Das Demarcações dos Terrenos de Marinha e da Desnecessidade de Ação Judicial para Retificação do Registro Cartorário.
Não raro as Procuradorias da União se deparam com ações visando a anulação de demarcação de terreno de marinha e a desconstituição da propriedade da UNIÃO sobre esses bens, visando, de forma final, impedir a cobrança de taxa de ocupação, foros e laudêmios.
Um dos argumentos utilizados nessas demandas diz respeito à existência de título de propriedade particular, em outras palavras, certidão do cartório de registro de imóveis declarando como do particular, autor da ação, o domínio sobre o imóvel em questão.De acordo com essa tese, havendo título de propriedade registrado em cartório, haveria a presunção de domínio pelo particular, na forma dos arts. 525, 527 e 859 do Código Civil, sendo que a presunção de domínio somente poderia ser desconstituída por ação judicial, nos termos dos arts. 227, 233, 236, 252 e 259 da Lei nº 6.015/73 (norma que dispõe sobre os registros públicos).
Ocorre que o domínio da União sobre os terrenos de marinha remonta ao período colonial do Brasil, como retrata a Ordem Régia de 04 de dezembro de 1710, que apregoava que “as sesmarias nunca deveriam compreender a marinha que sempre deve estar desimpedida para qualquer incidente do meu serviço, e de defensa da terra.”
Assim, desde períodos remotos da história nacional, os terrenos de marinha sempre foram relacionados à defesa do território. A intenção era deixar desimpedida a faixa de terra próxima da costa, para nela realizar movimentos militares, instalar equipamentos de guerra, etc.
Por isso, os terrenos de marinha são bens públicos, pertencentes à União, a teor inicialmente da redação do inciso VII do artigo 20 da Constituição Federal.
Nesse sentido, o domínio da União sobre os terrenos de marinha decorre de princípios imemoriais que nortearam o comportamento administrativo, princípios que só poderiam ser revogados por cláusula expressa da Constituição:
“O domínio da União, isto é, seu direito sobre tais terras, não decorre das leis orçamentárias, que a partir do ano de 1831 passaram a destacar na receita a renda delas proveniente. Esse direito VEM DE PRINCÍPIOS IMEMORIAIS QUE NORTEARAM O COMPORTAMENTO ADMINISTRATIVO, PRINCÍPIOS DE DIREITO HISTÓRICO que, bem sabemos, só poderiam ser revogados POR CLÁUSULA EXPRESSA DA LEI CONSTITUCIONAL. Então, por que razão vêm as marinhas escamoteadas na expressão os que atualmente lhe pertencem? Sem importância elas não são, e o relato histórico nos conta de quantos, e tantos, as têm ambicionado, embora não tivesse faltado quem, como a raposa da fábula, as tivesse batizado de ridícula faixa de 33 metros, que ninguém sabe onde começa, nem onde acaba”.
(Santos, Rosita de Sousa. Terras de Marinha, 1985, p. 75).
Sendo bens públicos federais por mandamento constitucional e legal, os terrenos de marinha são de propriedade originária da União. É a sua situação que caracteriza a faixa dos terrenos de marinha, não a demarcação.
Por isso, destaca-se que a demarcação dos terrenos de marinha tem natureza meramente declaratória, até porque nenhuma das normas que trata desses bens refere à demarcação como constitutiva dessa condição.
Reitere-se, não é a demarcação que caracteriza a faixa como terreno de marinha, mas a respectiva situação.
Esse é inclusive o sentido do art. 198 do Decreto-lei 9.760/46:
Art. 198. A União tem por insubsistentes e nulas quaisquer pretensões sôbre o domínio pleno de terrenos de marinha e seus acrescidos, salvo quando originais em títulos por ela outorgadas na forma do presente Decreto-lei.
Assim, firme o entendimento de que o título de propriedade particular, que induz à presunção relativa de domínio, nos termos do art. 99 do Código Civil, não é oponível à União. Esta prescinde de ação judicial para infirmar seu domínio, que decorre diretamente do procedimento de demarcação – ato administrativo que goza de presunção de legitimidade, imperatividade, executoriedade e exigibilidade.
Por conseguinte, o título particular é inoponível à União nas hipóteses em que os imóveis situam-se em terrenos de marinha, revelando o domínio público quanto aos mesmos.
O título de propriedade da União sobre a área em questão é melhor (natureza constitucional) e anterior (desde o império) ao da parte autora.
Da mesma forma a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido da natureza declaratória da demarcação nos seguintes julgados: EDcl no REsp 687843/ES, REsp 491943/RS, REsp 624746/RS, REsp 466500/RS, REsp 798165/ES.
Resta, então, pacificado que os registros particulares dos imóveis inseridos nos terrenos e acrescidos de marinha não afastam a propriedade pública, sendo desnecessária, inclusive, a propositura de qualquer ação, por parte da UNIÃO, para retificação do registro cartorário.
Petrov Baltar
Advogado da União
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