Desmembramento de Processos e a Nova Postura do STF

Temática que sempre aventa controvérsias na doutrina, o regramento de processos no caso em que haja mais de um acusado (concurso de agentes) e nem todos ostentem o foro por prerrogativa de função teve sua importância revigorada, especialmente após a famosa Ação Penal 470 (Mensalão).

Em um primeiro momento, prevaleceu no seio do STF o entendimento de prevalência da competência do Tribunal de maior hierarquia e, nesses casos, deveria haver reunião de processos naquele foro. Tal fato não teria o condão de violar a regra do juiz natural. Na esteira de tal posição, veio a edição da Súmula 704 da Corte Suprema:

“Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do correu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciado”.

Desde já é preciso registrar que a reunião de processos nunca foi cogente, obrigatória, já que o Relator do caso poderia determinar, por conveniência, a separação dos processos, com arrimo no art. 80 do CPP.

Destaque-se que até o ano de 2013, era frequente e até majoritário o entendimento de que haveria a reunião de processos em casos análogos aos descritos. Exemplo disso é o arresto abaixo transcrito:

EMENTA Penal e Processual Penal. Inquérito. Parlamentar. Deputado federal. Primeira preliminar relativa ao desmembramento do feito. Existência, no polo passivo da ação, de indiciados que não detêm foro por prerrogativa de função. Rejeição. Inteligência dos arts. 76 a 78 do Código de Processo Penal. Incidência, na espécie, da Súmula nº 704/STF. Precedente. (…) 1. Ressalvado o entendimento pessoal do redator do acórdão quanto ao ponto, a rejeição da preliminar relativa ao desmembramento do feito – concernente aos que não detêm foro por prerrogativa de função – está embasada na jurisprudência da Corte, segundo a qual, “não viola as garantias do juiz natural e da ampla defesa, elementares do devido processo legal, a atração, por conexão ou continência, do processo do correu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados, a qual é irrenunciável” (INQ nº 2.424/RJ, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Cezar Peluso, DJe de 26/3/10). Incidência, na espécie, da Súmula nº 704/STF. 6. Exaurida a competência desta Suprema Corte com a rejeição da denúncia em relação ao corréu detentor de foro por prerrogativa de função, encaminhe-se imediatamente cópia da íntegra dos autos ao juízo de primeiro grau competente para dar prosseguimento ao feito em relação aos demais indiciados, decidindo como entender de direito. (Inq 2704, Relator(a):  Min. ROSA WEBER, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 17/10/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-038 DIVULG 26-02-2013 PUBLIC 27-02-2013).

Ainda mais simbólico foi o julgamento do já citado caso do Mensalão, quando o STF (Plenário) entendeu por bem manter a reunião de processos, não obstante o número significativamente menor de réus detentores de prerrogativa de função à época do julgamento. No referido caso, valeu-se de alguns argumentos para justificar a medida, entre outras (1) o desejo de evitar potenciais decisões contraditórias e revelar insegurança jurídica, bem como (2) o risco de prescrição exacerbado dos crimes, em  face da complexidade do caso.

Não obstante, esse início de 2014 dá a sinalização de rompimento com a posição acima indicada. Isso porque, tal qual recentemente noticiado no site do STF, o Plenário possui hoje cerca de 809 processos pendentes em sua pauta e alguns Ministros têm demonstrado severas preocupações com o volume dos casos, razão pela qual propõem uma alteração de critérios, de modo a enxugar essa pauta.

Vejamos algumas dessas importantes manifestações:

1 – Ministro Roberto Barroso – A sugestão do ministro foi que o desmembramento passe a ser regra geral adotada pela Corte, admitindo exceção no caso em que os fatos narrados estejam emaranhados de modo tal que separar o julgamento “causaria prejuízo relevante à prestação jurisdicional”.

2 – Ministro Lewandowski – Corroborando a posição do Ministro Barroso, o atual Vice Presidente da Corte asseverou que tem “adotado o critério do desmembramento e acolho a proposta acrescentando que tal decisão seja a mais precoce possível. Assim, futuras quebras de sigilo bancário, fiscal, telefônico, seriam de competência do juízo de primeiro grau. Estamos assoberbados aqui. Se tivermos que decidir isso da investigação, vai nos sobrecarregar ainda mais. Por isso sugiro que quanto antes a decisão pelo desmembramento for tomada, melhor”.

Para consolidar a tendência já sentida de alteração dos rumos da jurisprudência do Pretório Excelsior, no dia 13 de fevereiro de 2014 foi julgado um Agravo Regimental no Inq. 3514/SP, cuja relatoria competiu ao Ministro Marco Aurélio, no que foi acompanhado pelos já citados Ministros, além do Teori Zavaski e Rosa Weber:

Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, desproveu o agravo regimental. Votou o Presidente. Ausentes, justificadamente, o Ministro Celso de Mello e, neste julgamento, os Ministros Joaquim Barbosa (Presidente) e Gilmar Mendes. Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski, Vice-Presidente no exercício da Presidência. Plenário, 13.02.2014.

O julgamento foi assim noticiado pelo site do STF (ainda não publicado em informativo!):

“Após negar provimento a recurso (agravo regimental) interposto contra o desmembramento do Inquérito (INQ) 3515, que corre no Supremo Tribunal Federal contra o deputado federal Arthur Lira (PP/AL) pela suposta prática dos crimes de lavagem de dinheiro, ocultação de bens e corrupção passiva, os ministros presentes à sessão desta quinta-feira (13) concordaram em adotar o entendimento de que o desmembramento do processo passe a ser a regra geral quando houver corréus sem prerrogativa de foro no STF”.

Pode-se dizer que há nova decisão do Plenário do STF indicando uma alteração da jurisprudência. A prevalecer a proposta do Ministro Barroso, ratificada pelos demais presentes ao julgamento, a regra agora é o desmembramento, cabendo sempre, de acordo com a conveniência do caso concreto, a reunião, tal qual ocorreu no caso da AP 470.

É certeza que a matéria será enfrentada nos próximos concursos públicos! Atenção.

Bons Estudos!

Pedro Coelho.