCISÓRIA.

A contagem do prazo decadencial para a propositura de ação rescisória se inicia com o trânsito em julgado da última decisão proferida no processo, ainda que algum dos capítulos da sentença ou do acórdão tenha se tornado irrecorrível em momento anterior. De fato, a Súmula 401 do STJ dispõe que “O prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial”. Esse posicionamento leva em consideração que o trânsito em julgado – requisito para o cabimento de ação rescisória – somente se opera no momento em que a decisão proferida no processo não seja suscetível de recurso (art. 467 do CPC). Dessa forma, não se deve admitir, para fins de ajuizamento de ação rescisória, o trânsito em julgado de capítulos da sentença ou do acórdão em momentos distintos. Entender de modo diverso causaria tumulto processual e indesejável insegurança jurídica para as partes. Fica ressalvado que, caso mantida a proposta do novo Código de Processo Civil ou alterada a jurisprudência pelas Turmas do egrégio Supremo Tribunal Federal a respeito da matéria, a Corte deverá promover, no tempo oportuno, novo exame do enunciado n. 401 da Súmula deste Tribunal. Precedentes citados: REsp 1.353.473-PR, Segunda Turma, DJe 28/5/2013; AgRg no REsp 1.056.694-RS, Sexta Turma, DJe 27/2/2012; e AR 1.328-DF, Primeira Seção, DJe 1º/10/2010. REsp 736.650-MT, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 20/8/2014.

 

Este entendimento reitera a jurisprudência dominante na corte desde o ano de 2002 (Resp 415.586/DF) e cristalizado no enunciado 401 da súmula de jurisprudência dominante deste tribunal superior.

Ainda neste tema cabe destacar o julgamento do Recurso Extraordinário 666.589, da relatoria do Ministro Marco Aurélio na qual o Supremo Tribunal Federal (1ª turma) reformou uma decisão do STJ e fixou o entendimento de que “os capítulos autônomos do pronunciamento judicial precluem no que não atacados por meio de recurso, surgindo, ante o fenômeno, o termo inicial do biênio decadencial para a propositura da rescisória”.

Segue a decisão:

COISA JULGADA – ENVERGADURA. A coisa julgada possui envergadura constitucional.

COISA JULGADA – PRONUNCIAMENTO JUDICIAL – CAPÍTULOS AUTÔNOMOS. Os capítulos autônomos do pronunciamento judicial precluem no que não atacados por meio de recurso, surgindo, ante o fenômeno, o termo inicial do biênio decadencial para a propositura da rescisória.

 

Ou seja, o entendimento do STF exposto neste julgado é semelhante ao do TST e diz que o prazo para a propositura de ação rescisória em face de decisão que possua capítulos autônomos inicia com o trânsito em julgado de cada um desses capítulos e não com a preclusão máxima da última decisão de mérito proferida no processo.

 

Para as provas é fundamental que o aluno tenha conhecimento dos entendimentos jurisprudenciais, sendo muito importante acompanhar a jurisprudência do STJ uma vez que na decisão supra transcrita o tribunal sinalizou, na parte final do julgado, a possibilidade de alteração do seu entendimento e reforma da súmula 401 a depender da consolidação da alteração da jurisprudência do STF.

João Paulo Lawall Valle, Advogado da União.

[1] Fredie Didier Jr. Curso de Direito Processual Civil, Vol.2, 2ª Ed. Ed. JusPodivm