Pedro Coelho é Defensor Público Federal

Professor de Processo Penal da EBEJI

EBEJI

Prezados,

Iremos tratar hoje acerca de um tema bastante interessante e importante para provas de concurso, especialmente (mas não exclusivamente) na seara federal. Afirmo se tratar de tema relevante na preparação para concurso público, por envolver necessariamente a compreensão da doutrina, da lei e, sobretudo, da jurisprudência.

Sabe-se que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT) é uma empresa pública federal e, como tal, diante da literalidade da Constituição Federal brasileira, podemos afirmar que, ao menos em regra, a competência para os crimes perpetrados em face dela é da Justiça Federal. Vejamos:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

IV – os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;

Antes de tratarmos especificamente acerca das peculiaridades dos crimes contra os Correios, convém indicar uma rápida definição de empresa pública. Trata-se de pessoa jurídica de direito privado, constituída por capital exclusivamente público, podendo se revelar por qualquer das modalidades empresariais. É ainda componente da Administração Pública Indireta e é instituída pelo Poder Público a partir de autorização de lei específica, para exploração de atividades de natureza econômica ou execução de serviços públicos.

Feitas as pertinentes considerações, voltemos ao objeto principal do post. Ora, Pedro, se os Correios são uma empresa pública federal e, de acordo com a regra plasmada na Carta Magna, os delitos praticados em detrimento de tais órgãos ensejam a competência da Justiça Federal, qual é a polêmica sobre o assunto?

O cerne da questão, meus caros, se dá quando estivermos diante de um delito perpetrado contra uma agência dos correios. Imagine-se um roubo praticado contra o patrimônio de uma agência dos correios (lastimavelmente, trata-se de uma das principais modalidades criminosas constatadas na Justiça Federal), de quem é a competência para o processamento deste delito? Para responder a essa indagação, precisaremos compreender e identificar no caso concreto se a agência dos correios cujo patrimônio fora violada era explorada (i) diretamente pela EBCT, (ii) por particular através de franquia ou ainda se se tratava de (iii) agência Comunitária.

  • (i) Quando a agência for explorada diretamente pela EBCT? Nesses casos, de acordo com a remansosa jurisprudência do STJ, a competência será da Justiça Federal, uma vez que se estará diante da regra do artigo 109, IV, da CF/88, afinal restará violado o patrimônio de empresa pública federal. Sobre o tema, entre vários, conferir HC 39.200[1]/SP.
  • (ii) Quando a agência for explorada por particular? Ao contrário da situação anterior, aqui não há interesse direto da EBCT. Isso porque ela firma um contrato de franquia com particular e os danos causados ao patrimônio da agência, durante a vigência do referido contrato, não tem o condão de atingir o patrimônio dos Correios, ao menos não de maneira direta.
  • (iii) E quando se tratar de Agência Comunitária? As duas situações anteriormente narradas são mais frequentes e de conhecimento mais tranquilo. O interessante (e é isso que cairá em sua prova) é analisarmos as consequências práticas de um crime patrimonial em face de agência comunitária. Dizem a doutrina e a jurisprudência que as agências comunitárias dos Correios são aquelas em que há nítido interesse público ou social, pois exorbita do seu escopo o mero interesse econômico. São criadas através de convênio, revelando interesse recíproco dos agentes na atividade desempenhada, inclusive da empresa pública. Sobre a natureza jurídica das agências comunitárias vale conferir a Portaria 384/200[2]1 do Ministério das Comunicações.

Percebe-se, pois, que nas agências comunitárias os interesses existentes são recíprocos, diferentemente dos contratos (como o de franquia entre a EBCT e o particular) em que os interesses são, amiúde, opostos. Quando oriunda de relação contratual, o valor recebido pela agência como remuneração dos serviços prestados passa a integrar o patrimônio do particular, ao passo que no convênio (agências comunitárias), esse valor fica vinculado à utilização prevista no ajuste, não se afastando de sua essência de natureza pública e, portanto, se mantém o interesse da Empresa Pública Federal. Com base nesse raciocínio, adotado integralmente pelo Superior Tribunal de Justiça, os delitos cometidos em face de agência comunitária dos Correios são da competência da Justiça Federal! Vejamos:

PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO PENAL. CRIME DE ROUBO PERPETRADO CONTRA AGÊNCIA COMUNITÁRIA DOS CORREIOS, CONSTITUÍDA MEDIANTE CONVÊNIO ENTRE A ECT E O MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO BATISTA/SC. INTERESSE RECÍPROCO NO SERVIÇO PRESTADO, INCLUSIVE DA EMPRESA PÚBLICA FEDERAL. DANO DE PEQUENO VALOR. IRRELEVÂNCIA. PERDA MATERIAL E PREJUÍZO AO SERVIÇO POSTAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

1. Nos crimes praticados em detrimento das agências da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, esta Corte Superior já firmou o entendimento de que a fixação da competência depende da natureza econômica do serviço prestado. Se explorado diretamente pela empresa pública – na forma de agência própria -, o crime é de competência da Justiça Federal. De outro vértice, se a exploração se dá por particular, mediante contrato de franquia, a competência para o julgamento da infração é da Justiça estadual.

2. A espécie, contudo, guarda peculiaridade, pois a agência alvo do roubo é tida como “comunitária”. Constituída sob a forma de convênio entre a ECT e a prefeitura municipal, ostenta interesse recíproco dos entes contratantes, inclusive da empresa pública federal.

3. Embora noticiado que o ilícito importou em pequeno prejuízo à empresa pública, o fato é que houve perda material e prejuízo ao serviço postal; logo é o caso de firmar a competência da Justiça Federal para conhecer do feito, nos termos do art. 109, IV, da Constituição Federal. 4. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal e Juizado Especial de Brusque – SJ/SC, o suscitante. (CC 122.596/SC, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/08/2012, DJe 22/08/2012).

Ficou claro? Então vamos revisar esquematicamente:

Crime praticado contra: Competência
Agência dos Correios explorada diretamente pela EBCT Justiça Federal
Agência dos Correios explorada por particular (contrato de franquia) Justiça Estadual
Agência Comunitária dos Correios Justiça Federal

Espero que tenham compreendido! Atenção, pois esse tema será cobrado nos próximos concursos!

Vamos em frente!

Pedro CoelhoDefensor Público Federal

[1] HABEAS CORPUS. ROUBO PRATICADO EM AGÊNCIA DA EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – EBCT. EXPLORAÇÃO DIRETA PELA EMPRESA PÚBLICA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

1. Esta Corte Superior tem posição definida quanto à competência para processar e julgar crimes praticados contra agências Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT), fundando-se suas decisões na constatação da exploração direta da atividade pelo ente da administração indireta federal – caso em que a competência seria da Justiça Federal, nos termos do artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal – ou se objeto de franquia, isto é, a exploração do serviço por particulares – quando então se verificaria a competência da Justiça Estadual;

2. Ordem concedida para declarar nulo todo o processo perante a Justiça Estadual paulista, desde o recebimento da denúncia, com a conseqüente remessa dos autos para a 3ª Vara Criminal Federal da Comarca de São Paulo, onde, noticia a impetração, houve apuração inicial dos fatos.

(HC 39.200/SP, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, SEXTA TURMA, julgado em 29/11/2005, DJ 19/12/2005, p. 475)

[2] 2.1.5. Agência de Correios Comunitária – AGC: Unidade de Atendimento terceirizada operada, mediante convênio celebrado na forma da legislação e da regulamentação federal específica sobre a matéria, por pessoa jurídica de direito público ou privado, desde que caracterizado o interesse recíproco, destinada a viabilizar, no mínimo, a prestação de serviços postais básicos, nos termos da legislação em vigor, em localidades rurais ou urbanas, quando a exploração de serviços postais não se mostrar economicamente viável para a ECT e houver predominância do interesse social.