A competência territorial em ações propostas contra entes federais da administração indireta e a divergência entre o STJ e o STF

Hoje o texto versa sobre uma questão polêmica, importante tanto para a atuação do advogado público, como para provas de concurso público, mas que, em geral, não é tratada nas obras doutrinárias. Veremos qual a competência territorial dos entes da administração indireta federal quando atuam como réus em processos judiciais.

A competência da Justiça Federal é constitucional e taxativa, não podendo ser modificada pela legislação infraconstitucional. Uma das hipóteses em há fixação da competência da justiça federal é em razão da pessoa e, segundo o art. 109, I, da CFRB, “as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho”.

Um ponto de caráter polêmico diz respeito à competência territorial quando um ente federal da administração indireta esteja na condição de réu.[1] O art. 109, §2º, da CFRB, afirma que “As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal”.

Há uma facilitação do exercício do direito de ação do autor quanto litiga contra a União, posto que, na generalidade dos casos, quando uma demanda é ajuizada em face de uma pessoa jurídica, a regra é que a competência seja do local da sua sede, nos termos do art. 100, IV, “a”, do CPC. No entanto, quando a União é ré, existem quatro alternativas de escolha para o autor: a) o foro de domicílio do autor; b) na Seção Judiciária onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda; c) no foro onde esteja situada a coisa e d) no Distrito Federal.

No entanto, o texto constitucional apenas faz menção expressa à União, não constando qualquer previsão acerca dos demais entes federais que façam parte da Administração Indireta. Em havendo essa omissão, deve-se aplicar o regramento do CPC, ou, de forma analógica, os dispositivos constitucionais que se referem à União?

O STJ, em vários processos envolvendo o CADE, que apenas possui sede em Brasília, afirmou que “Nos termos do artigo 100, inciso IV, alíneas a e c, do CPC, as autarquias federais podem ser demandadas no foro da sua sede ou naquele da agência ou sucursal, em cujo âmbito de competência ocorreram os fatos da causa, desde que a lide não envolva obrigação contratual”.[2]

Em outros termos, o tribunal da cidadania adota o entendimento de que o termo “União”, expresso no §2º, do art. 109, da CFRB não pode ser estendido analogicamente aos entes federais da administração indireta. A omissão no texto constitucional faria com que o estabelecimento do foro competente contra tais entes seja regida pelas leis processuais civis.[3]

O STF, no entanto, adotou entendimento diametralmente oposto.

No Recurso Extraordinário 627.709, julgado sob o regime de repercussão geral, entenderam os ministros que as possibilidades de escolha de foro em ações envolvendo a União se estendem às autarquias federais e fundações. Para o ministro Ricardo Lewandowski, o texto normativo em questão “não foi concebido para favorecer a União, mas sim para beneficiar o outro polo da demanda, que, dispondo da faculdade de escolha do foro, terá mais facilidade para obter a pretendida prestação jurisdicional”.

Tem-se, então, mais uma divergência jurisprudencial entre o STJ e o STF. Pela lógica da constituição, cabe ao STF determinar qual a interpretação mais adequada a ser adotada nessa divergência de entendimentos por ser diretamente referida a um texto constitucional. Como se costuma afirmar, o STF é o guardião da Constituição. Assim, deve prevalecer a posição do STF, em que o §2º, do art. 109, da CFRB pode ser estendido analogicamente aos demais entes federais, havendo o direito de escolha por parte do autor da cessão judiciária seja quando litigue contra a União ou outro ente federal.

No entanto, para o efeito de concursos públicos, é importante que o candidato esteja preparado para situações em que a banca venha a requerer o posicionamento expresso do STJ. Se o fizer, deverá, enquanto não houver mudança expressa de posicionamento do tribunal, indicar como correta assertiva que aponta a inaplicabilidade do §2º, do art. 109, da CFRB às autarquias e fundações quando atuem no polo passivo.

Ravi Peixoto, Procurador Municipal.

[1]     Ressalte-se que no caso das sociedades de economia mista, embora façam parte da administração federal indireta, suas causas cíveis serão processadas na justiça estadual, consoante o posicionamento jurisprudencial do STJ, consolidado na súmula n. 42.

[2]     STJ, 1ª T., AgRg no REsp 1.321.642/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 07/08/2012, DJe 17/08/2012. No mesmo sentido: STJ, 2ª T., REsp 1.208.887/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 06/11/2012, DJe 12/11/2012.

[3]     Com esse posicionamento: CARVALHO, Vladimir Souza. Competência da justiça federal. 6ª ed. Curitiba: Juruá, 2005, p. 94.