A natureza tributária da contribuição sindical
No MS 28465, relatado pelo Ministro Marco Aurélio, a 1º Turma do STF entendeu que a contribuição sindical tem caráter tributário, constituindo receita pública. Portanto, o TCU tem competência para empreender fiscalização, haja vista o viés público dos valores arrecadados. Para entender melhor a contribuição sindical, faz-se necessário diferenciá-la de outros dois institutos jurídicos: a contribuição confederativa e a contribuição assistencial.
O primeiro instituto, contribuição sindical, previsto nos arts. 578 a 591 da CLT, é compulsoriamente cobrado dos que pertencem a uma categoria profissional, não importando o fato de a pessoa ser sindicalizada ou não. O valor dessa contribuição equivale a um dia de trabalho e o desconto ocorrerá na folha de pagamento do mês de março, cabendo aos empregadores a responsabilidade pelo recolhimento.
“Art. 578 – As contribuições devidas aos Sindicatos pelos que participem das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas pelas referidas entidades serão, sob a denominação do “imposto sindical”, pagas, recolhidas e aplicadas na forma estabelecida neste Capítulo. (Vide Lei nº 11.648, de 2008)
Art. 579 – A contribuição sindical é devida por todos aquêles que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão ou, inexistindo êste, na conformidade do disposto no art. 591”.
Esse instituto também é conhecido como “imposto sindical”, embora a nomenclatura não reflita corretamente a tipologia tributária da contribuição. É um instituto que guarda muita polêmica, especialmente pelo fato de ser acusado de servir para a manutenção de sindicatos cuja representatividade é minúscula ou que só existem para funções arrecadatórias. Consequentemente, a razão de ser de uma entidade sindical deixa de existir, tornando-se mera figura decorativa e enfraquecendo o tecido social laboral.
Já o segundo instituto, a contribuição confederativa, tem por escopo o custeio do sistema confederativo patronal ou profissional. Frise-se que é para manter a estrutura de funcionamento das confederações de empregados e empregadores. O art. 8º, IV, da CRFB, versa sobre essa contribuição:
Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:
(…)
IV – a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei;
Essa contribuição só abarcará os associados e o valor dela será definido não pela lei, mas pelos próprios integrantes, isto é, filiados. Importante mencionar a Súmula nº 666 do STF, dirimindo quaisquer dúvidas que possam pairar acerca de quem pode ser alvo da cobrança:
“A contribuição confederativa de que trata o art. 8º, IV, da Constituição, só é exigível dos filiados ao sindicato respectivo.”
Justamente por não ter viés tributário e pelo mandamento constitucional de autonomia das entidades representativas, não seria coerente que o Poder Público estipulasse um regramento extenso ou exaustivo sobre valores e modos de cobrança.
Mas, lembremos que autonomia não significa a possibilidade de isenção de qualquer controle ou impossibilidade de o Estado estipular critérios mínimos, especialmente pelo latente interesse social em jogo no sistema sindical e confederativo.
Assim, o fato de o valor poder ser estabelecido pelos confederados não significa dizer que não possam existir critérios (datas, alíquotas, formas de recolhimento) criados pelo Poder Público.
Por fim, o terceiro instituto, contribuição assistencial, é exigido daqueles empregados que possuem filiação à entidade sindical. Essa exigência pode decorrer de um acordo coletivo, de uma convenção coletiva ou sentença normativa. A destinação, geralmente, é para o custeio dos serviços sindicais, mas se houver deliberação e aprovação em Assembleia, a finalidade pode ser outra.
O art. 513, “e”, da CLT, dispõe que:
“Art. 513. São prerrogativas dos sindicatos:
(…)
e) impor contribuições a todos aqueles que participam das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas.”
Há alguma controvérsia sobre a obrigatoriedade ou não do pagamento dessa contribuição. Entende-se que ela só poderia cobrada de quem tivesse filiação, enquanto que há entendimento de que sua cobrança, uma vez instituída por acordo coletivo, convenção coletiva ou sentença normativa, irradiaria seus efeitos para todos os integrantes das categorias.
O TST tem entendimento de que a cobrança não poderia ocorrer sobre quem não seja sindicalizado, sustentando sua argumentação na liberdade de associação e sindicalização, consoante o Precedente Normativo nº 119:
“A Constituição da República, em seus arts. 5º, XX e 8º, V, assegura o direito de livre associação e sindicalização. É ofensiva a essa modalidade de liberdade cláusula constante de acordo, convenção coletiva ou sentença normativa estabelecendo contribuição em favor de entidade sindical a título de taxa para custeio do sistema confederativo, assistencial, revigoramento ou fortalecimento sindical e outras da mesma espécie, obrigando trabalhadores não sindicalizados. Sendo nulas as estipulações que inobservem tal restrição, tornam-se passíveis de devolução os valores irregularmente descontados.”
Situação muito comum na prática trabalhista é o trabalhador não sindicalizado receber um boleto bancário com um determinado valor e com uma nomenclatura obscura. Nem todos possuem o conhecimento de que essa cobrança é indevida, ainda mais pelo fato de a situação invariavelmente aparentar um ar de “oficialidade”.
No mandado de segurança apontado no início deste texto, uma entidade sindical impugnou um acórdão do TCU que buscou investigar indícios de evolução patrimonial incompatível com a renda dos dirigentes sindicais originados supostamente em malversação de recursos da contribuição sindical compulsória. O sindicato, sucintamente, alegou: as contribuições sindicais compulsórias não seriam recursos públicos federais; o ente sindical não seria ente público da administração direta e, por fim, questões atinentes à autonomia sindical.
O STF, embora tenha destacado a importância da autonomia sindical e a vedação da intervenção do Poder Público sobre o seu funcionamento e estruturação, frisou que autonomia não é blindagem ou poder soberano.
Assim, a autonomia sindical não poderia inibir ações fiscalizatórias da Administração. Conforme o voto do relator:
“Precisa-se diferenciar, todavia, o regime de autonomia administrativa dos sindicatos e a incidência de regras de controle sobre as atividades desempenhadas por entes públicos e privados. Afirmar simplesmente que a autonomia tem o condão de impedir o exercício de funções fiscalizatórias do Poder Público consubstancia argumento que, se for levado às últimas consequências, revela-se inaceitável. O mesmo motivo serviria para afastar a atuação da polícia administrativa, que se estende por diversos campos de intenso interesse público: edilícia, trabalhista, de saúde pública, etc. Autonomia sindical não é salvo conduto, mas prerrogativa direcionada a certa finalidade – a plena e efetiva representação das classes empregadora e empregada.”
Superada essa questão, passou-se a analisar a contribuição sindical propriamente dita. Diante do fato de que o valor arrecadado não prevê um tipo de destinação obrigatória, além de ocorrer pela razão de o empregado pertencer a uma categoria econômica ou profissional, concluiu-se que ela apresenta nítido viés tributário.
“Conclui-se, de qualquer forma, ser a contribuição recurso de caráter público, porquanto oriundo da tributação, isto é, compulsoriamente exigida à sociedade. Vale acrescentar que o fato de os recursos serem recolhidos à Caixa Econômica Federal e, só depois, repassados aos sindicatos não lhes modifica a natureza. Hoje são raros os entes federativos que não transferem para entidades financeiras a tarefa de administrar o recebimento de tributos e, nem por isso, há que se falar que tal parceria teria o condão de transformar-lhes a natureza jurídica.”
Assim, como é uma verba pública destinada a uma entidade, ainda que privada, o TCU tem atribuição constitucional e legal para fiscalizá-la:
“A simples combinação das previsões acima revela o objetivo do constituinte originário de submeter os destinatários de contribuições parafiscais à fiscalização do referido Tribunal. Consoante ficou explicitado, deverá prestar contas qualquer pessoa pública ou privada, sem distinção quanto a compor ou não a Administração Pública, que gerencie dinheiro público. O produto da arrecadação tributária, embora repassado a entidade privada, é dinheiro público, sujeito à competência fiscalizatória das instituições públicas dirigidas a essa modalidade específica de controle.”
Portanto, para fins de prova, esse entendimento é importantíssimo, especialmente por envolver assuntos diversos e que podem vir misturados em uma questão objetiva ou indagados em provas discursivas: natureza jurídica de contribuição sindical, autonomia sindical e campo de atuação do TCU.
Dr. Rodrigo Duarte, Advogado da União.
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