A atual Constituição teve origem realmente em uma Assembleia Constituinte?
O título deste artigo pode parecer estranho, especialmente pelo fato de nos bancos das faculdades ou nos estudos para as diversas provas o assunto “Poder Constituinte” praticamente seguir um roteiro: conceituação, características, tipos e abordagem da questão da recepção constitucional.
O estudo das Constituições que deixaram de viger no país costuma ser visto como um apêndice histórico, mostrando, principalmente, a forma de elaboração e os avanços ou retrocessos em cada uma delas. Ao chegar ao estudo histórico da atual Constituição nacional, analisamos o seu processo originário, a questão do rompimento com uma ordem autoritária anteriormente existente, o fortalecimento dos direitos e garantias…
Contudo, dificilmente é analisado o processo em si de convocação da Assembleia sob o ponto de vista formal. Pode-se entender assembleia constituinte como um organismo que passa a existir dentro da conjuntura política de um Estado já existente ou que “nasceu” (através da conquista de independência, por exemplo). Costuma ser dotada de diversos poderes e, como dito, pode propor uma nova constituição ou criar a carta inaugural nacional.
Ressalte-se que a assembleia constituinte de um país nem sempre pode ser considerada genuína, isto é, como sendo fruto de uma movimentação social interna. Basta pensarmos, por exemplo, no caso de uma guerra declarada e a nação vencedora impor a instalação de uma assembleia para debater os termos de uma Constituição ao perdedor ou invadido. Além disso, pode-se imaginar também que, ainda que não haja uma imposição direta, mecanismos constitucionais acabem por deixar a nação perdedora ou invadida em uma clara dependência para com o invasor.
Seria o caso de uma constituição declarar que um determinado país é soberano e livre, mas suas forças armadas não estão plenamente organizadas ou sejam muito dependentes de outro país (ou as forças armadas desse outro país realizem as funções constitucionais que deveriam ser inerentes ao país invadido/derrotado).
Estas situações são comumente verificadas em países cujos regimes políticos foram derrubados pelos invasores e, de modo a organizar minimamente o território invadido, o país invasor, com ou sem aval de organismos internacionais, procura moldá-lo institucionalmente de modo a atender determinados interesses, geralmente de cunho econômico travestidos de defesa de direitos humanos ou autodeterminação da ou das populações que habitam a porção territorial. No caso brasileiro, com a eleição direta para governadores ocorrida em 1982, o movimento pela redemocratização foi ganhando cada vez mais força. No ano de 1984 a pressão popular pela aprovação da famosa “Emenda Dante de Oliveira” (tecnicamente, era a Proposta de Emenda Constitucional nº 5/1983) era imensa. Frise-se que essa emenda ficou assim conhecida em alusão ao Deputado Federal que propôs a mencionada emenda, Dante de Oliveira Pereira Carvalho (PMDB/MT).
Porém, a emenda foi rejeita no dia 25 de abril de 1984 e, por conta disso, a eleição presidencial de 1985 manteve-se indireta. O então governador de Minas Gerais, Tancredo Neves, é lançado como candidato da oposição ao regime vigente e, em sua campanha eleitoral, comprometeu-se a instaurar as bases para a mudança da ordem política vigente, ou seja, uma assembleia constituinte. A eleição de Tancredo Neves, para muitos historiadores, é considerada o marco temporal final do regime militar. Como é de conhecimento geral, Tancredo Neves morreu e seu vice, José Sarney, figura política proeminente durante o período militar, deu prosseguimento às promessas de mudanças.
Assim, enviou ao Congresso Nacional uma PEC convocando uma Assembleia Constituinte, sendo que essa PEC seria a futura EC 26, promulgada em 27/11/1985. Ainda que o texto da EC 26/1985 mencione a convocação de “Assembleia Constituinte”, para o autor José Afonso da Silva, em realidade, convocou-se um Congresso Constituinte, haja vista a menção explícita a membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Nas palavras do famoso constitucionalista:
“Aprovada como EC-26 (promulgada em 27.11.85), em verdade, convocara os membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para se reunirem, em Assembleia Nacional Constituinte, livre e soberana, no dia 1.2.87, na sede do Congresso Nacional. Dispôs, ainda, que seria instalada sob a presidência do Presidente do Supremo Tribunal Federal, que também dirigiria a sessão de eleição do seu Presidente. Finalmente, estabeleceu que a Constituição seria promulgada depois da aprovação de seu texto, em dois turnos da discussão e votação, pela maioria absoluta dos membros da Assembléia Nacional Constituinte. Assim se fez. Mas, ao convocar os membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, a rigor, o que se fez foi convocar, não uma Assembléia Nacional Constituinte, mas um Congresso Constituinte.”
Assim, mesmo que se possa entender a Constituição de 1988 como uma mudança drástica em relação à ordem anterior, sua origem, ironicamente, dependeu de inúmeros atores políticos com muita influência durante os tempos sombrios ditatoriais. Eventualmente, em uma prova oral, a fim de demonstrar um conhecimento sólido e mais profundo sobre o histórico constitucional nacional, o entendimento do doutrinador José Afonso da Silva pode ser mencionado. Porém, verifica-se que na imensa maioria das provas o assunto é tratado como Assembleia Constituinte. Mas, como as bancas procuram inovar cada vez mais nas questões, é importante estar atento a todas as possibilidades de indagações.
Dr. Rodrigo Duarte, Advogado da União
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