A expressão “Massa Falida”: extinção da execução fiscal, (in) aplicabilidade da Súmula 392 do STJ e a diferença para a situação diversa do executivo fiscal proposto contra o pessoa física já falecida.

Vejamos a seguinte decisão tomada pelo Tribunal Regional da 5a Região:

 

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL CONTRA EMPRESA FALIDA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO.

1. É cediço que a legitimidade ad causam constitui requisito indispensável para o exercício da ação. A ausência deste requisito conduz à carência de ação, ensejando a extinção do processo sem resolução de mérito.

2. Uma vez decretada a falência de uma empresa, eventual demanda executiva fiscal deverá ser proposta necessariamente em face da massa falida, que é a parte legítima para figurar no polo passivo da execução, representada na pessoa do Administrador Judicial, a teor do art. 22, III, c, da Lei n. 11. 101/2005.

3. No caso concreto, a empresa devedora teve a sua falência decretada (23/05/2000) em momento anterior ao ajuizamento da presente execução fiscal (19/09/2000). Logo a ação executiva deveria ter sido proposta contra a massa falida da empresa, na pessoa do seu representante, legalmente constituído – parte legítima para figurar no polo passivo da demanda -, e não em face dá empresa falida. A solução jurídica no caso é, portanto, a extinção do feito sem resolução de mérito, nos termos do artigo 267, VI, do CPC. Correta, pois, a sentença que, nesse sentido, extinguiu o presente executivo fiscal.

4. Ressalte-se que, in casu, sequer haveria a possibilidade de substituição da CDA para modificar o sujeito passivo da execução, eis que tal procedimento não encontra amparo na Lei n. 6.830/80. Esse, inclusive, é o entendimento do STJ consolidado na Súmula 392, segundo a qual: “A Fazenda Nacional pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito Passivo da execução.” (Primeira Seção, julgado em 23/09/2009, DJ. 07/10/2009).

5. Remessa oficial e apelação improvidas.

 

Em resumo, percebe-se que:

– A execução fiscal foi aparelhada por Certidão de Dívida Ativa na qual não constava a condição de Falida da empresa devedora;

– A falência ocorreu antes da propositura da ação e, por esse motivo entendeu-se que careceria legitimidade passiva para a causa;

– Afastou-se ainda a possibilidade de substituição da CDA nos termos da Súmula 392/STJ;

– A impossibilidade de aplicação da Súmula deve-se ao entendimento de que a condição de Falida implica em necessária alteração do próprio sujeito passivo, o que é vedado pela parte final do verbete 392/STJ;

Em suma: a decretação da falência da empresa (estado falimentar) implica na alteração do sujeito passivo, como se houvesse o surgimento de outra pessoa, impondo ao fisco que – antes da propositura da execução fiscal – indique a empresa acrescida da nomenclatura “Massa Falida”.

 

MAS QUAL É O ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA A ESSE RESPEITO?

Utilizarei como exemplo o próprio Recurso Especial que alterou a decisão acima transcrita do TRF5. É o RESP 1.359.026/SE, relatado pelo Ministro Herman Benjamin e cujos argumentos foram os seguintes (próprias palavras do voto condutor):

 

1o – “A mera decretação da falência não implica extinção da personalidade

jurídica da empresa”:

“Por meio da Ação Falimentar instaura-se processo judicial de concurso de credores, onde será realizado o ativo e liquidado o passivo, para, ao final, em sendo o caso, promover-se a dissolução da pessoa jurídica, com a extinção da respectiva personalidade.”

 

Comentários nossos: Assim, não há alteração de personalidade ou mudança subjetiva a implicar alteração do sujeito passivo. A pessoa jurídica nasce porque se registra (ao contrário da pessoa natural que se registra porque nasce) e pelo paralelismo das formas, só se extingue sua personalidade com o cancelamento do registro. Ora, a condição de “falida” não implica no cancelamento do registro. Há sim um concurso de credores universal. A doutrina de direito empresarial considera, embora rara, a possibilidade de reversão do estado de falida.

Concluiu o Ministro Relator: “A massa falida, como se sabe, não detém personalidade jurídica, mas apenas personalidade judiciária – isto é, atributo que permite a participação nos processos instaurados pela empresa, ou contra ela, no Poder Judiciário. Trata-se de universalidade que sucede, em todos os direitos e obrigações, a pessoa jurídica. Correta a recorrente, portanto, quando afirma que não se trata de alteração do sujeito passivo. Na realidade, a hipótese mais se aproxima da retificação do sujeito passivo apontado como réu, requerido ou executado, de modo que é plenamente aplicável a regra do art. 284 do CPC.

2o – Não se trata de alteração de sujeito passivo, mas de mera correção de irregularidade da petição inicial. Inaplicável, portanto, a Súmula 392/STJ: “Em outras palavras, há simples irregularidade na petição inicial, forma que é vedada a decretação da extinção do feito sem que a parte seja intimada para providenciar a retificação. Conquanto não se trate de defeito apenas na peça introdutória da

demanda – com efeito, há necessidade de retificação da CDA – , o art. 2º, § 8º, da LEF prevê justamente a possibilidade de correção do defeito, que, no caso, possui natureza formal.”

3o – Conclusão diversa seria um atentado aos princípios da celeridade e economia processuais: Em última análise, a postura do Tribunal de origem é equiparável ao atentado contra os princípios da celeridade e da economia processual, pois obrigaria a Fazenda Pública a propor nova causa, quando simplesmente bastaria corrigir a informação relativa à condição do sujeito passivo (isto é, em estado falimentar).

Para ilustrar melhor ainda o entendimento, cito ainda outras passagens de votos de relatores, em outros processos que trataram do mesmo tema e chegaram às mesmas conclusões do Ministro Herman.

 

– RESP 1.359.273/SE: Voto vencedor do Ministro Bendito Gonçalves.

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL, CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. FALÊNCIA. INDICAÇÃO DO DEVEDOR SEM A MENÇÃO “MASSA FALIDA”. VÍCIO SANÁVEL.

1. A pessoa jurídica já dissolvida pela decretação da falência subsiste durante seu processo de liquidação, sendo extinta, apenas, depois de promovido o cancelamento

de sua inscrição perante o ofício competente. Inteligência do art. 51 do Código Civil.

2. O ajuizamento de execução fiscal sem a menção “massa falida” não importa erro quanto à identificação da pessoa jurídica devedora, mas, apenas, mera irregularidade

que diz respeito à sua representação processual e que pode ser sanada durante o processamento do feito.

3. Não é o caso de substituição da CDA, nem redirecionamento da execução fiscal, sendo, portanto, inaplicável a Súmula 392/STJ.

4. Recurso especial provido.

 

– RESP 1.359.041/SE: Ministro Castro Meira.

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL, CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. FALÊNCIA. INDICAÇÃO DO DEVEDOR SEM A MENÇÃO

“MASSA FALIDA”. VÍCIO SANÁVEL. SUBSTITUIÇÃO DA CDA. DESNECESSIDADE.

1. A massa falida nada mais é do que o conjunto de bens, direitos e obrigações da pessoa jurídica que teve contra si decretada a falência, uma universalidade de bens, a que se atribui capacidade processual exclusivamente, mas que não detém personalidade

jurídica própria nos mesmos moldes da pessoa natural ou da pessoa jurídica. Todo esse

acervo patrimonial não personificado nasce com o decreto de falência e sobre ele recai a

responsabilidade patrimonial imputada, ou imputável, à empresa falida, apenas isso, mas não configura uma pessoa distinta.

2. Não incide, portanto, a Súmula 392/STJ (“A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução”), pois o decreto de falência não gera “modificação do sujeito passivo da execução”, sendo desnecessária, até mesmo, a substituição da CDA.

3. “A pessoa jurídica já dissolvida pela decretação da falência subsiste durante seu processo de liquidação, sendo extinta, apenas, depois de promovido o cancelamento

de sua inscrição perante o ofício competente. Inteligência do art. 51 do Código Civil”.

(REsp 1.359.273/SE, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão

Ministro BENEDITO GONÇALVES, Primeira Turma, DJe 14.5.13)

4. O simples fato de não ter sido incluído ao lado do nome da empresa executada o complemento “massa falida” não gera nulidade nem impõe a extinção do feito por ilegitimidade passiva ad causam. A massa falida não é pessoa diversa da empresa contra

a qual foi decretada a falência. Não há que se falar em redirecionamento nem mesmo em substituição da CDA. Trata-se de mera irregularidade formal, passível de saneamento até mesmo de ofício pelo juízo da execução.

5. No caso dos autos, a impossibilidade de extinção do feito é ainda mais patente porque a execução fiscal foi ajuizada apenas 20 dias após o decreto de falência, ou seja, é possível, e mesmo provável, que a Fazenda Pública exequente nem tivesse ciência desse

fato.

6. Recurso especial provido.

 

RESP 1.359.400/SE – Ministra Eliana Calmon.

“Por oportuno, ressalte-se que o fato de a exequente não indicar a expressão ‘massa falida’ na peça exordial não afasta as obrigações do síndico de representar judicialmente a massa falida, nos termos determinados no art. 22, III, c, da Lei 11.101/09, abaixo transcrito, in verbis :

Art. 22. Ao administrador judicial compete, sob a fiscalização do juiz e do Comitê, além de outros deveres que esta Lei lhe impõe:

(…)

III – na falência:

(…)

c) relacionar os processos e assumir a representação judicial da massa falida;

Isso porque não se pode confundir legitimidade ad causam com representação processual, ao passo que, proposta a demanda contra pessoa falida, seus efeitos em relação a massa somente se produzirão se praticados na pessoa de seu representante legal, qual seja, o administrado judicial.”

 

ATENÇÃO: O TEMA ASSUME RELEVÂNCIA ESPECIAL AGORA QUE O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA FIRMOU O ENTENDIMENTO ACIMA TRANSCRITO EM RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA.

 

INFORMATIVO 538 DE 30 DE ABRIL DE 2014. PRIMEIRA SEÇÃO DO STJ.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL AJUIZADA CONTRA PESSOA JURÍDICA FALIDA. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).

A constatação posterior ao ajuizamento da execução fiscal de que a pessoa jurídica executada tivera sua falência decretada antes da propositura da ação executiva não implica a extinção do processo sem resolução de mérito. Por um lado, a sentença que decreta a falência apenas estabelece o início da fase do juízo concursal, ao fim do qual, então, ocorrerá a extinção da personalidade jurídica. Não há, portanto, dois ou mais entes com personalidade jurídica a concorrerem à legitimidade passiva da execução, mas uma pessoa jurídica em estado falimentar. A massa falida, como se sabe, não detém personalidade jurídica, mas apenas personalidade judiciária, isto é, atributo que permite a participação nos processos instaurados pela pessoa jurídica ou contra ela no Poder Judiciário. Trata-se de universalidade que sucede, em todos os direitos e obrigações, a pessoa jurídica. Assim, deve-se dar oportunidade de retificação da denominação do executado – o que não implica alteração do sujeito passivo da relação processual –, sendo plenamente aplicável a regra do art. 284 do CPC: “Verificando o juiz que a petição inicial não preenche os requisitos exigidos nos arts. 282 e 283, ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor a emende, ou a complete, no prazo de 10 (dez) dias”. Esse entendimento também se extrai do disposto no art. 51 do CC: “nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a autorização para seu funcionamento, ela subsistirá para os fins de liquidação, até que esta se conclua”. Por outro lado, à luz do disposto no art. 2º, § 8º, da Lei 6.830/1980 (“Até a decisão de primeira instância, a Certidão de Dívida Ativa poderá ser emendada ou substituída, assegurada ao executado a devolução do prazo para embargos”), além da correção da petição inicial, é igualmente necessária a retificação da CDA. Outrossim, a extinção do processo sem resolução de mérito violaria os princípios da celeridade e da economia processual. Por fim, trata-se de correção de “erro material ou formal”, e não de “modificação do sujeito passivo da execução”, não se caracterizando afronta à Súmula 392 do STJ: “A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução”. Precedentes citados: REsp 1.192.210-RJ, Segunda Turma, DJe 4/2/2011; REsp 1.359.041-SE, Segunda Turma, DJe 28/6/2013; e EDcl no REsp 1.359.259-SE, Segunda Turma, DJe 7/5/2013. REsp 1.372.243-SE, Rel. originário Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. para acórdão Min. Og Fernandes, julgado em 11/12/2013.

 

CONCLUSÃO: Prevaleceu a tese fazendária de que não se extingue a execução fiscal quando promovida contra empresa que já se encontrava em estado falimentar.

Diversa é a situação quando se trata de pessoa física que já era falecida antes da propositura da ação, pois, nesse caso, a execução fiscal será extinta por aplicação da Súmula 392/STJ.

Bons estudos!

Abraços,

Renato Cesar Guedes Grilo.