Pedro Coelho é Defensor Público Federal

Professor da EBEJI

EBEJI

Olá prezados leitores,

Aproveitando que estava revisando os julgados dos últimos 2 anos para atualizar o módulo de Lei de Drogas que irei gravar na EBEJI a partir da próxima semana, bem como por se tratar da Lei Penal Extravagante mais cobrada em concursos públicos (seja federal ou estadual), achei bacana trabalhar algumas teses polêmicas e de onde podem ser extraídas diversas indagações em concurso público, tanto em provas objetivas, mas sobretudo em provas de caráter dissertativo.

Assim, organizei 3 importantes teses vinculadas à Lei 11.343/2006, resumindo o atual entendimento dos (i) Tribunais Superiores, seguidas de (ii) um comentário explicativo de minha autoria, visando a aprofundar o assunto e elucidar eventuais dúvidas, finalizando com (iii) um entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça. Espero que gostem!

Vamos às teses:

1ª Tese Após a vidência da Lei n. 11.343/2006, não houve descriminalização da conduta de porte de substância entorpecente para consumo pessoal, mas mera despenalização.

Meus ComentáriosA partir do advento da Lei 11.343/06, uma das características percebidas do novo diploma legal foi a preocupação aparente do legislador em conferir tratamento mais brando ao usuário e dependente das drogas, tratando a situação mais sob o viés de saúde pública do que com o olhar repressor punitivo.

Dessa maneira, o artigo 28 da referida lei passou a conferir como preceito secundário da conduta ali tipificada (porte para consumo pessoal) as sanções de (i) advertência, (ii) prestação de serviços e (iii) medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo e, caso descumpridas, o magistrado estaria limitado a “agravar” a situação com (iv) admoestação verbal  ou (v) pena de multa!

Com base nesse ponto, vozes da doutrina especializada (por todos destaco o professor Luiz Flávio Gomes) passaram a advogar a tese de que teria havido a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal. Isso porque não teria se passado a considerar tal conduta como lícita, mas a descriminalização teria acontecido em razão de que as sanções desenhadas no artigo 28 da Lei 11.343/06 já não se adequariam à previsão do artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, que trariam as consequências exigidas para a caracterização de crime. Vejamos:

Art. 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas. alternativa ou cumulativamente.

Teríamos, pois, segundo Luiz Flávio Gomes, o artigo 28 estampando a descriminalização da conduta, revelando-se como uma infração (penal) distinta das já conhecidas no ordenamento jurídico. Passaríamos a não mais contar com o critério classificatório dicotômico da infração penal, mas sim um tricotômico, composto por (i) crimes, (ii) contravenções e (iii) infrações penais sui generis.

ATENÇÃO! Essa tese foi rechaçada no Supremo Tribunal Federal, que concluiu ter havido, com a nova ordem legal vigente, especialmente à luz do artigo 28, não uma descriminalização, mas sim uma DESPENALIZAÇÃO da conduta do usuário. Para superar o “aparente” problema da Lei de Introdução ao Código Penal, a Corte indicou que a referida norma, recepcionada com status de lei ordinária, nada mais fez do que trazer critérios para a conceituação e caracterização de crime. Se tal fato se deu através de lei ordinária, esses critérios também poderiam ser modificados ou acrescidos, exatamente como se deu na Lei 11.343/06, ou seja, o artigo 28 nada mais fez do que trabalhar com novos critérios para a configuração do conceito de crime. A lei de drogas afirmou que a conduta do artigo 28 é sim crime, tanto que o inseriu dentro do capítulo de CRIMES E DAS PENAS e não precisaria se amoldar a critérios anteriores fixados em lei de mesma hierarquia.

O STJ acompanha o entendimento de que houve, com a nova lei de drogas, a chamada DESPENALIZAÇÃO, consoante se pode verificar o arresto abaixo colacionado, publicado em data recente:

HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. CONDENAÇÃO. (…). COMETIMENTO ANTERIOR DO CRIME DE POSSE DE ENTORPECENTE PARA USO PRÓPRIO. ABOLITIO CRIMINIS. NÃO OCORRÊNCIA. MERA DESPENALIZAÇÃO. CONDENAÇÃO DEFINITIVA ANTERIOR.  REINCIDÊNCIA. CONFIGURAÇÃO. (…) . 1. As instâncias ordinárias adotaram fundamentos concretos para justificar a exasperação da pena-base acima do mínimo legal, não parecendo arbitrário o quantum imposto, tendo em vista a quantidade e a natureza das drogas apreendidas – 13 porções de crack (109 g) e 4 porções de maconha (44 g) – (art. 42 da  Lei n.º 11.343/2006). 2. Esta Corte, na esteira do posicionamento perfilhado pelo Supremo Tribunal Federal (Questão de Ordem no Recurso Extraordinário n.º 430.105-9/RJ), consolidou o entendimento de que, com o advento da Lei n.º 11.343/2006, não ocorreu a descriminalização (abolitio criminis) da conduta de posse de substância entorpecente para consumo pessoal, mas, tão somente, a mera despenalização, pelo fato de o art. 28 da Lei n.º 11.343/2006 não impor pena privativa de liberdade ao usuário de drogas. 3. Comprovada a existência de condenação definitiva anterior pela prática do delito previsto no art. 28 da Lei n.º 11.343/2006, não é possível a aplicação da causa especial de diminuição prevista no § 4.º do art. 33 da Lei n.º 11.343/06, haja vista que o paciente não preenche os requisitos legais, porquanto é reincidente. 4. (…). (HC 299.988/MG, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 01/09/2015, DJe 17/09/2015).

OBSERVAÇÃO: Sobre o tema é preciso atentar bastante e acompanhar o julgamento no STF do Recurso Extraordinário 635.659, em que se discute a constitucionalidade ou não da criminalização da conduta de porte para consumo próprio de drogas, previsto no artigo 28 da Lei! Até a finalização do referido julgamento, em princípio, devemos seguir a linha explicada no presente post, ok? Caso surjam novidades, voltarei para comentá-las por aqui!

2ª Tese – O postulado da insignificância (bagatela própria) não se aplica aos delitos de tráfico de drogas e porte de substância entorpecente para consumo próprio, uma vez que ambos tratam dos chamados crimes de perigo abstrato (presumido).

Meus Comentários – Consolidou-se, tanto no STF como no STJ, o entendimento de que independente da quantidade de drogas apreendidas com o usuário ou traficante, não se revela idônea a aplicação do princípio da insignificância para afastar a tipicidade material da conduta. Segundo a jurisprudência dominante (apesar das minhas veementes críticas mencionadas nas nossas aulas da EBEJI), o objeto jurídico tutelado nessas condutas é a saúde pública e, no crime de porte para consumo pessoal, não apenas do usuário. Assim, como a conduta atinge não apenas a esfera pessoal do agente, mas toda a coletividade, considerando a potencialidade ofensiva desse comportamento, não há como reputá-lo insignificante.

Sobre a natureza de crime de perigo abstrato do artigo 28 da Lei de Drogas, a jurisprudência entende que é irrelevante a efetiva lesão ao bem jurídico protegido, bastando a realização da conduta proibida para que se presuma o perigo ao bem tutelado. Isso porque, ao adquirir droga para seu consumo, o usuário realimenta o comércio nefasto, pondo em risco a saúde pública e sendo fator decisivo na difusão dos tóxicos (novamente, discordo veementemente desse entendimento, mas é o prevalente!).

Nesse sentido, vale conferir julgado recém divulgado pelo STJ, da lavra da 5ª Turma:

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PEQUENA QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO APLICAÇÃO. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de que não se aplica o princípio da insignificância aos delitos de tráfico de drogas e uso de substância entorpecente, pois trata-se de crimes de perigo abstrato ou presumido, sendo irrelevante para esse específico fim a quantidade de droga apreendida. Precedentes do STJ. 2. Recurso ordinário improvido. (RHC 57.761/SE, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 01/10/2015, DJe 07/10/2015)

3ª Tese Para a caracterização do crime de associação para o tráfico é imprescindível o dolo de se associar com estabilidade e permanência.

Meus Comentários – O crime de associação para o tráfico está previsto no artigo 35 da Lei 11.343/06 e se apresenta como uma das maiores discordâncias na sua verificação prática, revelando-se, amiúde, como fonte de diversos debates na prática criminal no dia a dia forense. Vejamos:

Art. 35.  Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.

Parágrafo único.  Nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 desta Lei.

É que, além de pressupor a presença associativa de no mínimo duas pessoas, afirma-se que esse delito não exige a prática reiterada do crime de tráfico, mas exige sim um animus associativo constante, com certa permanência, de planejamento, ainda que seja a prática única de tráfico de drogas.

A prática pretendida não precisa ser reiterada, mas a associação precisa ser constante! Não caracteriza a associação para o tráfico quando inexistir essa constância! Esse é o elemento diferencial entre a associação para o tráfico e o mero concurso de agentes no tráfico!

Em verdade, sequer a existência concreta do tráfico efetivamente consumado/realizado é exigência para a configuração do crime de associação para o tráfico. A pedra angular desse tipo penal é exatamente a comprovação ou não do animus associativo constante, com estabilidade e permanência.

Vejamos julgado bastante elucidativo da 6ª Turma do STJ:

HABEAS CORPUS. ART. 35, DA LEI N. 11.343/2006. NECESSIDADE DE ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA DA ASSOCIAÇÃO PARA CARACTERIZAÇÃO DO CRIME. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. MERO CONCURSO DE AGENTES. ABSOLVIÇÃO. ORDEM CONCEDIDA. 1. A jurisprudência deste Superior Tribunal firmou o entendimento de que, para a subsunção da conduta ao tipo previsto no art. 35 da Lei n. 11.343/2006, é imprescindível a demonstração concreta da estabilidade e da permanência da associação criminosa. 2. O acórdão impugnado, ao concluir pela condenação do paciente e do corréu pelo crime previsto no art. 35 da Lei n. 11.343/2006, em momento algum fez referência ao vínculo associativo estável e permanente porventura existente entre eles, de maneira que, constatada a mera associação eventual entre os acusados para a prática do tráfico de drogas – sem necessidade de revaloração probatória ou exame de fatos -, devem ser absolvidos do delito em questão. 3. Ordem não conhecida. Habeas corpus concedido, de ofício, para absolver o paciente do crime previsto no art. 35 da Lei n. 11.343/2006, com extensão dos efeitos desse decisum para o corréu, a teor do art. 580 do CPP. (HC 270.837/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 19/03/2015, DJe 30/03/2015).

Espero que tenham gostado! Lembrando que o estudo verticalizado das leis penais extravagantes é extremamente importante para a preparação nos certames em que a matéria criminal é cobrada de maneira incisiva!

Vamos em frente!

Grande abraço,

Pedro Coelho – Defensor Público Federal

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