Pedro Coelho é Defensor Público Federal

Professor da EBEJI

EBEJI

Questão 2ª Fase AGU – Penal e Processual Penal

Prezados,

O objetivo do presente post é, dando sequência às publicações temáticas feitas aqui no blog da EBEJI, tentar fazer alguns comentários sobre a questão dissertativa de pena/processual penal da prova da 2ª etapa do concurso de Advogado da União, realizada no último final de semana.

Antes de tecer minhas análises e impressões, peço licença para externar a particular felicidade de ter sido exigido um tema destacado por mim ao longo do curso preparatório para essa etapa do concurso, especialmente por termos trabalhado uma dissertação específica sobre a colaboração premiada. Considerando que exaustivamente chamamos atenção para a chamada “teoria geral da colaboração premiada” prevista na Lei 12.850/2013 e que uma de suas espécies foi o tema central da questão (acordo de leniência), não há como respirar e sentir a sensação de dever cumprido.

Sem mais delongas, vejamos o enunciado:

Em janeiro de 2015, os dirigentes da Empresa Alfa Medicamento Ltda. procuraram  determinado ente da administração pública federal para dar-lhe ciência de que a empresa havia participado de diversos esquemas de fraude a licitações realizadas pelo governo federal. Segundo os dirigentes da empresa, vinte empresas do ramo de medicamentos haviam participado de tais esquemas nos cinco anos anteriores. Essas empresas, que mantinham constante comunicação, monitoravam a abertura dos processos de licitação e ajustavam, entre si, a participação de cada uma em cada processo e a realização das ofertas, além de decidirem previamente os vencedores de cada lote. Os atos e fatos alegados – de desconhecimento do referido ente, que tem competência para fiscalizá-los – causavam prejuízo concreto à livre concorrência e elevação dos preços e dos lucros.

Considerando a situação hipotética descrita, redija texto dissertativo a respeito dos crimes relativos à licitação e crimes contra a ordem econômica, Em seu texto, faça o que se pede a seguir:

(a) Aponta qual o acordo administrativo, com repercussão no campo criminal, que pode ser firmado com os dirigentes da referida empresa e nomeie o ente da administração pública competente para firmá-lo.

(b) Indique os resultados necessários para que o acordo produza seus efeitos.

(c) Mencione as consequências penais decorrentes da celebração e do cumprimento desse acordo”.

Sem dúvida alguma, consoante salientado supra, o candidato deveria pautar sua resposta a partir da análise dos chamados acordos de leniência, também “carinhosamente” chamado pela doutrina de acordos de brandura ou doçura (nomenclatura é questão de sobrevivência, por mais inócuo que tal conhecimento se revele).

Trata-se, pois, de uma espécie peculiar de colaboração premiada, cujos contornos gerais estão primordialmente desenhados, atualmente, na lei que estruturou o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (Lei 12.529/2011) e, mais recentemente, na Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13).

De acordo com a previsão ali apontada, autoriza-se que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) ou a Controladoria Geral da União[1]esse é o responsável da Administração Pública para o acordo, conforme solicitado no item “a” – celebre pacto com pessoas jurídicas ou físicas que forem autoras de infração à ordem econômica, desde que preencham determinados requisitos, especialmente se destacando a contribuição com a persecução penal e com o processo administrativo, devendo resultar dessa colaboração (i) a identificação dos demais envolvidos na infração e (ii) a obtenção de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação (artigo 86).

A Medida Provisória 703/2015, que modificou a redação da Lei Anticorrupção, traz ainda outros resultados exigíveis no acordo, quais sejam a (iii) a cooperação da pessoa jurídica com as investigações, em face de sua responsabilidade objetiva e o (iv) o comprometimento da pessoa jurídica na implementação ou na melhoria de mecanismos internos de integridade.

Para finalizar, o candidato deveria apontar quais as consequências penais seriam verificadas a partir do acordo de leniência, devendo ainda indicar a resposta dividindo os efeitos em provisórios (a partir da assinatura do acordo) e definitivos (após o cumprimento efetivo dos resultados esperados). Interessante perceber que a resposta a esse item perpassa essencialmente pela compreensão da literalidade do teor do artigo 87 da Lei 12.529/2011, o qual expressamente menciona os efeitos vinculados aos crimes contra a ordem econômica e os tipificados na Lei de Licitação! Vejamos:

Art. 87.  Nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel, tais como os tipificados na Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, e os tipificados no art. 288 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940  – Código Penal, a celebração de acordo de leniência, nos termos desta Lei, determina a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia com relação ao agente beneficiário da leniência.

Parágrafo único.  Cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se automaticamente a punibilidade dos crimes a que se refere o caput deste artigo.

De maneira didática, com fulcro no texto normativo, podemos asseverar que o acordo de leniência, brandura ou doçura, uma vez firmado no contexto da legislação em tela, tem o condão de (i) determinar a imediata suspensão do curso do prazo prescricional e (ii) impedir o oferecimento da denúncia com relação ao agente beneficiário da leniência. É de se ressaltar ainda que, uma vez cumprido o acordo de leniência pelo agente, (iii) haverá inexoravelmente a extinção da punibilidade dos crimes previstos no mencionado negócio jurídico firmado.

Percebe-se, pois, que a prova demandou conhecimento do candidato desse instrumento cada vez mais frequente no dia a dia da persecução brasileira, sobretudo quando se volta às investigações da chamada “macrocriminalidade econômica”, fato essa previsto por nós no curso preparatório da EBEJI. O examinador não adentrou em muitas polêmicas, interpretações jurisprudenciais, limitando-se a aspectos previstos em lei específica.

Quem se lembrou do acordo de leniência e/ou conseguiu localizar a Lei 12.529/2011, sem dúvida alguma, fez uma excelente resposta. Para quem desejar, sugerimos a leitura atenta dos artigos 86 e 87[2] da referida legislação, além do capítulo V da Lei Anticorrupção, especialmente os artigos 16, 17, 17-A e 17-B.

Vamos em frente!

Grande abraço,

Pedro Coelho – Defensor Público Federal

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[1] Lei 12.846/13Art. 16.§ 10.  A Controladoria-Geral da União – CGU é o órgão competente para celebrar os acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo federal, bem como no caso de atos lesivos praticados contra a administração pública estrangeira.

[2] Art. 86.  O Cade, por intermédio da Superintendência-Geral, poderá celebrar acordo de leniência, com a extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução de 1 (um) a 2/3 (dois terços) da penalidade aplicável, nos termos deste artigo, com pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem econômica, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo e que dessa colaboração resulte:

I – a identificação dos demais envolvidos na infração; e

II – a obtenção de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação.

  • 1o O acordo de que trata o caput deste artigo somente poderá ser celebrado se preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:

I – a empresa seja a primeira a se qualificar com respeito à infração noticiada ou sob investigação;

II – a empresa cesse completamente seu envolvimento na infração noticiada ou sob investigação a partir da data de propositura do acordo;

III – a Superintendência-Geral não disponha de provas suficientes para assegurar a condenação da empresa ou pessoa física por ocasião da propositura do acordo; e

IV – a empresa confesse sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento.

  • 2o Com relação às pessoas físicas, elas poderão celebrar acordos de leniência desde que cumpridos os requisitos II, III e IV do § 1o deste artigo.
  • 3o O acordo de leniência firmado com o Cade, por intermédio da Superintendência-Geral, estipulará as condições necessárias para assegurar a efetividade da colaboração e o resultado útil do processo.
  • 4o Compete ao Tribunal, por ocasião do julgamento do processo administrativo, verificado o cumprimento do acordo:

I – decretar a extinção da ação punitiva da administração pública em favor do infrator, nas hipóteses em que a proposta de acordo tiver sido apresentada à Superintendência-Geral sem que essa tivesse conhecimento prévio da infração noticiada; ou

II – nas demais hipóteses, reduzir de 1 (um) a 2/3 (dois terços) as penas aplicáveis, observado o disposto no art. 45 desta Lei, devendo ainda considerar na gradação da pena a efetividade da colaboração prestada e a boa-fé do infrator no cumprimento do acordo de leniência.

  • 5o Na hipótese do inciso II do § 4o deste artigo, a pena sobre a qual incidirá o fator redutor não será superior à menor das penas aplicadas aos demais coautores da infração, relativamente aos percentuais fixados para a aplicação das multas de que trata o inciso I do art. 37 desta Lei.
  • 6o Serão estendidos às empresas do mesmo grupo, de fato ou de direito, e aos seus dirigentes, administradores e empregados envolvidos na infração os efeitos do acordo de leniência, desde que o firmem em conjunto, respeitadas as condições impostas.
  • 7o A empresa ou pessoa física que não obtiver, no curso de inquérito ou processo administrativo, habilitação para a celebração do acordo de que trata este artigo, poderá celebrar com a Superintendência-Geral, até a remessa do processo para julgamento, acordo de leniência relacionado a uma outra infração, da qual o Cade não tenha qualquer conhecimento prévio.
  • 8o Na hipótese do § 7o deste artigo, o infrator se beneficiará da redução de 1/3 (um terço) da pena que lhe for aplicável naquele processo, sem prejuízo da obtenção dos benefícios de que trata o inciso I do § 4o deste artigo em relação à nova infração denunciada.
  • 9o Considera-se sigilosa a proposta de acordo de que trata este artigo, salvo no interesse das investigações e do processo administrativo.
  • 10.  Não importará em confissão quanto à matéria de fato, nem reconhecimento de ilicitude da conduta analisada, a proposta de acordo de leniência rejeitada, da qual não se fará qualquer divulgação.
  • 11.  A aplicação do disposto neste artigo observará as normas a serem editadas pelo Tribunal.
  • 12.  Em caso de descumprimento do acordo de leniência, o beneficiário ficará impedido de celebrar novo acordo de leniência pelo prazo de 3 (três) anos, contado da data de seu julgamento.

Art. 87.  Nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel, tais como os tipificados na Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, e os tipificados no art. 288 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940  – Código Penal, a celebração de acordo de leniência, nos termos desta Lei, determina a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia com relação ao agente beneficiário da leniência.

Parágrafo único.  Cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se automaticamente a punibilidade dos crimes a que se refere o caput deste artigo.