Olá prezados, todos bem?
Hoje gostaria de tratar de um assunto bem interessante na ciência processual, o direito de influência.
Todos sabemos o que é contraditório no processo civil, tendo por base, principalmente o exercício do direito fundamental previsto no art. 5º. LV da CF/88. Em última instância, mais do que participar do processo, o exercício do contraditório legitima a atuação do Estado juiz que aplica a lei ao caso concreto por meio de agente que, diferentemente dos representantes dos demais poderes, não foi eleito pelo voto direto. Assim, o exercício do contraditório é a forma de democratização do processo com a legitimação do Estado para a solução de conflitos por meio da jurisdição.
Pois bem, durante muito tempo, pensou-se que oportunizar a parte a participação no processo serviria ao cumprimento do direito fundamental informado, contudo, no processo atual não é apenas isso. Contraditório significa, para além de participar do processo, influenciar nos seus rumos. Trata-se, no dizer de Marinoni[1], uma nova dimensão do contraditório que ultrapassa a figura das partes a alcança a figura do juiz que deve, não apenas zelar pelo contraditório, mas se submeter a ele, daí a ideia do fortalecimento da produção de provas de ofício pelo juiz.
Esse direito de influência nos leva a um outro ponto, o mais importante para o estudo atual, que é a vedação processual à decisão-surpresa previsto pelo art. 10, CPC/2015, vejamos:
Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.
A ideia é simples, em razão do direito de influência, a regra é que todas as decisões definitivas do juízo se apoiem tão somente em questões previamente debatidas pelas partes.
A primeira conclusão que se tira desse dispositivo é que o juiz embora deva conhecer a lei a aplica-la no limite de sua autoridade (famoso aforismo iura novit curia) merece uma releitura no sentido de que o juiz continua sendo a autoridade que conhece a lei a resolve a lide, contudo, a aplicação dessa máxima está condicionada ao prévio diálogo entre as partes.
Segundo, o famoso brocardo da mihi factum, dado tibi jus no sentido de que o juiz precisa apenas dos fatos para que possa aplicar a lei na resolução da lide merece igual releitura eis que as partes, em razão do direito de influência, não está mais confinada na matéria fática, ou seja, participam influenciando no processo a partir de uma leitura dos fundamentos jurídicos que surgem no processo, bem como juiz não está limitado à matéria de direito, no sentido de que deve o magistrado conhecer de ofício fatos secundários e determinar ao produção de provas de ofício. Assim, as partes não se limitam a narrar os fatos, o juiz não se limita aplicar o direito, havendo novo formato dessa colaboração processual.
No que diz respeito à Fazenda Pública, merece bastante atenção a vedação à decisão-surpresa eis que, nos termos do art. 9º, parágrafo único, I do CPC/2015 é possível proferir decisão, sem oitiva da parte contrária, em sede de tutela de urgência. Contudo, dispositivo bastante importante para a Fazenda Pública, na Lei 8.437/92, excepciona a permissão acima noticiada quando diz:
Art. 2º. No mandado de segurança coletivo e na ação civil pública, a liminar será concedida, quando cabível, após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de setenta e duas horas.
Assim, se estiveres diante, numa prova objetiva, subjetiva ou oral, de mandado de segurança coletivo ou ação civil pública inaplicável, para a Fazenda a exceção do art. 9º, parágrafo único, I do CPC/2015 em razão da previsão do art. 2º da Lei 8.437/92, sendo vedada a surpresa, para a Fazenda, dessa decisão, sujeita a nulidade.
Destaque-se, contudo, haver jurisprudência do STJ mitigando a aplicação desse dispositivo nos casos de “motivo relevante”, conceito aberto criado pela jurisprudência, ou seja, no caso a caso, dirá o STJ o que é motivo relevante para afastar a exigência do dispositivo legal.
Recentemente (REsp 1559531), o STJ afastou o art. 2º da Lei 8.437/92, com o seguinte argumento.
“Conforme registrado pelo tribunal de origem, não houve prejuízo pela inobservância do comando contido no artigo 2º da Lei 8.437/92, e a justificativa da urgência se deu em razão do cumprimento da legislação protetiva da criança e do adolescente (obrigatoriedade de transferir ao Poder Executivo do estado os programas de internação e semiliberdade, após um ano da publicação da Lei 12.594/12)”, afirmou.
De acordo com o relator, “o atraso da prestação jurisdicional poderia acarretar grave prejuízo ou dano ao interesse público”.
É isso, atente para o direito de influência, a vedação da decisão-surpresa e a questão específica da Fazenda plasmada no art. 2º da Lei 8.437/92, às vezes mitigado pelo STJ quando não demonstrado o prejuízo pela não aplicação.
[1] MARINONI, Novo Código de Processo Civil Comentado, 2017.
Forte abraço, Ubirajara Casado.
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