João Paulo Cachate

Defensor Público Federal e Professor da EBEJI

EBEJI

Olá a todos(as) os(as) leitores(as) do blog!

O título desse post foi só para chamar a atenção para um fato (ainda) recorrente, mas que de engraçado não tem nada…

No dia 30/01/2015, recebi uma notícia e quero compartilhar com vocês a conjectura que (inevitavelmente) acabei fazendo:

Imagina o frenesi quando o município de Goianésia anunciou: Vamos ter concurso para Defensor Público Municipal! A população carente (rectius, hipossuficiente nas mais variadas facetas) voltou a ter esperanças, afinal agora alguém lutaria pelos seus direitos. Talvez algum concurseiro local tenha dito: agora sim! Vou ser Defensor na minha terrinha… Porém, nem sonhavam, população e concurseiros, que fim aguardava a “invenção” do mais novo Órgão Defensoria Pública Municipal…

Vejam a notícia:

Prefeitura não pode instituir Defensoria Pública municipal, diz TJ-GO

Municípios não podem criar Defensoria Pública em seus territórios, pois a Constituição Federal fixa essa iniciativa como de competência exclusiva da União, dos estados e do Distrito Federal. Assim entendeu a Corte Especial do Tribunal de Justiça de Goiás, ao declarar inconstitucional lei editada pelo município de Goianésia que instituiu o órgão localmente em 2004, com o objetivo de prestar assistência jurídica a quem não tem condições financeiras para contratar advogado.

Fonte: https://www.conjur.com.br/2016-jan-30/prefeitura-nao-criar-defensoria-publica-municipal-tj-go

 E aí? Acertada ou não a “boa vontade” do município de Goianésia? E a decisão do TJ/GO?

 Antes de responder essas indagações, cabe frisar que esse assunto não é recente e nem “inovação”. O tema é “tranquilo”, apesar dos municípios teimarem em cometer o mesmo erro…

Por exemplo, a Assessoria de Direito Constitucional e de Direito Administrativo da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, examinando o assunto, fez parecer sustentando a inconstitucionalidade da Resolução nº 1.644/1988, que pretendia criar a Coordenadoria de Assistência Judiciária da Procuradoria-Geral da Câmara Municipal de Niterói.

De igual modo, posicionou-se o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ao julgar a Representação por Inconstitucionalidade nº 28/1991, que suspendeu liminarmente os efeitos da Portaria nº 118/1989, que havia institucionalizado a Defensoria Pública municipal em Campos dos Goytacazes.

Houve até Proposta de Emenda à Constituição, a de nº 12/2007, que pretendia criar Defensorias Públicas Municipais nos municípios com mais de 500 mil habitantes. Porém, foi arquivada após a emissão de parecer reconhecendo sua manifesta inconstitucionalidade material, por afrontar a forma federativa de Estado e por criar obrigação para os municípios ferindo o princípio da simetria constitucional.

Voltemos à pergunta: Acertada ou não a “boa vontade” do município de Goianésia? E a decisão do TJ/GO?

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (art. 24, XIII) deixou para a União, os Estados e o Distrito Federal a competência concorrente para legislar sobre “assistência jurídica e Defensoria Pública”.1 Em outras palavras, legislar sobre “assistência jurídica e Defensoria Pública” está fora da esfera de competência municipal. Se o constituinte quisesse que os municípios legislassem, teria dito algo no art. 30 da CRFB/1988; porém, ao elencar as competências dos Municípios, nenhuma alusão realiza ao serviço de assistência jurídica municipal.

Em continuidade, o art. 134 da Constituição Federal/1988, ao delinear a organização da Defensoria Pública, faz referência apenas às Defensorias Públicas dos Estados, da União, do Distrito Federal e dos Territórios, não fazendo qualquer menção à (mínima) possibilidade de implementação/criação de Defensorias Públicas no âmbito municipal.

E aí, o silêncio é eloquente ou “esquecimento legislativo”? Na minha opinião, o silêncio do legislador constituinte aqui é eloquente!

Como diz Franklin Roger, se a Constituição Federal não outorga aos Municípios a competência para legislar sobre assistência judiciária e Defensoria Pública (art. 24, XIII e art. 30 da CRFB), e, ao mesmo tempo, não prevê a criação de Defensorias Públicas no âmbito municipal (art. 134, § 1º, da CRFB), é intuitiva a pretensão do legislador constituinte no sentido vedar a veiculação de tal matéria pelo ente político municipal. Esse posicionamento, inclusive, possui respaldo na análise histórica dos serviços públicos de assistência judiciária no Brasil, tendo em vista que a própria Constituição de 1934 já previa em seu art. 113 que apenas a União e os Estados concederiam aos necessitados assistência judiciária, mediante a criação de órgãos especiais.

Utilizando-se do princípio da simetria, assim como não há Poder Judiciário Municipal e nem Ministério Público Municipal, não deve haver Defensoria Pública Municipal. Deve apenas e tão somente ser organizada no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e Territórios.

Sobre esse ponto, de acordo com a doutrina de Cléber Francisco Alves, citado por Franklin Roger, esse padrão constitucional de organização do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública apenas no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, excluindo-se os Municípios, além de encontrar-se profundamente ligado ao federalismo, possui intrínseca relação com a necessária autonomia e independência que se deve preservar para o exercício dessas funções da justiça: Uma Defensoria Pública Municipal, ou mesmo qualquer outro órgão prestador de assistência jurídica e judiciária em nível municipal, dificilmente poderia conceder a seus membros as condições institucionais indispensáveis para o bom exercício de suas funções, notadamente no que se refere à independência e autonomia. Ficariam os “advogados” integrantes desse tipo de serviço muito mais vulneráveis às pressões e interesses locais; isto fatalmente comprometeria o desempenho de suas atribuições, circunstância que ocorreria igualmente se houvesse a figura do juiz municipal ou do promotor de justiça municipal. (ALVES, Cléber Francisco. Justiça para Todos! Assistência Jurídica Gratuita nos Estados Unidos, na França e no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, pág. 314)

Chegando na reta final de nossa conversa, os Municípios não estão aptos a efetuar a criação de Defensorias Públicas municipais ou de qualquer outra espécie de serviço público para prestação de assistência judiciária, sob pena de inconstitucionalidade.

Cabe frisar que, de acordo com o art. 1º da Lei nº 1.060/1950, o que se admite apenas é a “colaboração” dos Municípios, auxiliando os Estados e a União na adequada prestação da assistência jurídica gratuita aos necessitados. Porém, daí a dizer ou mesmo admitir que o Município pode “criar” serviço autônomo de prestação de assistência jurídica gratuita aos necessitados, exercendo, sem base legal e constitucional, atividade típica da Defensoria Pública, é outra história.

Resumindo: NA ATUAL ORDEM CONSTITUCIONAL É IMPOSSÍVEL A CRIAÇÃO DE DEFENSORIAS PÚBLICAS MUNICIPAIS.

Beleza?!

Despeço-me desejando excelentes e proveitosas horas de estudos e esperando que essa lição seja (definitivamente) aprendida pelos prefeitos do Brasil a fora…

Fonte: Roger, Franklin. Princípios institucionais da defensoria pública : De acordo com a EC 74/2013 (Defensoria Pública da União) / Franklin Roger, Diogo Esteves. – Rio de Janeiro : Forense, 2014.

1 – Veja que a notícia fala (equivocadamente) de competência exclusiva.