Olá alunos e alunas da EBEJI, como estão?

Vamos tratar hoje de Direito do Consumidor e de tema recorrente na jurisprudência deste ramo, as práticas abusivas.

A prática abusiva é um gênero do qual são espécies as cláusulas e a publicidade abusiva, e é entendida como a desconformidade com os padrões mercadológicos de boa conduta em relação ao consumidor. Tais condutas se revelam em comportamentos desleais que acentuam o desequilíbrio já existente na relação de consumo, daí porque a legislação se preocupa tanto em regulá-las e coibi-las.

As práticas abusivas estão listadas no art. 39 do CDC (Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: […]), cujo rol não é taxativo, mas meramente exemplificativo. O próprio CDC admite interpretação teleológica, o que quer dizer que outras práticas podem ser incluídas, inclusive as previstas em outros dispositivos do código, como art. 21, 32, 43, etc.

Tais práticas injustas podem ser verificadas tanto pelo excesso quanto pela omissão, o que desfavorece o consumidor e gera o desequilíbrio maior na relação contratual, podendo ser adotadas na fase pré-contratual, contratual ou pós contratual. É dizer, a prática abusiva pode ser verificada em qualquer momento da relação consumerista, independente de já ter havido a celebração do negócio. Isso ocorre para que haja uma ampla proteção do consumidor, notadamente na fase pré-contratual, etapa em que ocorre o maior índice de induções e adoção de comportamentos e táticas que viciam o processo de escolha, táticas essas que inibem o direito básico de liberdade, esculpido no art. 6o, II  (São direitos básicos do consumidor: […] II – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações).

Nesta seara, a jurisprudência é recorrente em decidir questões atinentes a planos de saúde, que frequentemente se valem de práticas abusivasVejamos o seguinte julgado, trazido no recente informativo n. 612 do Superior Tribunal de Justiça:

Há abusividade na cláusula contratual ou em ato da operadora de plano de saúde que importe em limitação/interrupção de tratamento psicoterápico por esgotamento do número de sessões anuais asseguradas no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, devendo as consultas excedentes ser custeadas em regime de coparticipação. Inicialmente, cumpre salientar que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) fixa periodicamente diretrizes de atenção à saúde bem como atualiza o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que constitui a referência básica para a cobertura assistencial mínima nos planos privados de assistência à saúde. Para os atendimentos realizados em consultório ou em ambulatório, o art. 21, inciso IV da Resolução Normativa (RN) n. 338/2013 da ANS, dispôs sobre a cobertura de psicoterapia, limitada, entretanto, ao número de sessões estabelecido em um de seus anexos. Por seu turno, o Anexo II da referida resolução estabeleceu diferentes quantidades de sessões ou de consultas obrigatórias mínimas a serem custeadas pelo plano de saúde conforme o grau de severidade do transtorno mental. Posteriormente, com a superveniência da RN n. 387/2015, algumas coberturas mínimas foram ampliadas, como as sessões de psicoterapia que passaram de 12 (doze) por ano de contrato para 18 (dezoito). Ocorre que os tratamentos psicoterápicos são contínuos e de longa duração, de modo que um número tão exíguo de sessões anuais não é capaz de remediar a maioria dos distúrbios mentais. Dessa forma, a restrição severa de cobertura poderá provocar a interrupção da própria terapia, o que comprometerá o restabelecimento da higidez mental do usuário, a contrariar não só princípios consumeristas (art. 51, IV, da Lei n. 8.078/1990), mas também os de atenção integral à saúde na Saúde Suplementar (art. 3º da RN n. 338/2013, hoje art. 4º da RN n. 387/2015). Ademais, em conformidade com entendimento firmado por esta Corte Superior, é de rigor que o médico ou profissional habilitado – e não o plano de saúde – tenha autonomia para aferir o período de atendimento adequado segundo as necessidades de cada paciente, de forma que a operadora não pode limitar o número de sessões recomendadas para o tratamento integral de determinado transtorno mental. Assim, será abusiva qualquer cláusula contratual ou ato da operadora de plano de saúde que importe em interrupção de tratamento psicoterápico por esgotamento do número de sessões anuais asseguradas no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS. Logo, o número de consultas/sessões anuais de psicoterapia fixado pela ANS deve ser considerado apenas como cobertura obrigatória mínima a ser custeada plenamente pela operadora de plano de saúde; mas, para não haver o esvaziamento do tratamento da enfermidade mental, a quantidade que ultrapassar tais balizas deverá ser suportada tanto pela operadora quanto pelo usuário, em regime de coparticipação, aplicando-se, por analogia, o que ocorre nas hipóteses de internação em clínica psiquiátrica. A estipulação de coparticipação nessas situações se revela necessária, porquanto, por um lado, impede a concessão de consultas indiscriminadas ou o prolongamento em demasia de tratamentos e, por outro, restabelece o equilíbrio contratual (art. 51, § 2º, do CDC), visto que as sessões acima do limite mínimo estipulado pela ANS não foram consideradas no cálculo atuarial do fundo mútuo do plano, o que evita a onerosidade excessiva para ambas as partes. (REsp 1.679.190-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 26/09/2017, DJe 02/10/2017).

A interrupção abrupta no tratamento psicoterápico porque já superado o número de sessões cobertas pelo plano de saúde configura-se prática abusiva, na medida em que ofende diretamente o disposto no art. 51, IV e XV do CDC, o  qual considera nulas de pleno direito as cláusulas incompatíveis com a boa-fé ou a equidade, bem como aquelas que estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor.

O que se tem, nestes casos, é que a definição da duração do tratamento deve ficar a cargo do médico e/ou equipe responsável pelo consumidor-paciente, e não da operadora de plano de saúde que limita o atendimento às sessões cobertas pelo contrato. É o mesmo raciocínio aplicado para as cláusulas que limitam os dias de internação do paciente (Súmula 302 do STJ: “É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado).

Cada caso deve ser analisado concretamente pelo profissional habilitado, o qual aferirá o período de tratamento necessário para o restabelecimento do paciente. Admitir-se que as limitações contratuais impostas possam vigorar sobre o quadro médico é subverter os valores e negligenciar o direito à saúde e à própria vida, razão pelo que elas são consideradas abusivas.

De outro lado, impor-se ao plano de saúde que custeie integralmente o tratamento que vá muito além do número de sessões previsto no instrumento, afeta consideravelmente o equilíbrio econômico e financeiro da relação em desfavor do fornecedor, uma vez que este tratamento ilimitado não foi considerado no cálculo atuarial, o que também não pode ser admitido. Não se pode gerar ônus excessivo para nenhuma das partes, de forma que a melhor solução para este aparente impasse é a coparticipação entre o consumidor e a operadora do plano de saúde naquilo que exceder o previsto no contrato.

Com isso, o número de sessões abarcadas pelo instrumento representa a quantia máxima integralmente coberta pelo plano de saúde, após o que a cobertura será parcial, devendo o consumidor arcar com parte do valor das sessões. Esta alternativa desestimula o uso desnecessário e mantém o equilíbrio contratual, atendendo ao interesse de ambas as partes.

Verificada a prática abusiva, ao fornecedor podem ser aplicadas sanções administrativa (cassação de licença, interdição de atividade, etc.), penais e, ainda, a obrigação de reparar o dano causado, seja ele material ou moral.

Fiquem atentos pois este tema é bastante frequente nas provas de concursos.

Bons estudos e até mais!