Olá prezados, como estão?
Vamos estudar hoje a boa-fé objetiva em sua incidência processual, mas especialmente no processo civil.
Boa-fé é sinônimo de segurança jurídica eis que ligada a ideia de proteção à confiança legítima para o bom andamento do processo (fique atento às principais palavras já elas facilitam a criação de estruturas para a formulação de respostas em provas subjetivas).
Nessa toada, o CPC/15 diz em seu art. 5º:
Art. 5o Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.
Assim, comporta-se com boa-fé aquele que não abusa de suas posições jurídicas.
Noutra direção, a boa-fé também se apresenta no novo diploma processual como paradigma interpretativo. Nesse sentido tem-se o § 2° do art. 322 do CPC⁄2015 (“A interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé”) e o §3° do art. 489: “A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé”.
Conforme Enunciado n° 375 do FPPC, referente ao art. 5° do CPC⁄2015, os destinatários da norma são todos que, de qualquer forma, participam da relação jurídica processual, ou seja, não só as partes, mas também o órgão jurisdicional.
A boa-fé processual se manifesta, principalmente, por meio do excpetio doli, venire contra factum proprium, inalegabilidade de nulidades formais, supressio, surrectio e tu quoque. Vamos analisar um a um.
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1. Exceptio doli – exceção de dolo, ou seja, não age com boa-fé aquele que atua intuito não de preservar legítimos interesses, mas, sim, de prejudicar a parte contrária.
Por exemplo, aquele que ajuíza ação de cobrança de dívida paga com o objetivo de receber em duplicidade determinado valor na esperança de que o devedor não tenha como provar o pagamento ou seja revel em ação judicial.
Outro exemplo é o chamado assédio processual consistente na utilização dos instrumentos processuais para simplesmente não cumprir a determinação judicial, quando ocorre nítida procrastinação por uma das partes no andamento de processo, em qualquer uma de suas fases, negando-se a cumprir decisões judiciais, amparando-se ou não em norma processual, para interpor recursos, agravos, embargos, requerimentos de provas, petições despropositadas, procedendo de modo temerário e provocando incidentes manifestamente infundados, tudo objetivando obstaculizar a entrega da prestação jurisdicional à parte contrária.
Interessante que a Fazenda é constantemente taxada de parte que procrastina o processo em sua atuação, contudo, é preciso diferenciar a atitude dolosa de uma das partes do processo com a defesa de tese plausível e pautada no interesse público, objetivo principal da Fazenda Público no processo.
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2. Venire contra factum proprium – proibição de comportamento contraditório, traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento anteriormente assumido, constituindo verdadeira surpresa.
Possui os seguintes elementos:
- (i) factum proprium– uma conduta inicial lícita da parte (ação ou omissão);
- (ii) legítima confiança da outra parte decorrente da conduta inicial;
- (iii) comportamento contraditório injustificado – também lícito; e,
- (iv) existência de dano ou potencial dano a partir da contradição.
Exemplo no CPC:
Art. 278. A nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão.
Perceba que a parte não pode guardar a nulidade na “manga” para usa-la quando bem entender, não levantada a nulidade na primeira oportunidade cria-se, para a parte contrária, a ideia e expectativa de que não se quis apresentar a nulidade, razão pela qual sua alegação posterior causa surpresa que se busca evitar com a boa-fé processual.
Exemplo da Fazenda:
Imagine, por exemplo, que diante de uma sentença líquida a Fazenda Nacional concorda com o comando sentencial, inclusive com os cálculos apresentados, renunciando ao prazo recursal, contudo, no cumprimento da sentença, sem qualquer mudança do valor, apresenta impugnação sob a alegação de excesso de execução, a atuação da Fazenda, nesse caso, pode ser interpretada como venire contra factum proprium.
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3. Inalegabilidade de nulidades formais – decorre, para muitos, do próprio venire contra factum proprium.
Trata-se da proibição da alegação dos vícios formais por quem lhe deu causa, intencionalmente ou não. O CPC repele a ideia de forma lúcida, quando diz:
Art. 276. Quando a lei prescrever determinada forma sob pena de nulidade, a decretação desta não pode ser requerida pela parte que lhe deu causa.
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4. Supressio – supressão de determinada posição jurídica em razão da ausência do exercício de determinado direito em um certo espaço de tempo.
Exemplo da Fazenda:
Imagine que Fazenda Pública seja obrigada, por tutela antecipada de urgência, a entregar determinado medicamento ao autor da ação sob pena de multa no valor de R$ 1.000,00 por dia de descumprimento, após 30 dias de prazo. No 20º dia do prazo, a Fazenda solicita endereço do autor para a entrega do medicamento. Intimado, o autor demora mais 100 dias para informar o endereço e depois intenta executar a multa pelo período em que a Fazenda não entregou o medicamento, aguardando a informação do endereço. Ao ser responsável pelo tempo de aplicação da multa no processo, pela supressio, o autor perde o direito ao recebimento da multa ao atuar sem boa-fé processual.
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5. Surrectio – É o contrário da supressio, a perda da pretensão pela supressio, gera direito da parte contrária. No caso anterior, a Fazenda Pública tem a pretensão de ver cancelada ou de não se submeter à cobrança da multa em razão da supressio da parte autora.
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6. Tu quoque – impossibilidade de exigir da outra parte o cumprimento da regra que se está transgredindo. Exemplo material mais rico de tu quoque está no art. 180, CC/2002, que estabelece que o “menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior” ou mesmo a exceção de contrato não cumprido do art. 476 do CC/02, ou seja, enquanto uma parte não cumpre sua obrigação não pode exigir o cumprimento da obrigação da parte contrária.
No processo civil, temos exemplo nítido no art. 787, vejamos:
Art. 787. Se o devedor não for obrigado a satisfazer sua prestação senão mediante a contraprestação do credor, este deverá provar que a adimpliu ao requerer a execução, sob pena de extinção do processo.
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Finalizando, vamos acompanhar os enunciados do FPPC sobre boa-fé processual:
Enunciados do FPPC – Boa-fé Processual
Enunciado n. 6
O negócio jurídico processual não pode afastar os deveres inerentes à boa-fé e à cooperação.
Enunciado n. 374
O art. 5º prevê a boa-fé objetiva.
Enunciado n. 375
O órgão jurisdicional também deve comportar-se de acordo com a boa-fé objetiva
Enunciado n. 376
A vedação do comportamento contraditório aplica-se ao órgão jurisdicional.
Enunciado n. 377
A boa-fé objetiva impede que o julgador profira, sem motivar a alteração, decisões diferentes sobre uma mesma questão de direito aplicável às situações de fato análogas, ainda que em processos distintos.
Enunciado n. 378
A boa fé processual orienta a interpretação da postulação e da sentença, permite a reprimenda do abuso de direito processual e das condutas dolosas de todos os sujeitos processuais e veda seus comportamentos contraditórios.
Enunciado n. 405
Os negócios jurídicos processuais devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
Enunciado n. 407
Nos negócios processuais, as partes e o juiz são obrigados a guardar nas tratativas, na conclusão e na execução do negócio o princípio da boa-fé.
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É isso! Muito cuidado com o tema em razão se sua importância para as provas de concurso.
Forte abraço, Ubirajara Casado.
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