Comentários da prova de Processo Civil de Procurador do BACEN –2013 – Cespe

Olá, saudações a todos.

Com a previsão de lançamento dos concursos da Defensoria Pública da União e de Advogado da União ainda nesse ano de 2014, importante observar como a banca realizadora desses concursos (que vem sendo o Cespe) vem tratando as matérias integrantes do edital, ou seja, quais os principais assuntos cobrados nas últimas provas, para tentar achar um padrão e assim otimizar os estudos.

Assim, tendo em vista esses concursos que serão lançados em breve, passarei a analisar algumas provas de Defensoria Pública e Advocacia Pública do último ano e também deste ano, na parte relacionada a Processo Civil, começando pela prova de Procurador do Banco Central, que foi realizada no ano passado.

A parte de Processo Civil abrangeu as questões 50 a 58, tendo a questão 56 sido anulada. Dessa forma, para que este post não fique tão extenso, abordarei as três primeiras questões logo abaixo e as seis seguintes em nossas próximas postagens. Primeiramente, cumpre indicar que a questão 50 da prova versa sobre ônus da prova em relações de consumo, matéria integrante do programa de Direito Civil (ponto 43), mas por também abranger parte processual relativa a ônus probatório, traçarei breves comentários. Vamos lá?

Questão 50. No âmbito das relações de consumo, a inversão no ônus da prova.

a) só é possível em caso de hipossuficiência do consumidor e verossímeis as alegações.

b) pode ser estabelecida em cláusula contratual.

c) está condicionada à manifestação do juiz, dado que não há tipificação legal.

d) acarreta a obrigação de a outra parte custear as despesas com a perícia.

e) é incabível em ação coletiva, conforme entendimento do STJ.

A principal regra processual em causas consumeristas é a que envolve a inversão do ônus probatório em favor do consumidor, elencada como direito básico do consumidor, disposição esta prevista no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(…)

VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

Tendo esse conceito em mente, passemos a analisar os itens propostos na questão:

a) só é possível em caso de hipossuficiência do consumidor e verossímeis as alegações.

Da rápida análise do dispositivo, podemos observar que os critérios não são exigidos conjuntamente (conjunção e), mas alternativamente (conjunção ou), como grifado acima. Em outras palavras, a inversão pode ocorrer ou quando for verossímil a alegação ou quando ele for hipossuficiente.

Alternativa errada.

c) está condicionada à manifestação do juiz, dado que não há tipificação legal.

Também da análise do dispositivo acima mencionado, é possível ver que este item está errado, pois há tipificação legal acerca da inversão do ônus da prova. É necessária a manifestação do juiz, mas há uma norma expressa no CDC prevendo isso.

Alternativa errada.

d) acarreta a obrigação de a outra parte custear as despesas com a perícia.

Esse item já foge um pouco da literalidade do artigo acima transcrito, mas também deflui dele.

Observando sua redação, o art. 6º, VIII, CDC em nada dispõe sobre os custos do processo. O artigo se limita ao ônus probatório. Assim, não havendo norma específica quanto aos custos do processo, segue-se a regra geral do CPC, que está prevista no art. 19, caput, CPC (“Art. 19. Salvo as disposições concernentes à justiça gratuita, cabe às partes prover as despesas dos atos que realizam ou requerem no processo, antecipando-lhes o pagamento desde o início até sentença final; e bem ainda, na execução, até a plena satisfação do direito declarado pela sentença.”).

Ou seja, não se podem confundir os institutos do ônus probatórios e dos custos do processo, bem como não se pode presumir que todos os consumidores são pobres na forma da lei. Assim, caso o consumidor, não amparado pela justiça gratuita, venha requerer a realização de prova pericial, este deve arcar com seus custos (apesar de, na prática, ser difícil o consumidor requerer a realização de provas, já que amparado pela inversão do ônus probatório).

Alternativa errada.

e) é incabível em ação coletiva, conforme entendimento do STJ.

Item bem dentro do padrão Cespe, buscando conhecimento dos candidatos acerca de jurisprudência dos Tribunais Superiores. Segue julgado sobre o tema:

CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. LEGALIDADE. ART. 557 DO CPC. POSSIBILIDADE DE AGRAVO INTERNO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. POSSIBILIDADE.

1. Não há óbice a que seja invertido o ônus da prova em ação coletiva – providência que, em realidade, beneficia a coletividade consumidora -, ainda que se cuide de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público.

2. Deveras, “a defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas” – a qual deverá sempre ser facilitada, por exemplo, com a inversão do ônus da prova – “poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo” (art. 81 do CDC).

3. Recurso especial improvido. (REsp 951.785/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 15/02/2011, DJe 18/02/2011)

Alternativa errada.

Por fim, a alternativa correta é a letra B: b) pode ser estabelecida em cláusula contratual.

Essa é uma típica pegadinha do Cespe, pois leva o candidato ao erro ao lembrar do art. 51, VI, que trata das cláusulas abusivas:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(…)

VI – estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;

Ora, o problema é que a cláusula é abusiva quando ela estabelece a inversão em PREJUÍZO do consumidor. Assim, se a cláusula do contrato, por exemplo, repetir a disposição do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor acima transcrito, ela é válida e vai estar prevista no contrato.

Item correto: B, com uma pegadinha do Cespe. Vamos à próxima!

Questão 51. Acerca da jurisdição e da competência, assinale a opção correta.

a) Caso uma autarquia pretenda cobrar judicialmente tributo federal de contribuinte residente em comarca que não seja sede da justiça federal, a competência para o processamento e o julgamento da execução fiscal será da justiça estadual.

b) A jurisdição voluntária tem por objetivo compor lides para a obtenção da paz social.

c) Inexiste pretensão na jurisdição voluntária.

d) O reconhecimento da conexão, para fins de reunião de ações que tramitam em juízos diferentes, está condicionado à provocação da parte.

e) De acordo com o entendimento sumulado pelo STJ, a conexão é causa de reunião de processos, ainda que um deles já tenha sido julgado.

Questão envolvendo teoria de jurisdição voluntária, regra de competência para execução fiscal e regras sobre conexão.

De cara, já vem o item correto:

a) Caso uma autarquia pretenda cobrar judicialmente tributo federal de contribuinte residente em comarca que não seja sede da justiça federal, a competência para o processamento e o julgamento da execução fiscal será da justiça estadual.

No art. 109, §3º, 2ª parte, da Constituição Federal, permite-se que a lei estabeleça outras causas a serem julgadas perante a justiça estadual, em comarcas que não sejam sede de vara de juízo federal (“§3º  …sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual.”)

Pela Lei Orgânica da Justiça Federal (Lei 5.010/66), restou estabelecido que as execuções fiscais serão ajuizadas no domicílio do devedor, perante a justiça estadual, mesmo que figure a União ou  qualquer outra autarquia federal:

Art. 15. Nas Comarcas do interior onde não funcionar Vara da Justiça Federal (artigo 12), os Juízes Estaduais são competentes para processar e julgar:

I – os executivos fiscais da União e de suas autarquias, ajuizados contra devedores domiciliados nas respectivas Comarcas;

Alternativa correta, sendo essa situação inclusive considerada como regra de competência absoluta, como já decidiu o STJ, em sede de recurso repetitivo:

PROCESSO CIVIL. COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL.

A execução fiscal proposta pela União e suas autarquias deve ser ajuizada perante o Juiz de Direito da comarca do domicílio do devedor, quando esta não for sede de vara da justiça federal. A decisão do Juiz Federal, que declina da competência quando a norma do art. 15, I, da Lei nº 5.010, de 1966 deixa de ser observada, não está sujeita ao enunciado da Súmula nº 33 do Superior Tribunal de Justiça.

A norma legal visa facilitar tanto a defesa do devedor quanto o aparelhamento da execução, que assim não fica, via de regra, sujeita a cumprimento de atos por cartas precatórias. Recurso especial conhecido, mas desprovido. (REsp 1146194/SC, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro ARI PARGENDLER, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/08/2013, DJe 25/10/2013)

Passemos aos demais itens para identificar o seu desacerto:

b) A jurisdição voluntária tem por objetivo compor lides para a obtenção da paz social.

c) Inexiste pretensão na jurisdição voluntária.

Analisaremos conjuntamente esses dois itens porque versam sobre jurisdição voluntária.

Inicialmente, importante verificar que esse assunto não é pacífico na doutrina, havendo vozes de peso em sentido contrário à posição dominante, mas o que vem prevalecendo acerca da natureza da jurisdição voluntária é que ela seria a gestão pública de interesses privados.

Assim, o fator determinante de diferenciação entre jurisdição contenciosa e voluntária é a presença de lide, esta entendida como o conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida. A pretensão, em rápidas palavras, é o que é veiculado pelo direito de ação, sendo a demanda a pretensão deduzida em juízo.

Em outras palavras, ao ingressar com uma “ação”, ou seja, ao exercer meu direito de ação, eu tenho uma pretensão que busco atingir através do Judiciário, sendo esta veiculada através de uma demanda. De uma forma mais simples e trazida por alguns autores, ação, pretensão e demanda são tratados como sinônimos, apesar de tecnicamente serem fenômenos distintos. Com efeito, apesar de não existir uma pretensão resistida (lide) na jurisdição voluntária, ela veicula sim uma pretensão, sendo o exercício do direito de ação necessário, em regra, para instauração da jurisdição voluntária.

Dessa forma, pela doutrina clássica e predominante, que vem sendo adotada pelo Cespe nos últimos concursos, a composição de lides é matéria relativa à jurisdição contenciosa e há pretensão na jurisdição voluntária.

Alternativas B e C erradas.

d) O reconhecimento da conexão, para fins de reunião de ações que tramitam em juízos diferentes, está condicionado à provocação da parte.

Item resolvido com a mera leitura do CPC, que, como friso nas aulas, é passo fundamental para resolução de questões em Processo Civil, pois várias questões são mera repetição das disposições trazidas no Código. Resposta no art. 105: “Havendo conexão ou continência, o juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, pode ordenar a reunião de ações propostas em separado, a fim de que sejam decididas simultaneamente.”

Alternativa errada.

e) De acordo com o entendimento sumulado pelo STJ, a conexão é causa de reunião de processos, ainda que um deles já tenha sido julgado.

Exigido o conhecimento da Súmula 235 do STJ: “A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado”.

Alternativa errada. Assim, a alternativa correta é o item A. Vamos à última questão comentada deste post?

Questão 52. Em relação à ação e ao processo, assinale a opção correta.

a) Considera-se substituto processual aquele que age na defesa e em nome de terceiro.

b) A assistência é forma de intervenção de terceiro possível sempre que fique demonstrado o interesse econômico ou jurídico daquele que pretende ingressar na relação jurídica já estabelecida em juízo.

c) A intervenção das pessoas jurídicas de direito público nas causas cuja decisão possa lhes trazer reflexos de natureza econômica depende da demonstração de interesse jurídico e, quando demonstrado, a admissão da intervenção poderá implicar descolamento de competência.

d) A sentença que coloca fim ao processo por ausência de uma das condições da ação tem natureza terminativa.

e) A legitimidade ad causam diz respeito à capacidade postulatória da parte que pretenda agir em juízo.

Questão que envolve conhecimentos sobre legitimidade das partes, substituição processual, assistência, intervenção anômala e sentença. Como bem apontou o cabeçalho, questão sobre ação e processo de um modo bem geral. Aos itens.

a) Considera-se substituto processual aquele que age na defesa e em nome de terceiro.

De uma forma bem objetiva, substituto processual é aquele que age em nome próprio na defesa de interesse alheio. É a exceção à regra do art. 6º, CPC acerca de legitimidade (“Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.”).

É o representante processual que atua em nome alheio na defesa de interesse alheio.

Alternativa errada.

b) A assistência é forma de intervenção de terceiro possível sempre que fique demonstrado o interesse econômico ou jurídico daquele que pretende ingressar na relação jurídica já estabelecida em juízo.

c) A intervenção das pessoas jurídicas de direito público nas causas cuja decisão possa lhes trazer reflexos de natureza econômica depende da demonstração de interesse jurídico e, quando demonstrado, a admissão da intervenção poderá implicar descolamento de competência.

É o cerne da diferenciação entre assistência do CPC e a intervenção anômala prevista na Lei 9.469/97.

Na assistência, é essencial demonstrar o interesse jurídico, como previsto no art. 50, CPC (“Pendendo uma causa entre duas ou mais pessoas, o terceiro, que tiver INTERESSE JURÍDICO em que a sentença seja favorável a uma delas, poderá intervir no processo para assisti-la.”). Na intervenção anômala, o mero interesse econômico é suficiente, como se vê da redação do art. 5º da Lei 9.469/97:

Art. 5º A União poderá intervir nas causas em que figurarem, como autoras ou rés, autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas federais.

Parágrafo único. As pessoas jurídicas de direito público poderão, nas causas cuja decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, intervir, independentemente da demonstração de interesse jurídico, para esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis ao exame da matéria e, se for o caso, recorrer, hipótese em que, para fins de deslocamento de competência, serão consideradas partes.

Vale ressaltar que o deslocamento de competência por causa da intervenção anômala somente ocorre em grau recursal, como já decidido pelo STJ (p.ex., EDcl no AgRg no CC 89.783/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 09.06.2010, DJe 18.06.2010).

Alternativas erradas.

d) A sentença que coloca fim ao processo por ausência de uma das condições da ação tem natureza terminativa.

Correto o item. É uma das formas de prolação de sentença terminativa. Classificação básica de sentenças, sem objetivo de esgotar o tema:

– Sentença terminativa: que põe fim ao processo sem resolução de mérito (art. 267, CPC)

– Sentença definitiva: aquelas com resolução de mérito (art. 269, CPC)

Alternativa correta. Por fim, a alternativa E, que de antemão sabemos que está errada.

e) A legitimidade ad causam diz respeito à capacidade postulatória da parte que pretenda agir em juízo.

O item faz uma boa confusão entre a condição da ação legitimidade das partes (ou ad causam, ou ad agendum, ou de agir) e o pressuposto processual capacidade das partes, na vertente postulatória (pressuposto de validade). Em um conceito básico, legitimidade é a pertinência subjetiva da ação. Em um exemplo bem básico, tem legitimidade aquele que se diz titular do direito (ativa) contra aquele que opõe resistência ao direito pleiteado (passiva).

Capacidade é pressuposto processual, que pode ser dividida em capacidade de ser parte (pressuposto de existência), capacidade de estar em juízo e capacidade postulatória (pressupostos de validade), sendo requisitos necessários para a existência jurídica e o desenvolvimento regular do processo.

Assim, a legitimidade é inerente ao próprio exercício do direito de ação, enquanto que a capacidade é relativo à existência e desenvolvimento regular do processo.

Ante a confusão dos institutos, alternativa E incorreta, sendo, como já dito, o item D aquele que tem a proposição correta.

Assim finalizamos nossa primeira parte dos comentários às questões de Processo Civil da prova de Procurador do Banco Central realizada no ano passado, lembrando que continuaremos a resolução dessa prova nos nossos dois próximos posts.

Abraços a todos, bons estudos e até a próxima!

Rodrigo Bentemuller (@rodrigoppb)

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