João Paulo Cachate é
Aprovado no V Concurso para Defensor Público Federal (aguardando nomeação)
Ex-aluno GEDPU (2013 a 2015)
Assessor-Chefe da Assessoria Jurídica da Procuradoria da República em Alagoas (MPF/AL)
Especialista em Direito Público

 

Olá a todos(as) os(as) leitores(as) do blog!

Estava lendo o informativo 560 do STJ, quando me deparei com um tema importante no dia a dia da Defensoria Pública da União: rádio clandestina!

Há 3 (três) relevantes julgados nesse informativo do STJ. Vale a pena saber o que pensa a Corte Cidadã, mas entendendo que tais julgados divergiram do entendimento do STF e são contrários à tese da Defensoria Pública da União.

Vamos a eles?

DIREITO PENAL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE PROVEDOR DE ACESSO À INTERNET POR MEIO DE RADIOFREQUÊNCIA SEM AUTORIZAÇÃO DA ANATEL. Ajusta-se à figura típica prevista no art. 183 da Lei 9.472/1997 (“Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação”) a conduta de prestar, sem autorização da ANATEL, serviço de provedor de acesso à internet a terceiros por meio de instalação e funcionamento de equipamentos de radiofrequência. Realmente, o fato de o art. 61, § 1º, da Lei 9.472/1997 disciplinar que serviço de valor adicionado “não constitui serviço de telecomunicações” não implica o reconhecimento, por si só, da atipicidade da conduta em análise. Isso porque, segundo a ANATEL, o provimento de acesso à Internet via radiofrequência engloba tanto um serviço de telecomunicações (Serviço de Comunicação Multimídia) quanto um serviço de valor adicionado (Serviço de Conexão à Internet). Precedentes citados: AgRg no AREsp 383.884-PB, Sexta Turma, DJe 23/10/2014; e AgRg no REsp 1.349.103-PB, Sexta Turma, DJe 2/9/2013. AgRg no REsp 1.304.262-PB, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 16/4/2015, DJe 28/4/2015.

DIREITO PENAL. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AO DELITO PREVISTO NO ART. 183 DA LEI 9.472/1997. Não se aplica o princípio da insignificância à conduta descrita no art. 183 da Lei 9.472/1997 (“Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação”). Isso porque se trata de crime de perigo abstrato. Precedentes citados: AgRg no REsp 1.323.865-MG, Quinta Turma, DJe 23/10/2013; e AgRg no REsp 1.186.677-DF, Sexta Turma, DJe 28/10/2013. AgRg no REsp 1.304.262-PB, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 16/4/2015, DJe 28/4/2015.

DIREITO PENAL. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AO DELITO PREVISTO NO ART. 183 DA LEI 9.472/1997. Não se aplica o princípio da insignificância à conduta descrita no art. 183 da Lei 9.472/197 (“Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação”). Isso porque o referido crime é considerado formal, de perigo abstrato, tendo como bem jurídico tutelado a segurança e o regular funcionamento dos meios de comunicação. Além disso, a exploração clandestina de sinal de internet, sem autorização do órgão regulador (ANATEL), já é suficiente a comprometer a regularidade do sistema de telecomunicações, razão pela qual o princípio da insignificância deve ser afastado. Sendo assim, ainda que constatada a baixa potência do equipamento operacionalizado, tal conduta não pode ser considerada de per si, um irrelevante penal. Precedentes citados: AgRg no AREsp 383.884-PB, Sexta Turma, DJe 23/10/2014; e AgRg no REsp 1.407.124-PR, Sexta Turma, DJe 12/5/2014. AgRg no AREsp 599.005-PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 14/4/2015, DJe 24/4/2015.

Como dito, tais julgados vão de encontro ao entendimento do STF. Vejamos:

Rádio comunitária clandestina e princípio da insignificância. Ante as circunstâncias do caso concreto, a 2ª Turma, por maioria, aplicou o princípio da insignificância e concedeu habeas corpus impetrado em favor de denunciado por supostamente operar rádio comunitária sem autorização legal. Destacou-se que perícia efetuada pela Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel atestaria que o serviço de rádio difusão utilizado não teria capacidade de causar interferência nos demais meios de comunicação, que permaneceriam incólumes. Enfatizou-se que aquela emissora operaria com objetivos de evangelização e prestação de serviços sociais, do que decorreria ausência de periculosidade social e de reprovabilidade da conduta além de inexpressividade de lesão jurídica. Restabeleceu-se decisão de 1º grau, que trancara ação penal sem prejuízo da apuração dos fatos atribuídos ao paciente na esfera administrativa. Vencido o Min. Teori Zavascki que denegava a ordem. Entendia que, na espécie, a incidência desse princípio significaria a descriminalização da própria conduta tipificada como crime. HC 115729/BA, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 18.12.2012. (HC-115729)

Princípio da insignificância e rádio clandestina. A 2ª Turma denegou habeas corpus no qual se requeria o trancamento da ação penal pelo reconhecimento da aplicação do princípio da insignificância à conduta de operar de forma clandestina rádios com frequência máxima de 25W. No caso, o paciente fora condenado pelo delito de atividade clandestina de telecomunicações (Lei 9.472/97, art. 183). Entendeu-se que a conduta perpetrada pelo réu conteria elevado coeficiente de danosidade, já que comprovado, por laudo da Anatel, clara interferência à segurança do tráfego aéreo com eventuais consequências catastróficas. Destacou-se que estaria ausente um dos elementos necessários para a incidência do aludido postulado, qual seja, a indiferença penal do fato. HC 111518/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 5.2.2013. (HC-111518)

Princípio da insignificância e rádio comunitária de baixa potência. Em conclusão de julgamento, a 2ª Turma, por maioria, proveu recurso ordinário em habeas corpus para conceder a ordem e restabelecer a rejeição da denúncia proferida pelo juízo de origem. No caso, o magistrado de 1º grau aplicara o princípio da insignificância ao crime descrito no art. 183 da Lei 9.472/1997 (desenvolver clandestinamente atividade de telecomunicação), por não haver prova pericial que constatasse, in loco, que a rádio comunitária operara com potência efetiva radiada acima do limite de segurança. Dessa forma, o magistrado considerara que o desvalor — insegurança — não estaria demonstrado, e essa prova seria essencial para constatação do fato típico. Contra essa decisão, fora interposto recurso em sentido estrito para o TRF que, provido, determinara o recebimento da denúncia. O STJ mantivera esse entendimento — v. Informativo 734. A Turma assentou a ausência, na espécie, de comprovação da materialidade delitiva da infração penal. Ressaltou que não teria sido constatada a lesão aos bens jurídicos penalmente tutelados. Considerou, entretanto, que o Poder Público poderia ter outro tipo de atuação, como, por exemplo, a via administrativa. Vencidos os Ministros Teori Zavascki e Gilmar Mendes, que negavam provimento ao recurso. O primeiro consignava que a falta de elementos que comprovassem que a rádio comunitária interferia, ou não, na segurança não seria motivo para rejeitar a denúncia por insignificância. Destacava que essa prova poderia e deveria ser realizada no curso da ação penal. O Ministro Gilmar Mendes aduzia que a instalação de estação clandestina de radiofrequência, sem autorização do órgão competente, seria suficiente para comprometer a regularidade do sistema de telecomunicações. Sublinhava que o legislador buscara tutelar a segurança dos meios de comunicação, especialmente para evitar interferência em diversos sistemas como, por exemplo, o aéreo. Assim, seria prescindível a comprovação de prejuízo efetivo para a consumação do delito. RHC 119123/MG, rel. Min. Cármen Lúcia, 11.3.2014. (RHC-119123)

HC N. 115.423-SP

RELATOR: MIN. ROBERTO BARROSO

Ementa: HABEAS CORPUS ORIGINÁRIO IMPETRADO CONTRA ACÓRDÃO QUE NEGOU PROVIMENTO A AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ATIVIDADE CLANDESTINA DE TELECOMUNICAÇÕES. HABITUALIDADE. EMISSORA CLANDESTINA QUE INTERFERE NO TRÁFEGO AÉREO. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PENAL. ORDEM DENEGADA. 1. O acórdão impugnado está em conformidade com a jurisprudência de ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal no sentido de que “o uso clandestino e habitual de serviços de telecomunicações amolda-se ao tipo penal do art. 183 da Lei 9.472/1997” (HC 115.137, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma). Precedentes. 2. Constatado pelas instâncias de origem que a rádio clandestina operada pelo paciente  estava interferindo no tráfego aéreo, não é possível a adoção do princípio da insignificância penal. 3. Violação do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora. Precedente: HC 119.979, Rel.ª Min.ª Rosa Weber. 3. Ordem denegada.

Confrontando tais julgados, chegamos às seguintes conclusões:

a) (in)aplicabilidade do princípio da insignificância:

  • O STJ não aplica o princípio da insignificância à conduta descrita no art. 183 da Lei 9.472/197 (“Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação”). Os argumentos para tal afirmação foram: i-) o aludido crime é considerado formal, de perigo abstrato, tendo como bem jurídico tutelado a segurança e o regular funcionamento dos meios de comunicação; ii-) ainda que constatada a baixa potência do equipamento operacionalizado, tal conduta não pode ser considerada de per si, um irrelevante penal, pois pode comprometer a segurança, a regularidade e a operabilidade do sistema de telecomunicações do país, não podendo, portanto, ser vista como uma lesão inexpressiva (AgRg no REsp 1323865/MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 17/10/2013).
  • O STF, em regra, também nega a aplicação do princípio da insignificância ao crime do art. 183 da Lei n.° 9.472/97. Porém, pode aplicar o princípio da insignificância à conduta descrita no art. 183 da Lei 9.472/197 (“Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação”). Para que tal princípio seja aplicado, é necessário preencher alguns requisitos: i-) realização de perícia efetuada pela Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel atestando que o serviço de rádio difusão utilizado não tem capacidade de causar interferência nos demais meios de comunicação, nem interferência à segurança do tráfego aéreo com eventuais consequências catastróficas (tem sido utilizado como parâmetro a frequência máxima de 25W); ii-) utilização da atividade de telecomunicação com objetivos de evangelização e prestação de serviços sociais, por exemplo, demonstrando ausência de periculosidade social e de reprovabilidade da conduta além de inexpressividade de lesão jurídica; iii-) localidades afastadas dos grandes centros.

b) (des)necessidade de realização de perícia no equipamento apreendido:

  • O STJ considera desnecessária a realização da perícia nos equipamentos para averiguar a capacidade de causar interferência nos demais meios de comunicação, pois, como dito, o crime é formal e de perigo abstrato;
  • O STF considera necessária e imprescindível a realização da perícia nos equipamentos para averiguar a capacidade de causar interferência nos demais meios de comunicação, pois a depender do resultado do laudo poderá ser aplicado o princípio da insignificância.

Fiquem atentos a tais diferenças, sabendo que para a Defensoria Pública da União e para o assistido o melhor entendimento a seguir é o do STF.

“Alargue suas fronteiras”

João Paulo Cachate