Olá, leitores! Espero que todos estejam bem.

Hoje vou falar sobre dano moral previdenciário, tema importante tanto para a prova da DPU quanto da PGF, na medida em que ambas as carreiras lidam bastante com Direito Previdenciário. Trata-se de algo essencialmente doutrinário e jurisprudencial, por isso fiz uma análise das decisões do STJ e dos TRFs e busquei sistematizar para vocês, a fim de facilitar o estudo.

De início, importa esclarecer que o dano moral previdenciário não consiste em uma nova espécie de dano, mas sim na aplicação do bom e velho dano moral à esfera previdenciária. Desse modo, configura-se quando o erro da erro da autarquia previdenciária na concessão, revisão ou cessação do benefício enseja ao segurado vilipêndio a um direito da personalidade, causando-lhe dor e afetando-lhe um bem não patrimonial.

Com efeito, a jurisprudência ADMITE a existência de dano moral em razão de conduta perpetrada pelo INSS. Contudo, tal reconhecimento não se dá diante do mero indeferimento do benefício, sendo necessária conduta abusiva da autarquia capaz de causar abalo que ultrapasse o liame do mero aborrecimento, atingindo a dignidade do segurado/beneficiário.

Nesse sentido, confira-se o seguinte acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA. SALÁRIO MATERNIDADE. INDEFERIMENTO ADMINISTRATIVO DO INSS. DANOS MORAIS. INOCORRÊNCIA.
1. Não caracteriza ato ilícito, a ensejar reparação moral, o indeferimento de benefício previdenciário por parte do INSS, ou o seu cancelamento, ou a demora na sua concessão, salvo se provado o dolo ou a negligência do servidor responsável pelo ato, em ordem a prejudicar deliberadamente o interessado. A Administração tem o poder-dever de decidir os assuntos de sua competência e de rever seus atos, pautada sempre nos princípios que regem a atividade administrativa, sem que a demora não prolongada no exame do pedido, a sua negativa ou a adoção de entendimento diverso do interessado, com razoável fundamentação, importe em dano moral ao administrado. O direito se restaura pela determinação de concessão do benefício previdenciário e não mediante indenização por danos morais. […] (AC 0009211-54.2008.4.01.3900, e-DJF1 de 26/05/2017)

Em análise da jurisprudência do Tribunal da Cidadania, nota-se que o STJ reconheceu como apto a causar dano moral o INDEFERIMENTO IMOTIVADO de benefício previdenciário devido, por entender acarretar injusta privação de verba alimentar, in verbis:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ERRO NO INDEFERIMENTO DA CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. NEXO CAUSAL E RESULTADO LESIVO RECONHECIDOS PELA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. REVALORAÇÃO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. REPARAÇÃO POR DANO MORAL.

1. O indeferimento de benefício previdenciário IMOTIVADO acarreta injusta privação de verba alimentar, colocando em risco a subsistência do segurado, sobretudo em casos de pessoas de baixa renda, como é o caso dos autos.

2. A compensação por danos morais foi feita, pelo juízo sentenciante, com esteio em extensa e minuciosa análise dos elementos probatórios da dor e das dificuldades pessoais que afligiu o agravado, que mesmo comprovando a gravidade da moléstia que o acometia, teve seu benefício negado, sendo obrigado, por mais de quatro anos, a sacrificar sua saúde e bem estar trabalhando no mercado informal como vendedor ambulante, a despeito do câncer de laringe em estado avançado que apresentava.

3,Constatado o nexo de causalidade entre o ato da Autarquia e o resultado lesivo suportado pelo segurado, é devida a reparação dos danos morais. 4. Agravo Regimental do INSS desprovido. (AgRg no AREsp 193.163/SE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/04/2014, DJe 08/05/2014).

A propósito, é possível encontrar manifestação do STJ reconhecendo, inclusive, a presunção do dano extrapatrimonial, isto é, o dano moral in re ipsa, no caso de cessação indevida de benefício previdenciário, conforme se depreende do seguinte acórdão:

PREVIDENCIÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL. CESSAÇÃO INDEVIDA DE AUXÍLIO-ACIDENTE POR ERRO NA IDENTIFICAÇÃO DO ÓBITO DE HOMÔNIMO DO BENEFICIÁRIO. DANO MORAL IN RE IPSA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. NÃO OCORRÊNCIA. SÚMULA 83/STJ.

[…] 3. No caso concreto, o acórdão de origem traz situação em que o INSS suspendeu o auxílio-doença em virtude da equivocada identificação do óbito de homônimo do autor. Nessas circunstâncias, é presumível o sofrimento e a angústia de quem, de inopino, é privado da sua fonte de subsistência mensal, e, no caso, o benefício previdenciário decorre de auxílio-acidente. 4. Agravo Regimental não provido.(AgRg no AREsp 486.376/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/06/2014, DJe 14/08/2014).Além disso, ganha relevo na jurisprudência a hipótese dano moral em razão de fraude no empréstimo consignado. Isso porque, muitas vezes ocorre um delito de estelionato em que a instituição financeira e o próprio INSS são enganados, operando-se desconto indevido no benefício previdenciário.

Nesses casos, pelo fato de o INSS ser o responsável por efetuar os descontos nas parcelas do benefício previdenciário, existe jurisprudência que condena a autarquia previdenciária pelos descontos indevidos, reconhecendo a responsabilidade da Administração Pública.

Nesse sentido decidiu o STJ:

ADMINISTRATIVO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO FRAUDULENTO. DESCONTOS INDEVIDOS EM PROVENTOS DE APOSENTADORIA. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DO INSS CONFIGURADA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DEMONSTRADA. DANOS MORAIS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 284/STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA ENTRE OS ARESTOS CONFRONTADOS.

[…] 2. Nos termos do art. 6º da Lei 10.820/03, cabe ao INSS a responsabilidade por reter os valores autorizados pelo beneficiário e repassar à instituição financeira credora (quando o empréstimo é realizado em agência diversa da qual recebe o benefício); ou manter os pagamentos do titular na agência em que contratado o empréstimo, nas operações em que for autorizada a retenção. Ora, se lhe cabe reter e repassar os valores autorizados, é de responsabilidade do INSS verificar se houve a efetiva autorização.

3. Consignado no aresto recorrido que o ente público agiu com negligência, o que resultou em dano para o autor, fica caracterizada a responsabilidade civil do Estado.[…] (REsp 1260467/RN, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/06/2013, DJe 01/07/2013).

À evidência, a maioria dos acórdãos envolvendo a efetiva análise e concessão de indenização por danos morais previdenciários são encontrados no âmbito dos Tribunais Regionais Federais, porquanto, na análise do tema, usualmente, esbarra o STJ na súmula 07, que impede o revolvimento à matéria fática.

Sob esse prisma, confira-se algumas situações em que tais Tribunais reconheceram como devida indenização por dano moral:

 

 

Demora excessiva na concessão de benefício por incapacidade laborativa em cumprimento de decisão judicial.

 

“[…] O INSS responde objetivamente pelos danos causados ao administrado, nos moldes do art. 37, § 6° da Constituição Federal, tendo em vista sua omissão específica[1] no caso em tela, eis que o ente público tinha conhecimento de que a sua omissão poderia causar um dano ao apelado. 2. Compulsando os autos, verifico que transitou em julgado, em 30.11.2006, sentença da Justiça Estadual determinado que o INSS reimplementasse o auxílio-doença acidentário do apelado e convertesse o mesmo em aposentadoria por invalidez, tendo sido a autarquia federal intimada para que cumprisse a decisão em 21.03.2007 (fls. 94/95). 3. Entretanto, conforme documento de fls. 67/68, verifica-se que o auxílio-doença acidentário somente foi implantado em 24.03.2008, ou seja, um ano após a referida autarquia ter sido intimada para que cumprisse a decisão judicial. Ademais, no que diz respeito à aposentadoria por invalidez, somente foi implementada em abril de 2008, com onze meses de atraso. 4. Assim, no caso dos autos – atraso na concessão de auxílio-doença acidentário e de aposentadoria por invalidez – verifica-se a evidente circunstância de conduta omissiva do INSS, uma vez que a atividade de análise, concessão, suspensão e revogação de benefícios previdenciários é incumbência da aludida autarquia federal, na forma da Lei nº 8029/90, art. 17 e do Decreto nº 5870/06. 5. O Instituto Nacional do Seguro Social desrespeitou o princípio da eficiência no serviço público, tendo em vista a excessiva demora em conceder os referidos benefícios previdenciários. 6. Portanto, fica evidente o dano moral sofrido pelo apelado, vez que sofreu transtornos ao se ver desprovido do recebimento de seus benefícios, de natureza alimentar, sobretudo por se tratar de benefícios deferidos em razão de incapacidade para o trabalho, não tendo outro meio de subsistência. […]” (TRF2, AC  200851040007490, 5ª Turma Especializada, 08.10.2013)

 

 

Concessão de benefício a homônimo, o que gerou a suspensão do CPF do autor na Receita Federal.

 

“Em se tratando de ente público, vê-se que o tipo de responsabilidade civil aplicável é a objetiva, prevista no art. 37, § 6º, da Constituição da República, de maneira que, comprovado o dano e o nexo de causalidade com a atividade do Estado, imputável ao Poder Público será o dever de indenizar, prescindível, destarte, o elemento culpa.  II. É fato incontroverso nos presentes autos que o INSS, por erro, conferiu benefício previdenciário a homônimo, com o CPF do autor, causa da suspensão do documento pela Receita Federal do Brasil.  III. A suspensão do CPF abalou direitos da personalidade do autor, já que lhe acarretou consequências nefastas como a impossibilidade de abrir conta corrente ou de poupança em bancos, tomar empréstimos, participar de concursos públicos, tirar passaporte, receber aposentadoria oficial, assinar financiamento habitacional oficial ou receber eventual prêmio de loteria, tudo isso num contexto de delicada condição de saúde, já que o autor é portador do vírus HIV, fator que potencializa eventuais ofensas à sua dignidade.  IV. Sob uma nova perspectiva constitucional: “Qualquer agressão à dignidade pessoal lesiona a honra, constitui dano moral e é por isso indenizável.” (Ap. Cível 40.541, rel. Dês. Xavier Vieira, in ADCOAS 144.719). […]” (TRF1, AC 0038819-45.2008.4.01.3400/DF, 6ª Turma, 08.11.13)

 

Suspensão do benefício em razão da ausência do titular sem viabilizar ao alimentando ampla defesa e contraditório.

“[…] A cessação automática do benefício pelo INSS, em caso de desaparecimento do titular, embora tenha obedecido a critérios regimentais administrativos, não poderia ter ocorrido sem viabilizar à sua dependente, titular de direito à pensão alimentícia, o direito à ampla defesa e ao contraditório, já que ela vinha sacando regularmente o seu percentual e seria gravemente prejudicada com a cessação do benefício. 2. A jurisprudência tem reconhecido a responsabilidade do INSS nos casos em que não há um mero indeferimento administrativo do benefício, mas quando há abuso de direito pela autarquia na análise do caso concreto e estão presentes o nexo de causalidade entre o ato da administração e o dano verificado (Precedentes do STJ. AgRg no AREsp 193.163/SE, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, DJe de 08/05/2014).
3. Houve negligência da autarquia previdenciária ao deixar de promover os descontos devidos por ordem do juízo de família sem apresentação de defesa pela parte interessada, máxime considerando que ela continuava a efetuar os saques e poderia, se fosse o caso, vir a requerer o benefício de pensão por morte, substituindo a certidão de óbito por outro meio de prova que fosse legítimo para tanto. […]”(TRF1, AC 0048604-21.2013.4.01.9199 / MG, 1ª Câmara Regional Prevideciária de MG, e-DJF1 de 19.06.2017)

Desconto injustificado no benefício previdenciário

[…] Hipótese em que restou comprovado haver a autora, beneficiária do INSS, sofrido desconto injustificado em sua folha de pagamento, daí ressai correto a condenação do réu ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de danos morais.  3. Apelação conhecida e não provida.  (TRF1, AC 0002507-03.2014.4.01.4001/PI, 6ª Turma, e-DJF1 de 13.06.2017)

Diante do exposto, pode-se afirmar que, excepcionalmente, a jurisprudência vem reconhecendo a responsabilidade do INSS por dano moral, nos termos do §6º do art. 37 da CF, desde que configurada conduta abusiva por parte da autarquia previdenciária, a qual se mostre capaz de ofender à dignidade do beneficiário ou segurado.

Fique atento!

Referências Bibliográficas:

AMADO, Frederico. Curso de Direito e Processo Previdenciário. 8ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016.

[1] Acerca da responsabilidade objetiva da Administração em caso de omissão específica, vale confrerir: https://blog.ebeji.com.br/o-stf-e-a-responsabilidade-por-omissao-do-estado-objetiva-ou-subjetiva/

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