Audiência de Custódia

EBEJI

Audiência de custódia vem sendo objeto de diversos debates na doutrina processual penal brasileira, mormente em razão da ausência de regulamentação pelo direito interno e sua previsão em diversos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Além disso, é objeto específico de Projeto de Lei em tramitação no Congresso Nacional e defendido de maneira veemente por importantes instituições que se pautam pela defesa de um processo penal garantista e constitucional, como entidades vinculadas à Defensoria Pública, OAB e o IBCCRIM.

Em última análise, a audiência de custódia envolveria o direito do cidadão preso de comparecer de maneira imediata à presença de um juiz, uma vez que a não concretização dessa norma de direito internacional contribui de maneira sensível à proliferação de maus tratos, torturas e aprisionamento cautelar ilegal e irrazoável, fatos que poderiam ser evitados com um simples esclarecimento pessoal perante um juiz.

O direito à audiência de custódia está previsto, entre outros, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e na Convenção Americana de Direitos Humanos (se não como um instituto específico, lá está compreendida no direito de comparecer imediatamente à presença de um juiz). Apesar de esse “comparecimento imediato” não possuir um espaço temporal fixado em abstrato, fato é que em data recente o Comitê de Direitos Humanos da ONU apontou que esse lapso não pode ultrapassar a margem de “alguns dias”[1].

Ainda acerca da definição, importantíssimo o estudo do Caso Castillo-Páez[2] em que a CIDH (Corte Interamericana de Direitos Humanos) afirmou que houve violação de direito fundamental de um cidadão peruano que não foi apresentado em 24 horas ao juízo competente após sua prisão (registre-se a peculiaridade de a Constituição Peruana prever expressamente esse prazo).

Chile, México, Colômbia e Argentina são alguns países em que o direito do preso de ser apresentado a um juiz de direito em prazo razoável já existe e é observado como regra (nesses países variam entre 24h, 36h ou ainda “sem demora”), materializando na legislação interna a chamada “audiência de custódia”. O Brasil, por sua vez, está preso ao período arcaico e, mesmo após algumas recentes reformas (inclusive do Sistema de Prisão pela Lei 12.403/11), permanece prevendo que em caso de prisão em flagrante apenas os documentos policiais (laudo de prisão em flagrante) serão encaminhados à autoridade judicial, nada mencionando acerca do direito do preso comparecer perante ela. Percebe-se assim que a legalidade desse aprisionamento somente se pauta em documentos escritos fornecidos unilateralmente pelo aparato inquisitório da persecução penal, ao contrário do que aponta a tendência internacional, conferindo azo a arbitrariedades e violências ao cidadão que muitas vezes se encontra preso injustamente e por um longo período de tempo.

Especificamente quanto ao direito interno, imprescindível a aprovação da audiência de custódia, tratada no PLS (Projeto de Lei de Iniciativa do Senado Federal) 554/2011 que, se aprovado, encerraria a lastimável dicotomia insistentemente apresentada pelo direito processual brasileiro de ser imediatamente recolhido ao cárcere, ter sua “documentação” (APF) apreciada pelo juiz, mas durar tempo significativo até seu primeiro contato com o juiz de direito.

De acordo com Aury Lopes Jr., defensor do referido projeto e eminente processualista penal, trata-se “de uma prática factível e perfeitamente realizável. O mesmo juiz plantonista que hoje recebe – a qualquer hora – os autos da prisão em flagrante e precisa analisá-lo, fará uma rápida e simples audiência com o detido. Não haverá qualquer aumento de custo, de trabalho ou necessidade de modificação na estrutura do Poder Judiciário. (…) Assegura, numa só tacada, a dignidade do imputado, o acesso imediato a garantia da jurisdição, a possibilidade de defesa, o contraditório (ilustre desconhecido, previsto no art. 282, § 3º), o direito a um processo sem dilações indevidas, a oralidade, e até dá melhores condições de eficácia das cautelares diversas do art. 319 (incluindo a fiança), pois no contato pessoal com o imputado, o juiz melhor poderá aferir a medida cautelar mais adequada a ser imposta”.

Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sinalizou positivamente para a efetivação desse instituto. Anunciado no início de 2015, em conjunto com o Ministério da Justiça e o Tribunal de Justiça de São Paulo, o Projeto Audiência de Custódia será uma iniciativa piloto, com potencial para expansão posterior, em que será criada uma estrutura multidisciplinar voltada a recebimento de presos em flagrante, com o fito de apreciação quanto ao cabimento, oportunidade e necessidade de manutenção da custódia prisional (conversão do flagrante em preventiva), liberação do cidadão ou a fixação de medida cautelar alternativa.

Apesar da excelente iniciativa (que, convenhamos, nada mais faz do que dar efetividade a um direito reconhecido pelo estado brasileiro em Tratados e Convenções Internacionais), a proposta de regulamentação e, especificamente, do “projeto piloto” do CNJ encontra resistências e críticas (de gabarito bastante questionáveis), entre as quais se pode destacar para fins ilustrativos o artigo recém publicado no site da Folha de São Paulo, de autoria dos Juízes paulistas Eduardo Ruivo Nicolau e José Tadeu Picolo Zanoni:

Se a intenção é verificar a legalidade da prisão e eventual prática de tortura, por que não a adoção de uma solução intermediária como a condução do preso, em prazo razoável, à presença de um Defensor Público e, em caso de ausência deste na Comarca, ao Promotor de Justiça? Constatada alguma ilegalidade na prisão, caberia ao Defensor ou ao Promotor de Justiça a provocação do órgão julgador para fins de relaxamento da prisão em flagrante ou concessão de medida cautelar diversa da prisão[3].

Há ainda muito que se evoluir na temática da gestão e aplicação da custódia cautelar, da realidade carcerária nacional, em temas afetos aos direitos fundamentais dos presos e em assuntos muitas vezes de “difícil digestão e compreensão por parte da sociedade” vinculados à matéria criminal. Em resposta aos magistrados supramencionados, dentre as várias possíveis, basta lembrarmos de que não se trata de “invencionices” de quem quer que seja, mas sim de obrigação e compromisso do Estado Brasileiro firmados no plano internacional (há mais de década) não sendo toleráveis medidas “alternativas” como as propostas, revelando-se imperiosa a concretização da audiência de custódia.

Diante da importância do tema, é de rigor que seja cuidadosamente estudado e compreendido o instituto da audiência de custódia, sobretudo para quem se prepara para concursos públicos, especialmente voltados para a Defensoria Pública!

Espero que tenham gostado! Vamos em frente!

Atenciosamente,

Pedro Coelho

EBEJI 

[1] https://www.iddd.org.br/Boletim_AudienciaCustodia_RedeJusticaCriminal.pdf

[2] Para quem se interessar em pesquisar mais sobre o caso mencionado, é possível a leitura integral da sentença no site : https://atualidadesdodireito.com.br/lfg/files/2011/05/seriec_43_esp.pdf.

[3] https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2015/02/03/duvidas-sobre-a-audiencia-de-custodia/