Desapropriação e valorização das áreas envolvidas

Nesta publicação tratarei de tema com elevada incidência nas provas de concurso público e que requer do candidato atenção para diferenciar três situações específicas que envolvem a questão da valorização das áreas afetadas por uma desapropriação.

A desapropriação é uma modalidade de intervenção do estado na propriedade, com assento constitucional (art. 5º, XXIV) mediante o qual o Estado pode retirar a propriedade de determinado bem de um particular e transferir para o seu patrimônio.

Esta modalidade de intervenção estatal é chamada de supressiva, uma vez que o próprio direito de propriedade do particular é extinto, passando o bem a integrar o patrimônio do expropriante, mediante pagãmente de indenização.

Esta forma de intervenção é extremamente drástica e para ser tomada legitimamente demanda o preenchimento de alguns requisitos constitucionalmente previstos. Estes requisitos são:

  1. A observância de um procedimento administrativo;
  2. A comprovação de necessidade ou utilidade pública, ou de interesse social;
  3. O pagamento de indenização prévia, justa e em dinheiro, ressalvadas as hipóteses previstas na Constituição.

Quando da realização da desapropriação é possível que as áreas afetadas pela intervenção do Estado sofram valorização decorrente desta intervenção, existindo mecanismos para que o poder público se beneficie desta mais valia, socializando os ganhos com a população em geral evitando que apenas um pequeno grupo enriqueça com a obra.

Na esteira da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é possível diferenciar três modalidades diferentes de valorização e três instrumentos que o Estado pode se valer para esta mais valia não ingresse, sem justa causa, no patrimônio de um ou de poucos em detrimento de toda a sociedade.

O STJ, no julgamento do REsp 1092010, diferenciou os instrumentos que o Estado pode se valer para trazer para o erário público os valores decorrentes da valorização. Assim decidiu o Tribunal:

“Na desapropriação, direta ou indireta, quando há valorização da área remanescente não desapropriada em decorrência de obra ou serviço público, dispõe o Estado de três instrumentos legais para evitar que a mais valia, decorrente da iniciativa estatal, locuplete sem justa causa o patrimônio de um ou de poucos: a desapropriação por zona ou extensiva, a cobrança de contribuição de melhoria e o abatimento proporcional, na indenização a ser paga, da valorização trazida ao imóvel”.

 

A utilização de cada um desses instrumentos legais varia de acordo com a forma que se deu a valorização imobiliária. Novamente reproduzindo o julgado mencionado, o STJ diferencia as formas de valorização da seguinte forma:

A valorização imobiliária decorrente da obra ou serviço público pode ser geral, quando beneficia indistintamente um grupo considerável de administrados, ou especial, que ocorre quando o benefício se restringe a um ou alguns particulares identificados ou, pelo menos, identificáveis.

A mais valia geral subdivide-se em ordinária e extraordinária. A primeira tem lugar quando todos os imóveis lindeiros à obra pública se valorizam em proporção semelhante. A segunda, diferentemente, toma parte quando algum ou alguns imóveis se valorizam mais que outros, atingidos pela mais valia ordinária”.

 

Quando estamos diante de uma valorização geral e extraordinária o Estado tem a sua disposição da chamada DESAPROPRIAÇÃO POR ZONA OU EXTENSIVA, expressamente prevista no Decreto 3.365/41. Esta forma de desapropriação caracteriza-se pela inclusão das áreas contíguas àquelas de que o poder público efetivamente necessita para a realização de obra pública, a fim de que o poder público utilize a área para a realização de obras futuras ou se beneficie da valorização dessas áreas contíguas em função da execução da obra.

Há sérias críticas doutrinárias sobre a possibilidade de o Estado desapropriar por zona para se beneficiar da valorização extraordinária dos imóveis lindeiros. Entretanto a crítica não prospera uma vez que a intervenção drástica na propriedade privada é realizada para a defesa do interesse público, evitando que poucos particulares enriqueçam sem causa em detrimento de toda a sociedade que contribuiu para o financiamento da intervenção estatal na propriedade. Assim, para que haja a socialização dos ganhos, é legítima a desapropriação por zona, ingressando no erário público o valor referente a mais valia extraordinária.

Lado outro, quando se tratar de uma valorização geral e ordinária deve o Estado se valer da modalidade tributária conhecida como Contribuição de Melhoria. Tal tributo é o instrumento adequado para que o Estado receba parte da valorização imobiliária ocorrida diretamente dos particulares beneficiados pela valorização decorrente da obra. Desta maneira resgata-se para os cofres públicos o ganho que a intervenção na propriedade gerou para alguns particulares, evitando uma situação que beneficiaria poucos em detrimento da população em geral.

Para contextualizar, a título de recordação, é importante pontuar que este tributo tem como fato gerador a ocorrência de valorização imobiliária decorrente da realização de obras públicas, sempre limitada ao valor total da obra e ao valor individual agregado a cada imóvel.

O Superior Tribunal de Justiça tem alguns precedentes neste exato sentido, cabendo citar o seguinte:

“Em se tratando de valorização geral ordinária, decorrente da construção de rodovia, não é possível o decote na indenização com base no art. 27 do Decreto-Lei 3.365/41, cabendo ao Poder Público, em tese, a utilização da contribuição de melhoria como instrumento legal capaz de fazer face ao custo da obra, devida proporcionalmente pelos proprietários de imóveis beneficiados com a valorização do bem” (REsp 1230687 / SC – Ministra Eliana Calmon).

 

Por último, quando se tratar de valorização específica ou especial, na qual a valorização se restringe a um ou a alguns poucos particulares (número limitado), identificado ou identificável, a forma do Estado se beneficiar e socializar os ganhos decorrentes da mais valia gerada pela obra está prevista no Decreto 3.365/41, sendo possível o abatimento do valor a ser pago a título de indenização. Esta situação tem previsão no artigo 27 do citado Decreto, cabendo a sua reprodução:

Art. 27.  O juiz indicará na sentença os fatos que motivaram o seu convencimento e deverá atender, especialmente, à estimação dos bens para efeitos fiscais; ao preço de aquisição e interesse que deles aufere o proprietário; à sua situação, estado de conservação e segurança; ao valor venal dos da mesma espécie, nos últimos cinco anos, e à valorização ou depreciação de área remanescente, pertencente ao réu.”

Como se vê, nesta situação o Estado pode abater do valor que irá pagar a título de indenização o montante referente a valorização ocorrida na área remanescente do imóvel, não desapropriada, garantindo assim que o valor da mais valia se mantenha no erário público e não beneficie apenas um ou poucos proprietários.

Cabe colacionar a passagem específica do citado precedente do STJ neste exato sentido:

“Por fim, tratando-se de valorização específica, e somente nessa hipótese, poderá o Estado abater, do valor a ser indenizado, a valorização experimentada pela área remanescente, não desapropriada, nos termos do art. 27 do Decreto-Lei 3.365/41”.

 

Desta maneira é importante que o aluno fique atento às três modalidades diversas de valorização que a área impactada pela desapropriação pode sofrer, bem como os três instrumentos que o Estado dispõe para se beneficiar desta valorização, impedindo que a mais valia decorrente da intervenção do Estado enriqueça apenas poucas pessoas em detrimento de milhares de outras que indiretamente custearam a obra.