Olá pessoal, tudo bem?

O tema das condições dos presídios brasileiros tem sido objeto de importantes decisões no âmbito do STF, as quais, com certeza, serão objeto de cobrança em concursos públicos. Nesse contexto, o objetivo do post é fazer um compilado dos posicionamentos mais recentes sobre o assunto, a fim de auxiliá-los nos estudos.

  • Morte de detento e responsabilidade civil do Estado

De acordo com o STF, “em caso de inobservância de seu dever específico de proteção previsto no art. 5º, inciso XLIX, da CF/88, o Estado é responsável pela morte de detento.” STF. Plenário. RE 841526/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 30/3/2016 (repercussão geral) (Info 819).

No aludido recurso extraordinário, julgado sob a sistemática da repercussão geral, a Corte assentou que, segundo o §6º do art. 37 da CF/1988, o Estado responde de forma objetiva pelas suas omissões específicas, isto é, pelas suas omissões quando existente obrigação legal específica de agir para impedir que o resultado danoso.

É o caso dos presos, na medida em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso. Além disso, é dever do Estado e direito subjetivo do preso a execução da pena de forma humanizada, garantindo-se-lhe os direitos fundamentais, e o de ter preservada sua incolumidade física e moral.

No entanto, consoante o STF, esse dever constitucional de proteção ao detento somente se considera violado quando possível a atuação estatal no sentido de garantir os seus direitos fundamentais, pressuposto inafastável para a configuração da responsabilidade civil objetiva estatal. Isso porque, como cediço, a responsabilidade objetiva do Estado se dá na modalidade risco administrativo, admitindo sua exclusão quando comprovada a ocorrência de caso fortuito ou força maior, culpa exclusiva da vítima, ou, culpa exclusiva de terceiro.

Assim, nas situações em que não seja possível ao Estado agir para evitar a morte do detento (que ocorreria mesmo que o preso estivesse em liberdade), rompe-se o nexo de causalidade, sob pena de adotar-se a teoria do risco integral, ao arrepio do texto constitucional. Portanto, a responsabilidade civil estatal fica excluída nas hipóteses em que o Poder Público comprova causa impeditiva da sua atuação protetiva do detento, rompendo o nexo de causalidade da sua omissão com o resultado danoso.

  • Imposição de obras emergenciais em estabelecimento prisional

No Recurso Extraordinário nº 592.581/RS, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski,  o Supremo Tribunal Federal assentou, sob o ângulo da repercussão geral, ser “lícito ao Poder Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, nos termos do que preceitua o art. 5º, XLIX, da CF, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos poderes.” STF. Plenário. RE 592581/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 13/8/2015 (Info 794).

De acordo com a Corte, o sistema carcerário brasileiro encontra-se em quadro de total falência, sendo evidente o caos institucional, que compromete a efetividade do sistema prisional como instrumento de reabilitação social. Percebe-se um desrespeito total à dignidade da pessoa humana e um processo de “coisificação” dos presos.

A situação existente viola não apenas normas constitucionais e infraconstitucionais internas como também normas internacionais que o Brasil se comprometeu a respeitar, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, Convenção Americana sobre Direitos Humanos, entre outros.

 Dessa forma, está-se diante de clara violação a direitos fundamentais, praticada pelo próprio Estado contra pessoas sob sua guarda, cumprindo ao Judiciário, por dever constitucional, oferecer-lhes a devida proteção.

  • Estado de coisas inconstitucional

O STF assentou que no sistema prisional brasileiro, ocorre violação generalizada de direitos fundamentais dos presos no tocante à dignidade, higidez física e integridade psíquica. A superlotação carcerária e a precariedade das instalações das delegacias e presídios, mais do que inobservância, pelo Estado, da ordem jurídica correspondente, configuram tratamento degradante, ultrajante e indigno a pessoas que se encontram sob custódia.

Vislumbra-se o chamado “Estado de coisas inconstitucional”, caracterizado por um quadro de violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais, causado pela inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a conjuntura, de modo que apenas transformações estruturais da atuação do Poder Público e a atuação de uma pluralidade de autoridades podem alterar a situação inconstitucional.

O reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional é uma técnica que confere ao Tribunal uma ampla latitude de poderes, somente devendo ser manejada em hipóteses excepcionais, em que, além da séria e generalizada afronta aos direitos humanos, haja também a constatação de que a intervenção da Corte é essencial para a solução do gravíssimo quadro enfrentado. São casos em que se identifica um bloqueio institucional para a garantia dos direitos, o que leva a Corte a assumir um papel atípico, sob a perspectiva do princípio da separação de poderes, que envolve uma intervenção mais ampla sobre o campo das políticas públicas.

No caso dos presídios, diante do desinteresse dos demais Poderes em sanar a problemática, diante da sub-representação parlamentar como na impopularidade desses indivíduos, apenas o Supremo revela-se capaz de superar os bloqueios políticos e institucionais que vêm impedindo o avanço de soluções, o que significa cumprir ao Tribunal o papel de retirar os demais Poderes da inércia, catalisar os debates e novas políticas públicas, coordenar as ações e monitorar os resultados (ativismo judicial dialógico).

Assim, o STF, em ADPF, concedeu parcialmente medida cautelar determinando a implementação em todo o país, no prazo máximo de 90 dias, da audiência de custódia, bem como a liberação pela União, sem qualquer tipo de limitação, do saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional para utilização na finalidade para a qual foi criado, proibindo a realização de novos contingenciamentos. (STF. Plenário. ADPF 347 MC/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 9/9/2015) (Info 798).

  • Estado deve indenizar preso em situação degradante

 Ao apreciar o RE 580.252, sob a sistemática da repercussão geral, o Tribunal Pleno do STF entendeu que o preso submetido a situação degradante e a superlotação na prisão tem direito a indenização do Estado por danos morais. De acordo com a Corte, “é dever do Estado, imposto pelo sistema normativo, manter em seus presídios os padrões mínimos de humanidade previstos no ordenamento jurídico, razão pela qual é de sua responsabilidade, nos termos do artigo 37, § 6º, da CF, a obrigação de ressarcir os danos, inclusive morais, comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de encarceramento”.

Nota-se, por conseguinte, que o Supremo reafirma o entendimento de que o Estado responde de forma objetiva pela integridade dos presos, seja ela física ou psíquica, haja vista o dever específico de cuidado existente, o qual enseja a obrigação legal específica de agir para impedir danos aos custodiados.

  • Síntese da jurisprudência do STF

Da análise dos referidos julgados, pode-se depreender que o STF entende ser o Estado responsável pela integridade do preso, ao qual devem ser asseguradas condições dignas. Sem embargo, na atualidade, o que se vê nos estabelecimentos prisionais brasileiros é a violação generalizada de direitos fundamentais dos custodiados no tocante à dignidade, higidez física e integridade psíquica, submetidos a tratamento degradante, ultrajante e indigno, caracterizando-se verdadeiro “Estado de coisas inconstitucional”.

Sob esse prisma, a Corte entende ser imprescindível a atuação do Judiciário, em virtude da patente violação aos direitos humanos da minoria formada pela população carcerária, a qual se encontra à margem das pretensões políticas dos membros do Legislativo e da pauta do Executivo.

Nesse contexto, é lícito ao Poder Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais, não sendo oponível o argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos poderes.

Ademais, o Supremo entende lhe competir a missão de retirar os demais Poderes da inércia, catalisar os debates e novas políticas públicas, coordenar as ações e monitorar os resultados, adotando uma postura ativista dialógica.

No âmbito das lides individuais, a Corte reconhece a responsabilidade do Estado pela morte de detento, bem como o dever do Poder Público de indenizar o preso submetido à situação degradante pelos danos decorrentes de tal situação, inclusive morais, o que decorre da responsabilidade objetiva consagrada no §6º do art. 37 da CF, na modalidade risco administrativo, que existe mesmo nos casos de omissão, haja vista a obrigação legal específica de agir do Estado para impedir o resultado danoso quando se trata do aprisionado.

Espero ter facilitado a compreensão do tema!