Princípio da Homogeneidade e as Prisões Cautelares

Percebo em sala de aula, quando explico o tema referente às medidas cautelares, especialmente no item “Prisões Cautelares”, certa incredulidade e estranheza dos alunos ao narrar exemplos concretos de cidadãos os quais, durante todo o curso da persecução penal, estiveram encarcerados e, ao final do processo, receberam condenação em pena privativa de liberdade inferior a 2 anos (por exemplo), com imediata conversão em restritiva de direitos.

A estranheza reside na seguinte indagação: como é possível que alguém, ao final do processo, não tenha contra si a prisão decretada, pode passar toda a persecução penal encarcerado “cautelarmente”?

Lastimavelmente, essa é situação corriqueira – não obstante esdrúxula – no cotidiano Judiciário brasileiro. Lembro-me bem, quando estive lotado em Rio Branco, na DPU/AC, dos diversos casos de “mulas” no tráfico de drogas (pequeno traficante, traficância ocasional ou tráfico anão) que ficavam preso preventivamente durante 1 ano ou mais e, ao final da instrução, eram beneficiado pela causa de diminuição do artigo 33, parágrafo 4o da Lei 11.343/06, com a consequente conversão em restritivas de direito!

Nesse contexto, questiona-se: essa realidade é razoável e justa? Naturalmente que não. Mas, tecnicamente, além da instintiva sensação bizarra de injustiça, qual violação podemos identificar aqui?

Trata-se, meu caros, da violação ao Princípio da Homogeneidade nas Prisões Cautelares! Por ele, o Juiz não pode impor ao acusado um encarceramento mais intenso (e grave) do que aquele que lhe seria aplicado em caso de real condenação, sob pena de tornar o processo penal mais punitivo do que a própria sanção penal! A violação ao referido postulado reflete uma (cada vez mais frequente) inversão prática da lógica do in dubio pro reo e da excepcionalidade das medidas cautelares encarceradoras (a partir do binômio necessidade adequação).

Ora, como justificar, além do exemplo já narrado, a prisão de um cidadão por furto simples (art. 155 CPB) se para tal crime admite-se a suspensão condicional do processo ou ainda, em caso de condenação, a substituição por PRD?

Essa incoerência prática de violação ao princípio da homogeneidade nas prisões cautelares vem sendo, paulatinamente, enfrentada pelos Tribunais Superiores, mormente no âmbito do Tribunal da Cidadania, conforme se revela dos recentes julgados a seguir colacionados. Vejamos:

HABEAS CORPUS. WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. LEI MARIA DA PENA. AMEAÇA E VIAS DE FATO. SÚMULA 691/STF. PRISÃO PREVENTIVA.IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA HOMOGENEIDADE. MANIFESTO CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.

1. (…).

3. Embora o juiz singular tenha fundamentado concretamente a necessidade da custódia cautelar para garantir a execução das medidas protetivas de urgência (artigo 313, III, do Código de Processo Penal), o paciente está sendo acusado da suposta prática do crime de ameaça – cuja reprimenda cominada em abstrato é de detenção, de 1 a 6 meses, ou multa -, bem como de ter cometido vias de fato – cuja pena abstratamente prevista é de prisão simples, de 15 dias a 3 meses, ou multa -, de maneira que se mostra ilegal a prisão cautelar, à luz do princípio da homogeneidade entre cautela e pena, máxime quando a segregação do paciente perdura há mais de 8 meses.(…). (HC 282.842/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 20/03/2014, DJe 10/04/2014).

RECURSO EM HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO PELO CONCURSO DE AGENTES. PRISÃO PREVENTIVA. PRINCÍPIO DA HOMOGENEIDADE. CUSTÓDIA CAUTELAR DESPROPORCIONAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.

1. Segundo o princípio da homogeneidade, corolário do princípio da proporcionalidade, não se mostra razoável manter alguém preso cautelarmente em “regime” muito mais gravoso do que aquele que, ao final do processo, será eventualmente imposto. 

2. Na espécie dos autos, considerando que o delito pelo qual os recorrentes estão presos não foi cometido com violência ou grave ameaça à pessoa e tendo em vista que estão sendo acusados da tentativa de furto de um ventilador avaliado em R$ 50,00 (cinquenta reais), mostra-se injustificada a manutenção da custódia cautelar com base unicamente na reincidência e na probabilidade, diante dessa condição, de reiteração criminosa. 3. (…). (RHC 36.747/MS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 20/06/2013, DJe 01/08/2013).

Assim, se em prova de concurso público vocês se depararem com esse postulado ou com um caso concreto que envolve a mencionada desproporcionalidade, lembrem-se do Princípio da Homogeneidade!

Vamos em frente nos estudos!

Pedro Coelho

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