A Alçada das TCE´s e o Ressarcimento da União
Anualmente, bilhões de reais são repassados pela União aos Estados, Distrito Federal e municípios brasileiros, através das chamadas transferências voluntárias. Previstas no art. 25 da Lei de Responsabilidade Fiscal, são a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde.
Em outras palavras, as transferências voluntárias seriam os recursos financeiros repassados pela União aos Estados, Distrito Federal e Municípios em decorrência da celebração de convênios cuja finalidade é a realização de obras e/ou serviços de interesse comum e coincidente às três esferas do Governo.
Como exemplo, pode-se citar um convênio em que a UNIÃO, através do Ministério das Cidades, repassa verba a determinado Município para construção de vias pública, que então abrirá procedimento licitatório para a contratação da empreiteira que construirá a tal via.
Como se percebe, há um longo percurso do dinheiro público – desde o Ministério concedente, passando pelo Município convenente, até a construtora contratada – que deve, necessariamente, ser fiscalizado pelos órgãos de controle interno (Ministério concedente, Controladoria-Geral da União) e externo (Tribunal de Contas da União), nos precisos termos dos arts. 70 e 71 da Constituição Federal.
Com efeito, na hipótese de detecção de malversação de verba pública federal, tais órgãos dispõem de procedimentos bem regulamentados para apuração, responsabilização e quantificação do dano.
Por exemplo, o órgão de controle interno do Ministério concedente faz uso do procedimento de prestação de contas, no qual identificará a irregularidade, o responsável e quantificará o dano.
Depois de esgotadas as providências administrativas internas na prestação de contas com vista à recomposição do erário, terá o gestor do Ministério concedente de instaurar o procedimento de Tomada de Contas Especial (TCE), que é o procedimento no qual serão julgados, no Tribunal de Contas da União (TCU), os responsáveis pelo uso de recursos federais.
Sobre as TCE´s, servem para apurar, da mesma forma, a responsabilidade por ocorrência de dano à administração pública federal, com apuração de fatos, quantificação do dano e identificação dos responsáveis, visando a obtenção do respectivo ressarcimento.
Será encaminhada pelo gestor do Ministério concedente para processamento no Tribunal de Contas da União (TCU), pois este é o órgão constitucionalmente competente para julgamento das contas dos gestores de recursos públicos federais e aplicação das penalidades eventualmente cabíveis, nos precisos termos dos incisos II e VIII do art. 71 da Constituição Federal.
Inclusive, detalhe relevante é que o acórdão resultante do julgamento da TCE tem eficácia de título executivo, de acordo com o art. 71, § 3º da Constituição Federal. Ou seja, permanecendo inadimplente o gestor condenado, o acórdão será enviado pelo TCU à AGU para cobrança judicial, através da ação executiva.
Feita esta abordagem inicial sobre a forma como volumosos recursos federais transitam para os entes federados e dos métodos de fiscalização empregados, adentremos na problemática do tema deste post, qual seja, como será a UNIÃO ressarcida quando as TCE´s não são instauradas.
Pois bem, o Tribunal de Contas da União estabeleceu a alçada de R$ 75.000,00 para instauração de TCE´s, nos termos dos arts. 5º e 6º da IN/TCU n. 71/2012, in verbis:
Seção II
Da dispensa
Art. 6º Salvo determinação em contrário do Tribunal de Contas da União, fica dispensada a instauração da tomada de contas especial, nas seguintes hipóteses:
I – valor do débito atualizado monetariamente for inferior a R$ 75.000,00;
(…)
Seção III
Do arquivamento
Art. 7º Serão arquivadas as tomadas de contas especiais, antes do encaminhamento ao Tribunal de Contas da União, nas hipóteses de:
(…)
III – subsistência de débito inferior ao limite de R$ 75.000,00, de que trata o inciso I do art. 6º desta Instrução Normativa.
Ou seja, se a irregularidade versar sobre dano ao Erário inferior a R$ 75.000,00, o TCU determina a não instauração da TCE e, portanto, o gestor que praticou a irregularidade não será julgado pela Corte de Contas, em consequência, não haverá a constituição de título executivo a ser cobrado pela AGU.
Tal posicionamento, segundo o TCU, obedece a princípios de racionalidade administrava e economia processual, nos termos do preâmbulo da própria IN/TCU n. 71/2012:
Considerando que os processos de ressarcimento de dano ao Erário devem pautar-se pelos princípios da racionalidade administrativa, do devido processo legal, da economia processual, da celeridade, da ampla defesa e do contraditório;
Esta alçada do TCU, então, é o parâmetro abaixo do qual não lhe parece razoável mover a estrutura do tribunal para apurar e responsabilizar aquele que malversou verba pública federal.
Entrementes, como restará o ressarcimento da UNIÃO quando a irregularidade versar sobre valor menor que R$ 75.000,00?
Restarão as cobranças extrajudiciais como as demais ações judiciais para o alcance do ressarcimento.
A primeira medida de cobrança extrajudicial é realizada pelo Ministério concedente que, ao finalizar o procedimento da prestação de contas e permanecendo a inadimplência do gestor faltoso, deverá inscrevê-lo no CADIN (Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal), impedindo-o de, dentre outras, tomar empréstimos em bancos públicos.
Já como medidas de cobrança no âmbito judicial, podem-se citar as seguintes: (i) ação de ressarcimento, (ii) ação civil pública de improbidade administrativa pela própria UNIÃO ou (iii) execução fiscal pela PGFN mediante a prévia inscrição em Dívida Ativa da União da prestação de contas.
Se a escolha recair na ação de ressarcimento, a AGU estaria a iniciar ação de conhecimento condenatória junto ao Poder Judiciário na qual se apurariam os tais fatos irregulares para condenar o réu ao ressarcimento.
Ocorre que, com referida ação de conhecimento condenatória, a AGU buscaria a formação de um título executivo que o próprio TCU entende desnecessário.
Se para o TCU é antieconômico e irracional – do ponto de vista administrativo – iniciar procedimento (TCE) visando a apuração dos atos lesivos ao patrimônio público quando o valor for menor que R$ 75.000,00, resta a pergunta: também não seria antieconômico e irracional a AGU iniciar processo judicial com a mesma finalidade (apuração dos fatos visando o ressarcimento)?
A resposta, se utilizados os pressupostos do TCU, bem poderia ser afirmativa, ou seja, pela não interposição de ação de ressarcimento pela AGU.
Quanto a via da ação civil pública de improbidade administrativa, somente seria cabível se detectada a prática de condutas ímprobas, assim resumidas como aquelas que tenham causado (i) enriquecimento ilícito do gestor (i) prejuízo ao erário e (iii) lesão aos princípios da administração pública, nos precisos termos dos arts. 9º, 10º e 11º da Lei de Improbidade Administrativa, respectivamente.
E se não constatas qualquer prática ímproba? Ora, a não propositura de ação de ressarcimento ou da ação civil pública de improbidade administrativa transpareceria um estímulo a práticas ímprobas de pequenos danos.
Nesta quadra, e considerando a existência de um procedimento finalizado de prestação de contas realizado pelo Ministério concedente – no qual se apurou fatos, identificou o responsável e quantificou o dano – parece-me mais razoável que a PGFN inscreva o responsável em Dívida Ativa da União e, mantendo-se a inadimplência, inicie a cobrança judicial (execução fiscal) ou extrajudicial.
Há de se ressaltar que, em eventual cobrança judicial (execução fiscal) sob a competência das Procuradorias da Fazenda Nacional, a UNIÃO já disporia de um título executivo extrajudicial (Certidão de Dívida Ativa).
Se a escolha recaísse, entretanto, na ação de ressarcimento – de competência das Procuradorias da União, haveria de se buscar a formação de um título executivo judicial, somente constituído após o processamento da aludida ação de conhecimento cujo trâmtite, sabidamente, é longo.
Não bastasse, em se inscrevendo em Dívida Ativa da União e escolhendo a PGFN a via da cobrança extrajudicial, o encaminhamento ao protesto no Tabelionato de Protesto de Títulos é uma escolha de reconhecida eficiência. Tais cartórios são conveniados a entidades de proteção ao crédito, como o SERASA e o SCPC, os quais, ao negativariam o nome do devedor, são instrumentos de efetividade da cobrança.
Enfim, a conclusão que se chega, na hipótese de convênio cuja prestação de conta identifique o responsável por irregularidade quantificada em valor inferior a R$ 75.000,00, dada a não instaurada a Tomada de Contas Especial em razão do disposto no art. 5º da IN/TCU n. 71/2012, é que deve-se privilegiar os métodos de cobrança extrajudicial e judicial acima elencados.
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