Marcio Scarpim de Souza Aprovado no concurso para Advogado da União (AGU/2015)

Saindo da zona de conforto

Minha jornada pelo universo dos concursos jurídicos começou aos 37 anos de idade, em janeiro de 2015. Já contava com 18 anos de serviço como militar de carreira do Exército Brasileiro, Major Engenheiro Militar graduado pelo Instituto Militar de Engenharia (IME) em 2001 e mestre pela PUC-Rio em 2005. A faculdade de Direito, cursada por influência de minha esposa e concluída em 2011, plantou a semente de um novo sonho: o de exercer um cargo público de alta relevância na área jurídica.

Todavia, a decisão de migrar da caserna para um cargo jurídico não era trivial: deixar uma carreira já consolidada na engenharia, mergulhar em um mundo profissional desconhecido, abrir mão de me “aposentar” aos 49 anos, mudar de cidade etc. A incompatibilidade absoluta com a advocacia, apesar de ter sido aprovado no exame de Ordem, era mais uma boa desculpa para não prestar concursos jurídicos de maior relevância.

Essas incertezas foram adiando o sonho ao longo dos anos, mantendo-o dentro de um baú no sótão do coração. Mas a cada reportagem ou entrevista envolvendo o universo jurídico, cada passar pelos corredores de livros de Direito em uma livraria, ou mesmo uma conversa com um colega de faculdade faziam aquele sonho voltar ao presente, como uma chama que se recusava a apagar.

Após o nascimento de meu filho em meados de 2014, o maravilhoso sentimento da paternidade foi o impulso definitivo que eu precisava para tomar a decisão de transformar aquele antigo sonho em realidade. Decidi me tornar um exemplo vivo para ensinar a meu filho os valores da coragem para mudar, da determinação para perseguir sonhos e da superação para não esmorecer diante das dificuldades, servindo de referência para que ele, se assim quisesse, também seguisse a carreira jurídica no futuro.

Superando as dificuldades para estudar

Iniciei efetivamente os estudos em 1º de janeiro de 2015, focando nas disciplinas e temas dos cursos federais, com o objetivo de me atualizar e construir uma base sólida de conhecimento. Estudava, principalmente, doutrina e informativos esquematizados do STF e STJ, pois o tempo disponível para o estudo não era regular. Não tinha tempo para fazer resumos das disciplinas, mas organizava os julgados dos informativos em uma tabela do excel, o que facilitava as revisões. Com um filho de 6 meses, era difícil organizar e cumprir um cronograma de estudos. Meu tempo de estudo era bastante fragmentado e não era de muita qualidade, era mais “na raça” mesmo. Perdi a conta de quantas vezes estudei na sala fazendo companhia para meu filho enquanto ele brincava, de quantas vídeo-aulas assisti enquanto ninava ele no ombro etc. Só dava para me isolar no escritório quando meu filho ia dormir por volta de 22h.

O apoio de minha esposa foi essencial para suprir minhas ausências. Sem a sua ajuda eu não estaria contando essa história hoje. No entanto, naturalmente era difícil para ela compreender a importância do meu novo plano de carreira. Nossas finanças domésticas estavam equilibradas, ambos éramos militares de carreira, tínhamos um bom apartamento quitado, sem dívidas, morando próximo ao trabalho e à família etc. O custo familiar do meu ritmo de estudos era pesado. Demorou um tempo para que o sonho que eu tinha começasse a empolgá-la também. Quando os resultados começaram a vir, ficou mais fácil acreditar, tanto para mim quanto para minha família.

Eu “mendigava” tempo de muitas formas. Estudei nas noites de natal e ano novo de 2015. Ouvia a Constituição no carro indo e voltando do trabalho. Estudava no quarto quando tinha visita em casa no fim-de-semana, só saindo na hora das refeições ou para cantar parabéns para o aniversariante, que às vezes era eu. Estudava pelo celular na fila do banco, caminhando da casa até a praça com meu filho, andando até a padaria etc. E, apesar de tudo isso, o tempo médio de estudo não passava de 3 horas diárias, e não tinha muita qualidade. No mês anterior a cada fase eu conseguia estudar um pouco mais, mas raramente passava de 4 horas. Parece meio louco, e realmente era. Quanto mais eu estudava mais sentia a necessidade de aprender mais para estar preparado quando um bom concurso surgisse. O projeto do cargo público jurídico era um caminho sem volta, ou passava ou passava. Tinha colocado na cabeça que não ia desistir de jeito nenhum.

Combatendo o bom combate (PFN e AGU/2015)

As primeiras oportunidades surgiram cerca de 6 meses depois: lançados os editais dos concursos de 2015 para Procurador da Fazenda Nacional (PFN) e para Advogado da União (AGU). As duas carreiras de representação jurídica da União exigiam 2 anos de prática jurídica, aceitando o estágio profissional da faculdade, que eu havia feito apesar de ser opcional para os incompatíveis com a advocacia. Imagine se eu tivesse desperdiçado a oportunidade de estagiar na época: teria perdido a chance de prestar esses dois concursos de alto nível!

Intensifiquei os estudos e matriculei-me no curso Reta Final (revisão e simulados) da EBEJI. Esse curso foi essencial para treinar resolução de questões nos estilos da banca examinadora, bem como revisar temas de cobrança recorrente em provas de advocacia pública. O ranking divulgado pelo curso entre os alunos era importante para ter uma referência de como estavam os demais concorrentes.

Na 1ª fase (objetiva), fiquei reprovado na PFN por 1 questão, mas logrei êxito na AGU, passando com uma folga apertada de 1,5 questão. A nota de corte na AGU foi 67 pontos, e fiquei com 67,75. Não foi um desempenho brilhante, é claro, mas foi suficiente para seguir no jogo. Estava habilitado a fazer a 2ª fase, na 252ª posição entre 357 classificados. Fiquei feliz por ter passado, mas receoso pelo fato de que, na fase subjetiva, só seriam classificados até 255 candidatos na lista ampla, pela cláusula de barreira.

A 2ª fase (subjetiva) foi a mais difícil do concurso: 3 provas de 5 horas cada, uma peça, um parecer, uma dissertação, 3 questões subjetivas por prova, nota mínima de 50 em cada prova e total de 180, um candidato sem experiência em processos judiciais etc. Foi também o período do concurso em que estudei de forma mais intensa: tenho testemunhas de que, nas férias que tirei para estudar, estudei 20 dias seguidos no horário das 21 horas até as 8 da manhã. Quando meu filho acordava eu ia dormir e minha sogra cuidava dele enquanto minha esposa estava no trabalho. Tinha muito conteúdo de doutrina e jurisprudência que eu precisava cobrir no edital, e o período da noite era o mais tranquilo na casa. O estudo rendia muito mais e a adrenalina não me deixava pegar no sono, era incrível. Um parêntesis: eu tomava apenas café e refrigerante para ajudar a me manter acordado, nunca tomei energéticos, guaraná ou outros estimulantes. Sempre tive receio dos efeitos colaterais.

O aprendizado das técnicas de elaboração de peças, pareceres e dissertações jurídicas foi adquirido e consolidado por meio do curso de redação jurídica da EBEJI. Pude treinar diversas peças, pareceres e questões subjetivas, ao longo de 7 semanas. Recomendo muito! O curso também disponibilizava resumos de doutrina e jurisprudência sobre temas caros à advocacia pública. A escassez de tempo não me permitia elaborar meus próprios resumos. A correção das peças e questões dissertativas pelos professores me ajudavam a ter um feedback sobre pontos a melhorar na estruturação dos parágrafos e na articulação da doutrina e jurisprudência exigidas em casa questão.

Felizmente, logrei êxito nessa fase que, conforme alerta o Professor Ubirajara Casado, “separa os homens dos meninos”. O resultado do meu imenso esforço foi muito encorajador: somei 204,79 pontos, disparando da posição 252 para 102 na concorrência ampla. Estava classificado para a “grande final” em Brasília! Estar com o passaporte carimbado para a prova oral era algo que eu imaginava que só poderia ocorrer lá para 2017, em outro concurso. Ouvia falar da mística em torno de uma prova oral, sobre “causos” como o candidato que foi reprovado sumariamente por oferecer chocolate para a banca, sobre perguntas a respeito da natureza jurídica do peixe, do crime de plástico etc. Graças a Deus era a minha vez de ter a experiência real de enfrentar uma banca examinadora frente a frente para dissertar e ser avaliado oralmente.

A 3ª fase (oral) exige mais autocontrole do candidato do que um esforço muito maior de estudo de conteúdo. O índice de reprovação nesse concurso foi baixo: apenas 3 candidatos em 240 não conseguiram 50 pontos perante a banca. Quem chega a essa fase está preparado para ser aprovado, a menos que haja uma crise nervosa que deixe o candidato completamente mudo perante os examinadores (o que é raro mas acontece). Na prova objetiva, é possível passar com um pouco de sorte. Todavia, é muito improvável ser aprovado nas três provas subjetivas “enganando” a banca. Um candidato despreparado não resiste à pressão da 2ª fase. Não há múltiplas escolhas para ele comparar e escolher a mais razoável. Todas as respostas são construídas apenas pelo candidato. Assim, quando você estiver aprovado na 2ª fase, tenha em mente que a aprovação está muito próxima!

Para a prova oral, preparei-me por meio de um curso presencial da EBEJI durante um intenso fim-de-semana no Recife. O treinamento foi indispensável para compreender como é a dinâmica de uma prova oral, o controle do tempo, a estruturação da resposta, como a banca avalia o candidato, como a pontuação da questão é subdividida em tópicos no padrão de resposta etc. É importante também saber como se portar perante a banca examinadora, como empregar adequadamente sua expressão corporal, como demonstrar tranquilidade diante de uma pergunta difícil e como não demonstrar excesso de confiança diante de uma pergunta fácil. Treinar como responder questões cuja resposta direta o candidato desconhece, mantendo a calma e “orbitando” em torno do tema, é importante para ganhar pontos no espelho de correção.

Pela Graça de Deus, alcancei um bom desempenho na 3ª fase: 97 pontos, a 11ª maior nota entre os cerca de 240 candidatos naquela fase, subindo da 85ª posição para a 54ª. Perceba que aquele resultado apenas suficiente na prova objetiva (aprovado por 1,5 questão), não comprometeu significativamente minha classificação nas provas. O importante foi, a cada round, não ser nocauteado pela banca, isso é o que realmente importa no final. Apanhar um pouco das bancas faz parte da vida do concurseiro.

Uma observação: alcancei nas 5 provas (1 objetiva, 3 subjetivas e 1 oral) o total de 369,54 pontos, correspondendo a 73,91% dos 500 pontos que estavam em disputa. Esse dado é mais um indicativo de que aquela nota 67,75 da prova objetiva – raspando na nota de corte de 67,00 – não representou um problema para conseguir um bom resultado final. Sem contar os títulos, alcancei a 54ª posição em um total de 259 aprovados no certame, ultrapassando candidatos que tinham passado na 1ª fase com boas notas!

Moral da história

Faltando poucos dias para a posse no cargo de Advogado da União, tenho muita alegria em olhar o trajeto percorrido e ver que valeu a pena todo aquele esforço. Se eu tivesse me deixado levar pelos receios, pela perda do suposto conforto da aposentadoria militar aos 49 anos, pelas incertezas da mudança de carreira, estaria muito frustrado hoje comigo mesmo. É muito difícil perdoar a si próprio pela omissão. Na verdade, meu único arrependimento hoje é não ter tomado essa decisão há mais tempo, mas Deus sabe o que faz Tudo aconteceu no tempo dEle. O importante é que o sonho foi realizado!

Incentivo você a não desistir do seu sonho de ingressar em uma carreira jurídica pela porta da frente do concurso público. A combinação desse sonho com a insatisfação em permanecer onde está hoje resultará no combustível que vai impulsioná-lo na direção de seu objetivo. Peça direção a Deus, para que Ele ilumine seus caminhos rumo aos objetivos certos para a sua vida. Só reveja os planos se algo absolutamente fora do seu controle e inequivocamente grave exigir que você mude a direção. Não abandone os estudos por conta de meros aborrecimentos da vida. Se o desânimo tentar freá-lo, lembre-se sempre que é um sentimento humano típico em momentos de maior dificuldade ou cansaço físico e mental. Você não será reprovado se der uma parada para descansar 1 ou 2 dias de vez em quando, desde que não seja toda semana! O concurso público não se compara a um tiro de 100m, mas a uma maratona com subidas e descidas: resistência e constância valem mais do que força e velocidade. Algumas vezes você estará empolgado e o estudo fluirá bem; outras vezes estudar será difícil como subir uma ladeira.

Procure vigiar seus pensamentos. A dificuldade da jornada de um concurseiro tende a conduzi-lo ao desânimo ou mesmo à depressão e à baixa auto-estima, tornando a mente terreno fértil para álibis imaginários a sugerir uma desistência. Eu pensei em desistir algumas vezes, pois era muito difícil estudar com um filho tão pequeno, trabalhando etc. Na verdade, cheguei a desistir umas 3 vezes. Duas crises duraram um fim-de-semana, mas a 3ª quase foi para valer, faltando poucas semanas para a prova subjetiva. Fiquei uma semana parado e depois me dei conta da bobagem que estava fazendo. Com que cara iria explicar a meu filho no futuro que havia fracassado voluntariamente no meio do caminho? Era um período de estudo muito intenso, então o stress era constante e o cérebro criava subterfúgios imaginários para fundamentar uma fuga. Por isso, repito: vigie seus pensamentos!

Se você é mais velho, tem uma família para cuidar, tem filho pequeno, trabalha etc, seja um pouco menos exigente consigo mesmo. Não se compare com aquele jovem recém-formado que não precisa trabalhar e não sustenta a família, caso contrário a tendência será se sentir em tamanha desvantagem que a desistência parecerá uma saída honrosa. Mas não é.

Preserve sua família e seus amigos, pois eles são sua maior riqueza. Nenhuma aprovação compensará o prejuízo de uma família destruída ou abandonada, e a perda dos amigos do coração compromete o sabor da vitória. Compartilhe com eles as suas motivações para buscar esse objetivo, force até um pouco a barra diante de alguma resistência na própria família, mas “não quebre o bambu”, ou seja, não rompa relacionamentos preciosos. Busque em Deus sabedoria para perceber momentos em que será necessária uma pausa nos estudos para dar atenção a uma pessoa especial.

Por fim, agradeço ao amigo e Professor Ubirajara Casado pela oportunidade de compartilhar essa experiência e pelos conhecimentos transmitidos, juntamente com os Professores João Paulo Lawall, Hitala Mayara, Pedro Coelho e toda a família EBEJI. O diferencial dessa escola é o foco na advocacia pública, formada por professores que conhecem a carreira e ajudam o aluno a estudar com estratégia, economizando tempo e energia nessa caminhada cansativa mas muito gratificante rumo à aprovação, nomeação e posse em um cargo público da carreira jurídica.

Forte abraço e que Deus abençoe você nos seus estudos!

Marcio Scarpim de Souza

Aprovado no concurso para Advogado da União (AGU/2015)