Olá alunas e alunos da EBEJI. Tudo bem?
Em informativo recente, o STJ tratou de aspecto relevante ao Direito do Consumidor no que diz respeito ao fato do produto. Em alguns textos já postados aqui no blog abordei com vocês a teoria da qualidade, que disciplina a dinâmica de vícios nas relações consumeristas. O tema é tão importante que recorrentemente é abordado em julgados dos Tribunais Superiores, demonstrando que o conhecimento da sistemática em questão é de suma importância para o sucesso nas provas de concurso que abrangem a matéria.
Vejam o recente julgado:
REsp 1.656.614-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 23/5/2017, DJe 2/6/2017. Terceira Turma.
Ação de indenização por danos materiais e compensação por danos morais. Acidente de trânsito. Segurança. Graves lesões. Mecanismo de segurança. Risco inerente. Produto defeituoso. A comprovação de graves lesões decorrentes da abertura de air bag em acidente automobilístico em baixíssima velocidade, que extrapolam as expectativas que razoavelmente se espera do mecanismo de segurança, ainda que de periculosidade inerente, configura a responsabilidade objetiva da montadora de veículos pela reparação dos danos ao consumidor.
Cinge-se a controvérsia a analisar se montadora de veículo pode ser responsabilizada por lesões ocasionadas a consumidor pela abertura de mecanismo de segurança conhecido como air bag. Cabe considerar, de início, que, segundo a legislação consumerista, o fabricante tem o dever de colocar no mercado um produto de qualidade, sendo que, se existir alguma falha, seja quanto à segurança, ou à adequação do produto em relação aos fins a que se destina, haverá responsabilidade do fabricante à reparação dos danos que esse produto vier a causar. Sua responsabilidade pelo fato do produto é objetiva e, portanto, prescinde da análise de culpa, apesar de não dispensar a prova do dano e do nexo causal (art. 12, caput, do CDC). Sobre o tema, a doutrina assevera que “em matéria de proteção da saúde e segurança dos consumidores vige a noção geral da expectativa legítima. Isto é, a ideia de que os produtos e serviços colocados no mercado devem atender as expectativas de segurança que deles legitimamente se espera. As expectativas são legítimas quando, confrontadas com o estágio técnico e as condições econômicas da época, mostram-se plausíveis, justificadas e reais. É basicamente o desvio deste parâmetro que transforma a periculosidade inerente de um produto ou serviço em periculosidade adquirida”. Na hipótese, os contornos fáticos demonstram que o consumidor sofreu graves lesões no rosto, principalmente nos olhos, pela abertura do mecanismo de segurança conhecido como air bag em acidente automobilístico ocorrido em baixíssima velocidade, com pequenos danos ao carro. Assim, a contrapartida da utilização do air bag pelo consumidor ultrapassou a expectativa normal e legítima dos possíveis danos causados pelo funcionamento do referido mecanismo de segurança. Nessa linha, o fato da utilização do air bag como mecanismo de segurança de periculosidade inerente, não autoriza que as montadoras de veículos se eximam da responsabilidade em ressarcir danos fora da normalidade do “uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam” (art. 12, § 1º, II do CDC). (Informativo n. 605)
O caso em destaque aborda a responsabilidade civil por acidente de consumo, isto é, pelo dano provocado, tratando-se, portanto, de fato do produto. O fato do produto encontra-se disciplinado entre os arts. 12 e 17 do CDC e decorre do vício de qualidade por insegurança. Tal vício é aquele que afeta a incolumidade física ou psíquica, buscando o ordenamento, portanto, proteger a integridade pessoal do consumidor e seus bens.
O art. 12, §1o, CDC, estabelece que o “o produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera”. Extrai-se deste dispositivo que para tal vício ser verificado, é necessária a presença de dois elementos, a saber, a desconformidade com expectativa legítima (o que legitimidade se espera dentro de um conceito de normalidade e previsibilidade) e a capacidade de provocar acidentes. Assim, a ausência de um dos elementos não permite configurar tal vício.
Os produtos colocados no mercado devem, portanto, atender à legítima expectativa de segurança do consumidor, isto é, devem estar dentro do espectro de previsibilidade os possíveis acidentes que o produto pode ocasionar. Isso é direito básico do consumidor, consubstanciado no art. 6º, I e III, parte final:
I – a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;
III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; (grifos meus)
Como saber, portanto, se o produto atende à expectativa de segurança que legitimamente se espera? A doutrina aponta que há graus de segurança: periculosidade inerente (risco intrínseco, periculosidade normal e previsível), adquirida (torna-se perigoso em razão de defeito – ou seja, ausente o vício, não traz risco superior) e exagerada (alto grau de nocividade inerente – são tidos como portadores de defeito de concepção, de modo que a informação é de pouca valia e os risco são excessivos). Apenas as últimas duas podem ser consideradas portadoras de vício de qualidade por insegurança, pois possuem potencial danoso superior ao que legitimamente se espera. É dessas periculosidades, portanto, que ocorrido o dano, exsurge o dever de indenizar.
No caso transcrito acima, o air bag do veículo foi acionado quando ocorrido acidente em baixíssima velocidade, em circunstâncias tais que não demandariam a sua utilização. O air bag é produto que possui periculosidade inerente conhecida, pois embora projetado para proteger, o seu próprio funcionamento pode causar danos ao usuário, mas estes muito menores que os danos que seriam causados na sua ausência. É, pois, dispositivo de segurança, mas cuja própria mecânica envolve risco.
No caso relatado, o air bag abriu em situação imprevisível, extrapolando expectativa que razoavelmente se esperava, o que gerou diversos danos ao consumidor. Note-se que nesta situação houve alguma falha no mecanismo que ocasionou a abertura quando não era necessário. Isto é, o air bag funcionou quando não deveria funcionar, o que demonstra a existência de vício. Assim, a periculosidade do produto, que era inerente, passa a ser adquirida em virtude deste defeito, o que resulta em obrigação de reparar. O risco foi evidentemente superior ao esperado, ou seja, o produto revelou-se defeituoso porque não ofereceu a segurança que legitimamente se esperava e por isso ocasionou um dano que, por sua vez, impõe o dever de indenizar.
O julgado é simples, mas a temática por traz envolve, como dito, o conhecimento da teoria da qualidade e da responsabilidade civil em relação consumerista. Estou à disposição para quaisquer dúvidas.
Bons estudos e boa semana a todos!
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