Flávia Coelho é Procuradora da Fazenda Nacional

Professora da EBEJI

EBEJI

Análise do esgotamento de diligências para a localização dos bens do devedor no REsp 1.377.507/SP

A questão do esgotamento de diligências para a localização de bens do devedor como requisito para o deferimento da medida de indisponibilidade prevista no art. 185-A do Código Tributário Nacional (CTN) é tema de grande relevância prática no cotidiano de quem atua nas execuções fiscais, tendo em vista os inúmeros casos em que se pode deparar com o assunto. Em razão disso, o julgamento, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) do Recurso Especial nº 1.377.507/SP, da relatoria do Ministro Og Fernandes, em 26 de novembro de 2014, foi relevante para a atuação da Fazenda Pública nas execuções fiscais.

Com efeito, no mencionado julgado, submetido ao rito dos recursos repetitivos, foram definidos critérios objetivos para que se possa entender cumprido o requisito do esgotamento de diligências, entendido pelo STJ como essencial para o deferimento do pedido de indisponibilidade (tema 714). Assim, a partir da utilização de pressupostos fáticos bem delineados, conforme defendido pela Fazenda Nacional e acolhido pelo STJ, reduziu-se o subjetivismo extremo com que o esgotamento de diligências vinha sendo tratado e que gerava uma infinidade de recursos e, na prática, dificultava a aplicação do art. 185-A do CTN às execuções fiscais, de forma a tornar a medida ineficaz.

O Recurso Especial repetitivo restou assim ementado:

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ N. 8/2008. EXECUÇÃO FISCAL. ART. 185-A DO CTN. INDISPONIBILIDADE DE BENS E DIREITOS DO DEVEDOR. ANÁLISE RAZOÁVEL DO ESGOTAMENTO DE DILIGÊNCIAS PARA LOCALIZAÇÃO DE BENS DO DEVEDOR. NECESSIDADE.

1. Para efeitos de aplicação do disposto no art. 543-C do CPC, e levando em consideração o entendimento consolidado por esta Corte Superior de Justiça, firma-se compreensão no sentido de que a indisponibilidade de bens e direitos autorizada pelo art. 185-A do CTN depende da observância dos seguintes requisitos: (i) citação do devedor tributário; (ii) inexistência de pagamento ou apresentação de bens à penhora no prazo legal; e (iii) a não localização de bens penhoráveis após esgotamento das diligências realizadas pela Fazenda, caracterizado quando houver nos autos (a) pedido de acionamento do Bacen Jud e consequente determinação pelo magistrado e (b) a expedição de ofícios aos registros públicos do domicílio do executado e ao Departamento Nacional ou Estadual de Trânsito – DENATRAN ou DETRAN.

2. O bloqueio universal de bens e de direitos previsto no art. 185 -A do CTN não se confunde com a penhora de dinheiro aplicado em instituições financeiras, por meio do Sistema BacenJud, disciplinada no art. 655-A do CPC.

3. As disposições do art. 185-A do CTN abrangerão todo e qualquer bem ou direito do devedor, observado como limite o valor do crédito tributário, e dependerão do preenchimento dos seguintes requisitos: (i) citação do executado; (ii) inexistência de pagamento ou de oferecimento de bens à penhora no prazo legal; e, por fim, (iii) não forem encontrados bens penhoráveis.

4. A aplicação da referida prerrogativa da Fazenda Pública pressupõe a comprovação de que, em relação ao último requisito, houve o esgotamento das diligências para localização de bens do devedor. (…)

5. A análise razoável dos instrumentos que se encontram à disposição da Fazenda permite concluir que houve o esgotamento das diligências quando demonstradas as seguintes medidas: (i) acionamento do Bacen Jud; e (ii) expedição de ofícios aos registros públicos do domicílio do executado e ao Departamento Nacional ou Estadual de Trânsito – DENATRAN ou DETRAN.

6. No caso concreto, o Tribunal de origem não apreciou a demanda à luz da tese repetitiva, exigindo-se, portanto, o retorno dos autos à origem para, diante dos fatos que lhe forem demonstrados, aplicar a orientação jurisprudencial que este Tribunal Superior adota neste recurso.

7. Recurso especial a que se dá provimento para anular o acórdão impugnado, no sentido de que outro seja proferido em seu lugar, observando as orientações delineadas na presente decisão. (REsp 1377507/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/11/2014, DJe 02/12/2014).

Para que se possa compreender a dimensão do julgado, releva conhecer a problemática que envolve a aplicação da medida de indisponibilidade prevista no art. 185-A do CTN. O dispositivo, incluído no CTN pela Lei Complementar nº 118/2005, prevê que “na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial”.

Nota-se que se trata de a uma medida jurídica de cunho cautelar com o objetivo de resguardar o resultado do processo de execução fiscal, na hipótese de não se mostrar frutífera a penhora de bens, mediante um bloqueio amplo e geral de bens e direitos do devedor. É, portanto, instrumento de natureza conservativa e não executiva, que pode contribuir para o resultado útil das execuções fiscais, desde que efetivamente utilizado, contribuindo para aumentar a probabilidade de satisfação do crédito pelo pagamento do credor.

Interpretando a norma que trata da indisponibilidade, o STJ, em diversos julgados, entendeu que, para o deferimento da medida, seria imprescindível a existência dos seguintes requisitos: (a) citação do devedor; (b) ausência de pagamento do débito; (c) inexistência de nomeação de bens à penhora; e, por fim, (d) inexistência de localização de bens penhoráveis.

Não obstante existissem muitas decisões afirmando a necessidade de que estivessem presentes essas quatro condições para que se operasse a indisponibilidade tratada no art. 185-A do CTN, a Corte Superior, no mais das vezes, não trazia parâmetros para que se pudesse identificar quais as diligências para localização de bens seriam suficientes para o deferimento da medida. Nesse contexto, o cumprimento do requisito do esgotamento de diligências vinha sendo tratado com excessiva e grave subjetividade e ocasionava, em verdade, a inaplicabilidade da medida prevista no art. 185-A do CTN, já que, na  maior parte dos casos, se afirmava que não haviam sido esgotadas as diligências para localização de bens penhoráveis do devedor por parte da Fazenda Pública.

A Fazenda Nacional entendia ser importante que o esgotamento de diligências não fosse tratado com tamanho subjetivismo, mas que o requisito fosse analisado dentro de parâmetros objetivos e razoáveis.  Insurgia-se contra a interpretação assaz ampla do esgotamento de diligências, por entender que a exigência, nesses moldes, fazia com que o comando legal deixasse de ser aplicado. Isso porque a lei exige do credor um esforço mínimo para localizar bens penhoráveis do devedor.

Assim, em alguns precedentes, como no Agravo de Instrumento nº 1.429.330/BA, da relatoria do Ministro Herman Benjamin, o STJ começou a dar algumas diretrizes para o cumprimento do requisito, dentro de parâmetros de razoabilidade, nos seguintes termos: “entende-se como esgotamento de diligências’ o uso dos meios ordinários que possibilitam a localização de bens e direitos de titularidade da parte executada. Por exemplo, o acionamento do sistema Bacen Jud e a expedição de ofícios aos registros públicos de bens para que informem se há patrimônio em nome do devedor.”

O RESP 1.377.507/SP, então, sacramentou o posicionamento que vinha sendo defendido pela Fazenda Nacional naquele recurso submetido a sistemática do art. 543-C, do CPC de 1973, consagrando o entendimento que havia sido adotado no mencionado Agravo de Instrumento nº 1.429.330/BA e em outros precedentes do STJ.

Reconheceu-se que, de um lado, não seria possível a decretação de indisponibilidade com base em mero pedido do exequente diante da inércia do devedor citado; de outra sorte, também não seria devido exigir do exequente diligências exaustivas, em âmbito nacional e internacional, uma vez que, em tal situação, a decretação da indisponibilidade seria bastante dificultada e ficaria praticamente impossibilitada, de modo que a utilização do instituto restaria inefetiva.

Dessa forma, o STJ firmou a “orientação, para fins do art. 543-C do CPC e da Resolução 8⁄STJ, no sentido de que a indisponibilidade de bens e direitos autorizada pelo art. 185-A do CTN depende da observância dos seguintes requisitos: (i) citação do devedor; (ii) inexistência de pagamento ou apresentação de bens à penhora; e (iii) a não localização de bens penhoráveis após esgotamento das diligências realizadas pela Fazenda, caracterizado quando houver nos autos (a) pedido de acionamento do Bacen Jud e consequente determinação pelo magistrado e (b) a expedição de ofícios aos registros públicos do domicílio do executado e ao Departamento Nacional ou Estadual de Trânsito – DENATRAN ou DETRAN.”

Espero que a presente análise tenha facilitado a compreensão do julgado, bem como demonstrado sua importância para quem atua nas execuções fiscais. Recomendo, de forma a complementar os estudos sobre o tema, a leitura do acórdão do RESP 1.377.507/SP. 

Lembro, por fim, que pende, no âmbito do STJ, o julgamento de outro recurso especial submetido à sistemática de recursos repetitivos, o RESP 1.377.004/SP, também da relatoria do Ministro Og Fernandes, cuja controvérsia cinge-se “à possibilidade do decreto da indisponibilidade de bens previsto no art. 185-A do Código Tributário Nacional, quando preenchidos os requisitos necessários, mas as diligências em busca de outros bens resultaram infrutíferas” (tema 906).

Não obstante a afetação de tal recurso como representativo de controvérsia, considero que o que restou decidido no RESP 1.377.507/SP prejudica a tese a ser firmada no RESP 1.377.004/SP, na medida em que o STJ entendeu que a demonstração de que foram realizadas diligências para localização de bens sem sucesso é requisito para deferimento do pedido de indisponibilidade. Desta forma, se a comprovação de diligências infrutíferas é condição para que se defira a medida, não poderia, por decorrência lógica, a mesma situação fática constituir óbice para a indisponibilidade do art. 185-A do CTN.

Importa destacar que há precedentes do próprio STJ, a exemplo do RESP nº 1.321.204/RS, da relatoria do Ministro Mauro Campbell, entendendo que não se exige demonstração de potencialidade mínima de satisfação do crédito fazendário como requisito para deferimento da indisponibilidade do art. 185-A do CTN, corroborando o entendimento ora defendido. Ademais, é relevante mencionar que, se fosse a hipótese de o credor ter encontrado bens penhoráveis do devedor, a medida jurídica mais adequada a ser pleiteada, na ocasião, seria a efetiva penhora daqueles bens e não a indisponibilidade prevista no art. 185-A do CTN.

Bons estudos!

Flávia Coelho, Procuradora da Fazenda Nacional.

EBEJI

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