Hitala Mayara é Advogada da União

e Coach EBEJI PGE

EBEJI

Um tema que sempre costuma ser exigido nos concursos públicos é aquele relativo à competência.

Agora, com a proximidade dos concursos da Advocacia-Geral da União, a competência da Justiça Federal e, também, dos Juizados Especiais Federais é matéria que ganha grande importância, e isso não apenas para a fase objetiva, mas também para a subjetiva, quando peças processuais serão elaboradas e devem ser dirigidas ao órgão competente.

Considerando questão exigida no recente concurso para Juiz do Tribunal Regional Federal da 1ª Região pelo CESPE a respeito da competência dos JEFs, vamos lembrar de alguns pontos específicos da matéria:

Primeiramente, é preciso ter em mente que a competência do juizado especial federal é absoluta, sendo expresso nesse sentido o art. 3º, §3º, da Lei 10.259/09.

A competência, nos JEFs, leva em conta o valor da causa (até 60 salários mínimos), agregando-se a este critério valorativo um critério subjetivo passivo: junto ao valor da causa, somente é de competência dos juizados especiais federais as causas que tenham como parte :

  • União
  • Autarquias
  • Fundações
  • Empresas públicas federais

A lei, porém, prevê hipóteses em que a competência do JEF estará excluída, independentemente do valor da causa.

São as chamadas causas de exclusão, que se dividem em duas:

1. Objetivas: O art. 3º, §1º, da Lei 10.259, exclui de competência dos juizados federais determinadas matérias:

Art. 3º Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças.

  • 1º Não se incluem na competência do Juizado Especial Cível as causas:

I – referidas no art. 109, incisos II, III e XI, da Constituição Federal, as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, execuções fiscais e por improbidade administrativa e as demandas sobre direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos;

II – sobre bens imóveis da União, autarquias e fundações públicas federais;

III – para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal;

IV – que tenham como objeto a impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou de sanções disciplinares aplicadas a militares.

  • 2º Quando a pretensão versar sobre obrigações vincendas, para fins de competência do Juizado Especial, a soma de doze parcelas não poderá exceder o valor referido no art. 3o, caput.
  • 3º No foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta.

2. Subjetivas: o art. 6º, I, da Lei 10.259 exclui também dos juizados a pessoa jurídica, salvo se microempresa ou empresa de pequeno porte:

Art. 6º Podem ser partes no Juizado Especial Federal Cível:

I – como autores, as pessoas físicas e as microempresas e empresas de pequeno porte, assim definidas na Lei no 9.317, de 5 de dezembro de 1996;

II – como rés, a União, autarquias, fundações e empresas públicas federais.

Aqui, vamos tratar especificamente da causa de exclusão relativa às demandas sobre direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos.

E qual a peculiaridade em relação a essa hipótese?

A peculiaridade está no fato de ter o STJ firmado o entendimento de que a restrição feita pela Lei 10.259/01 refere-se apenas às ações coletivas que versem sobre tais direitos, mas não às ações individuais:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. COMPETÊNCIA DO STJ PARA APRECIAR O CONFLITO. JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. COMPETÊNCIA. CRITÉRIOS. SUSTAÇÃO DE COBRANÇA DE ASSINATURA BÁSICA MENSAL PARA UTILIZAÇÃO DE SERVIÇO DE TELEFONIA E REPETIÇÃO DE VALORES PAGOS A TAL TÍTULO. AÇÃO DE PROCEDIMENTO COMUM. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. AÇÕES INDIVIDUAIS PROPOSTAS PELO PRÓPRIO TITULAR DO DIREITO. COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS.

1. A jurisprudência do STJ é no sentido de que juízo de juizado especial não está vinculado jurisdicionalmente ao tribunal com quem tem vínculo administrativo, razão pela qual o conflito entre ele e juízo comum caracteriza-se como conflito entre juízos não vinculados ao mesmo tribunal, o que determina a competência do STJ para dirimi-lo, nos termos do art. 105, I, d, da Constituição. Precedentes.

2. A Lei 10.259/01, que instituiu os Juizados Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, estabeleceu que a competência desses Juizados tem natureza absoluta e que, em matéria cível, obedece como regra geral a do valor da causa: são da sua competência as causas com valor de até sessenta salários mínimos (art. 3º).

3. A essa regra foram estabelecidas exceções ditadas (a) pela natureza da demanda ou do pedido (critério material), (b) pelo tipo de procedimento (critério processual) e (c) pelos figurantes da relação processual (critério subjetivo). Entre as exceções fundadas no critério material está a das causas que dizem respeito a “anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal”.

4. No caso concreto, o que se tem presente é uma ação de procedimento comum, com valor da causa inferior a sessenta salários mínimos, movida por pessoa física contra empresa privada (Telemar Norte Leste S/A) e autarquia de natureza especial (ANATEL), que tem por objeto a sustação da cobrança de assinatura básica mensal para utilização de serviço de telefonia e a repetição dos valores pagos a tal título nos últimos 10 (dez) anos. A causa, portanto, não diz respeito à exceção expressa do art. 3º, § 1º, III, da Lei nº 10.259/01 (anulação ou cancelamento de ato administrativo federal).

5. Ao excetuar da competência dos Juizados Especiais Federais as causas relativas a direitos individuais homogêneos, a Lei 10.259/2001 (art. 3º, § 1º, I) se refere apenas às ações coletivas para tutelar os referidos direitos, e não às ações propostas individualmente pelos próprios titulares. Precedentes.

6. Conflito conhecido, declarando-se a competência do Juízo Federal da 32ª Vara do Juizado Especial Cível da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais, o suscitado.

(CC 83.676/MG, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/08/2007, DJ 10/09/2007, p. 179)

Suponhamos, então, que o MPF ajuíze ação civil pública em face da União Federal buscando compeli-la a fornecer determinado medicamento de baixo custo (até 60 salários mínimos) para uma determinada pessoa. Nessa hipótese, portanto, teremos uma ação coletiva, mas com beneficiário determinado.

Aplicar-se-á a vedação da Lei 10.259/01 ou a interpretação conferida ao dispositivo pelo STJ?

O ponto foi firmado e reiterado em julgado recente pelo STJ:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA, AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. ATUAÇÃO COMO SUBSTITUTO PROCESSUAL DE DETERMINADA PESSOA. VALOR DA CAUSA INFERIOR A 60 SALÁRIOS MÍNIMOS. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.

1. Hipótese em que o Ministério Público Federal atua como substituto processual de pessoa determinada, em ação ajuizada contra a União, o Estado do Paraná e o Município de Umuarama/PR, de valor inferior a sessenta salários-mínimos, objetivando a condenação dos réus ao fornecimento gratuito de medicamento.

2. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (a) “as causas relacionadas a fornecimento de medicamentos até 60 salários mínimos submetem-se ao rito dos Juizados Especiais, não sendo a necessidade de perícia argumento hábil a afastar a referida competência” (STJ, AgRg no REsp 1.469.836/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 09/03/2015); (b) “a exceção à competência dos Juizados Especiais Federais prevista no art. 3º, § 1º, I, da Lei 10.259/2001 se refere apenas às ações coletivas para tutelar direitos individuais homogêneos, e não às ações propostas individualmente pelo próprios titulares” (STJ, CC 83.676/MG, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, DJU de 10/09/2007); e (c) “Não há óbice para que os Juizados Especiais procedam ao julgamento de ação que visa o fornecimento de medicamentos/tratamento médico, quando o Ministério Público atua como substituto processual de cidadão idoso enfermo” (STJ, REsp 1.409.706/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 21/11/2013).

III. Agravo Regimental improvido.

(AgRg no REsp 1354068/RS, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/06/2015, DJe 01/07/2015)

Segundo o STJ, ainda que a ação se revista de caráter coletivo, no caso, ela busca beneficiar apenas uma pessoa, sendo, em essência, individual, já que, na hipótese, atua o MP como substituto processual.

Por conta disso, não há óbice ao reconhecimento da competência do juizado especial federal na hipótese.

Interessante observar que a questão foi exigida pelo CESPE na recente prova para Juiz do TRF 1ª Região, em que, na questão 57 da prova, uma assertiva tratava justamente da interpretação conferida pelo STJ sobre o tema, assim prevendo: A ação individual que tenha por objetivo a defesa de direito individual homogêneo poderá ser proposta no juizado especial federal.

No caso, como a questão mencionava especificamente que a ação seria individual, ela estava correta.

Em resumo, portanto, fixou o STJ que a causa de exclusão da competência do JEF relativa a demandas que versem sobre direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos apenas se aplica às ações coletivas, não sendo aplicável mesmo nos casos em que, sob a denominação de ação civil pública, o MP ou mesmo a Defensoria Pública atue em benefício de uma pessoa determinada, na qualidade de substituto processual.

Um abraço e bons estudos!

Hitala Mayara, Advogada da União