ADMINISTRAÇÃO MONOLÓGICA E ADMINISTRAÇÃO DIALÓGICA

Prezados alunos e leitores do blog da EBEJI,

Trago um tema para o nosso estudo de hoje que tem maior aptidão para ser cobrado em provas subjetivas, sendo um excelente tema para uma dissertação jurídica sobre o direito administrativo. Não obstante a isto, é plausível a cobrança do tema também em questões doutrinárias da fase objetiva.

Ao afirmar que “o Estado de hoje está muito mais propenso a exercer uma função de mediador e garante, mais do que a de detentor do poder de império”, Norberto Bobio (in Estado, governo e sociedade) busca refletir uma nova visão estatal, na qual o cidadão, individualmente considerado, passa a ter o papel de responsável pela busca do bem comum, atuando conjuntamente com a Administração Pública no desenvolvimento de políticas voltadas para o bem estar coletivo.

Os modelos políticos da antiguidade raramente abriam espaços para a liberdade individual das pessoas, o que inviabilizava a formação de polos de consenso na sociedade. Diogo de Figueiredo Moreira Neto ensina que esses modelos políticos “fundavam-se na concepção oposta, de que era necessária a existência de um polo de poder dotado de suficiente concentração de poder para impor comportamentos e segurar uma convergência fundada na coerção”.

Nos primórdios do direito administrativo não era vista qualquer tipo de atividade ou decisão consensual tomada pela Administração Pública. Na verdade, o diálogo Administração Pública – Particular era rechaçada pelo gestor. A “máquina administrativa” era vista apenas como uma executora dos comandos legais, sem espaço para discussão e ponderação sobre a melhor forma de aplicação da letra fria da lei para os integrantes daquele Estado.

A imperatividade, um dos conhecidos atributos do ato administrativo, integra o legítimo modo de agir do Estado, fazendo com que o particular se veja compelido a cumprir as determinações estatais. Acontece que esta imperatividade da atuação estatal deve ser compatibilizada com instrumentos consensuais de atuação do Poder Público, trazendo o particular para manter intenso diálogo quando da gestão da coisa pública.

Esta forma da agira da Administração Pública, refratária à instituição, criação e desenvolvimento de processos comunicacionais com a sociedade convencionou-se chamar de ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MONOLÓGICA. Sob este viés, percebe-se a predominância da imperatividade no atuar do Estado, marcada pela tomada de decisões unilaterais sem margem de diálogo com os administrados.

A partir do Estado Democrático de Direito, já é possível reconhecer um princípio do consenso em construção, figurando nas relações de poder entre a sociedade e o Estado o primado da concertação sobre a imposição. Inaugura-se, desse modo, era de relações paritárias entre os cidadãos e a Administração Pública.

Neste novo momento o Estado vira as suas preocupações para o administrado, para o cidadão, o elemento humano dentro da abstração jurídica nomeada de Estado. A consensualidade, consensualismo, Administração concertada, Administração consensual, soft administration são expressões que traduzem as formas da nova democracia participativa, onde as decisões administrativas são tomadas após o debate com os destinatários das políticas públicas que serão implementadas.

Gustavo Binenbojm busca dar a tessitura constitucional para esta hodierna visão da Administração Pública:

Na tarefa de desconstrução dos velhos paradigmas e proposição de novos, a tessitura constitucional assume papel condutor determinante, funcionando como diretriz normativa legitimadora das novas categorias. A premissa básica a ser assumida é a de que as feições jurídicas da Administração Pública – e, a fortiori, a disciplina instrumental, estrutural e finalística da sua atuação – estão alicerçadas na própria estrutura da Constituição, entendida em sua dimensão material de estatuto básico do sistema de direitos fundamentais e da democracia.

A partir do momento que a Constituição da República Federativa do Brasil cria um sistema de direitos fundamentais da pessoa humana e faz a opção pela democracia como sistema político, a Administração Pública deve seguir tais vetores axiológicos e agir pautada em buscar e efetivar a dignidade da pessoa humana.

De acordo com Rafael Maffini “administração pública dialógica” é uma noção jurídica pela qual se busca impor como condição para a atuação administrativa a prévia realização de um verdadeiro e efetivo diálogo com todos aqueles que terão suas esferas de direitos atingidas por essa atuação estatal.

Esta expressão – Administração Dialógica – ocorre com a criação de parcerias entre o Estado e o particular com o fito de satisfazer as necessidades coletivas com a implantação e ampliação de políticas públicas. Para que ocorra o efetivo diálogo é necessário que sejam implementadas políticas que privilegiam técnicas, métodos e instrumentos negociais, possibilitando que o cidadão seja ouvido e possa, em grupo, definir os rumos da sociedade que integra.

Neste sentido, a Lei 8.666/93 traz previsão de participação popular, mediante consulta pública, para a realização de procedimentos licitatórios cujo montante do contrato administrativo a ser celebrado apresenta-se como muito elevado. Vejamos a redação da lei geral das licitações:

Art. 39.  Sempre que o valor estimado para uma licitação ou para um conjunto de licitações simultâneas ou sucessivas for superior a 100 (cem) vezes o limite previsto no art. 23, inciso I, alínea “c” desta Lei, o processo licitatório será iniciado, obrigatoriamente, com uma audiência pública concedida pela autoridade responsável com antecedência mínima de 15 (quinze) dias úteis da data prevista para a publicação do edital, e divulgada, com a antecedência mínima de 10 (dez) dias úteis de sua realização, pelos mesmos meios previstos para a publicidade da licitação, à qual terão acesso e direito a todas as informações pertinentes e a se manifestar todos os interessados.

Outro exemplo legislado muito emblemático sobre a administração dialógica é o Estatuto das Cidades (Lei 10.257/2001) que traz um capítulo inteiro denominado “Da Gestão Democrática da Cidade”. Assim está disposto neste diploma legal:

CAPÍTULO IV

DA GESTÃO DEMOCRÁTICA DA CIDADE

Art. 43. Para garantir a gestão democrática da cidade, deverão ser utilizados, entre outros, os seguintes instrumentos:

I – órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e municipal;

II – debates, audiências e consultas públicas;

III – conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal;

IV – iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;

Além de consectário do direito fundamental à boa administração pública, a noção de administração pública dialógica pode ser considerada também uma decorrência do princípio da segurança jurídica, mais especificamente da noção de proteção da confiança ou das expectativas legítimas, conforme explica Rafael Maffini:

[…] a noção de “administração pública dialógica”, do qual se colocam em posição proeminente primados jurídicos de relevância ímpar, tais como o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa, a noção de participação, entre outros aspectos dotados de status constitucional, pode ser igualmente considerado uma decorrência lógica da noção de “proteção da confiança”.

Desta forma, percebe-se que a moderna noção de Administração Pública é aquela que busca, na maior medida possível, aproximar-se do cidadão, promovendo uma constante interlocução e diálogo com estes, aproveitando ao máximo essa proximidade como forma de ampliar a eficiência administrativa e, sobretudo, realizar os direitos e garantias individuais dos cidadãos.