Do Administrador Judicial de Bens Arrestados/Sequestrados: Judicialização da Gestão

Da prática de atos criminosos podem resultar prejuízos que justifiquem a concessão de sequestro ou arresto, que são decisões judiciais apreensivas dos bens pertencentes ao patrimônio do criminoso/réu/indiciado.

Tais medidas, de natureza assecuratória, garantirão futuro ressarcimento quanto aos danos eventualmente causados pelo criminoso/réu/indiciado no cometimento do ilícito.

Para a guarda e conservação dos bens apreendidos, poderá o juízo nomear administrador judicial, figura que exerce, segundo o processualista Araken de Assis[1], uma “função pública, delegada pelo órgão judiciário, objeto da direção e da superintendência do juiz.”

O que este post pretende abordar é um aspecto da gestão de tal patrimônio pelo administrador, especificamente quando ele se deparara com situações a exigir providências judiciais.

Na hipótese, por exemplo, de imóveis locados sob a gestão de administrador judicial nomeado por Juiz Federal, arrestados para garantir eventual ressarcimento da UNIÃO, de quem seria a competência para adotar as medidas judiciais pertinentes à administração dos bens (v.g. ações de cobrança, despejo, reintegração de posse): do próprio administrador judicial ou da Advocacia-Geral da União?

Poderia se concluir tratar-se de competência da AGU, com fulcro no art. 131, caput, da Constituição Federal, ao fundamento de que (i) a custódia e a administração dos bens seria da UNIÃO (Justiça Federal), (ii) o produto da arrecadação (rendimentos) destinar-se-ia a recompor o prejuízo sofrido pela UNIÃO e (iii) os efeitos da inadimplência ou mau uso do imóvel afetariam diretamente um interesse do ente público federal.

Entrementes, a melhor interpretação é no sentido de que a competência é do próprio administrador judicial, senão vejamos.

Primeiramente, o Código de Processo Penal estabelece, no Capítulo VI – Das Medidas Assecuratórias, que a gestão dos bens arrestados/sequestrados sujeitar-se-ão ao regime do processo civil, in verbis:

Art. 139.  O depósito e a administração dos bens arrestados ficarão sujeitos ao regime do processo civil.

O CPP, de início, remete à processualística civil a normatização da administração dos bens apreendidos por medidas assecuratórias.

Por sua vez, o Código de Processo Civil prevê a figura do administrador dentre os auxiliares da Justiça, para a guarda e conservação dos bens arrestados e sequestrados:

Seção III

Do Depositário e do Administrador

Art. 148. A guarda e conservação de bens penhorados, arrestados, seqüestrados ou arrecadados serão confiadas a depositário ou a administrador, não dispondo a lei de outro modo.

Art. 149. O depositário ou administrador perceberá, por seu trabalho, remuneração que o juiz fixará, atendendo à situação dos bens, ao tempo do serviço e às dificuldades de sua execução.

Parágrafo único. O juiz poderá nomear, por indicação do depositário ou do administrador, um ou mais prepostos.

Art. 150. O depositário ou o administrador responde pelos prejuízos que, por dolo ou culpa, causar à parte, perdendo a remuneração que lhe foi arbitrada; mas tem o direito a haver o que legitimamente despendeu no exercício do encargo.

Pois bem, nos dispositivos acima não há previsão expressa quanto à possibilidade, ou não, do administrador adotar as medidas judiciais pertinentes à gestão dos bens que lhe estão sob guarda.

Todavia, não obstante omissa a redação dos dispositivos acima mencionados, no Título IV – Da Execução Por Quantia Certa Contra Devedor Insolvente, encontra-se o art. 766 do CPC, que estabelece, expressamente, as atribuições do administrador judicial que irá custodiar os bens do executado tido como insolvente.

Dentre tais competências, está a de requerer as medidas judiciais necessárias para arrecadar todos os bens do devedor, assim como praticar todos os atos conservatórios de direitos e de ações, bem como promover a cobrança das dívidas ativas, in verbis:

Art. 766. Cumpre ao administrador:

I – arrecadar todos os bens do devedor, onde quer que estejam, requerendo para esse fim as medidas judiciais necessárias;

II – representar a massa, ativa e passivamente, contratando advogado, cujos honorários serão previamente ajustados e submetidos à aprovação judicial;

III – praticar todos os atos conservatórios de direitos e de ações, bem como promover a cobrança das dívidas ativas;

IV – alienar em praça ou em leilão, com autorização judicial, os bens da massa.

Idêntica regra está plasmada na Lei n. 11.101/2005, que regula a recuperação judicial, extrajudicial e falência. Nela, ao administrador judicial também cumpre a representação em juízo da massa falida:

Art. 22. Ao administrador judicial compete, sob a fiscalização do juiz e do Comitê, além de outros deveres que esta Lei lhe impõe:

(…)

III – na falência:

(…)

l) praticar todos os atos conservatórios de direitos e ações, diligenciar a cobrança de dívidas e dar a respectiva quitação;

(…)

n) representar a massa falida em juízo, contratando, se necessário, advogado, cujos honorários serão previamente ajustados e aprovados pelo Comitê de Credores;

Ou seja, para a arrecadação dos bens e cobrança de créditos, poderá o administrador se valer da via judicial, entendimento compartilhado, a título de ilustração, pelo jurista Claudionor Benite, in Código Civil Anotado[2]:

Compete ao administrador, a partir da aceitação do encargo, gerir os interesses da massa, arrecadando bens do devedor onde quer que se encontrem, dispondo de medidas judiciais para esse fim, inclusive para ajuizar processo de execução ação de cobrança dos créditos do insolvente, já que possui legitimidade ativa para representar a massa.

Ora, da leitura atenta dos dispositivos supra, e das passagens doutrinárias, a outra conclusão não se pode chegar: é do administrador judicial a obrigação de propor as ações judiciais pertinentes à arrecadação e conservação dos imóveis, bem como para a cobrança das dívidas relacionadas aos bens sob sua guarda.

Em caso semelhante ao ora analisado, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região posicionou-se, justamente, pela ilegitimidade da UNIÃO em cobrar valores relacionados aos frutos dos bens sequestrados, quando haja administrador judicial nomeado, in verbis:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. TÍTULO DE CRÉDITO. ADMINISTRAÇÃO DE BENS APREENDIDOS OU SEQÜESTRADOS. PERDIMENTO. AÇÃO PENAL NÃO TRANSITADA EM JULGADO. LEI 9.613/98. ENCARGO ATRIBUÍDO A ADMINISTRADOR JUDICIAL. DESIGNAÇÃO JÁ OCORRIDA POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL. ILEGITIMIDADE ATIVA DA UNIÃO.

  1. Falece à União Federal legitimidade para ajuizar demanda visando à cobrança de valores referentes a bens apreendidos ou seqüestrados e objeto de perdimento com base na Lei 9.613/98, em ação penal ainda não transitada em julgado, na medida em que, segundo previsão contida nessa mesma norma (art. 5.º), o gerenciamento desses bens está a cargo de um administrador judicial, nomeado em decorrência da concessão de segurança contra ato do juiz criminal que instava a União Federal a promover as medidas judiciais necessárias à recuperação de créditos referentes a bens acautelados em juízo. (Cf. TRF1, AC 2006.36.00.011137-6/MT, Sexta Turma, Desembargador Federal Souza Prudente, julg. de 29/10/2007; MS 2004.01.00.033651-0/MT, Segunda Seção, Desembargador Federal Tourinho Neto, DJ 16/06/2005.)
  2. Apelação desprovida.

(TRF-1 – AC: 4889 MT 2005.36.00.004889-0, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA ISABEL GALLOTTI RODRIGUES, Data de Julgamento: 26/11/2007, SEXTA TURMA, Data de Publicação: 31/03/2008 e-DJF1 p.188)

No exemplo acima apresentado, não obstante da UNIÃO (Justiça Federal) a responsabilidade sobre tais bens, fato é que tal encargo foi delegado ao administrador judicial que, fiscalizado por agente da UNIÃO (Juiz Federal), adotará as medidas judiciais pertinentes.

Há de se lembrar que a figura do administrador judicial está previsto na lei para, justamente, auxiliar a justiça na realização do objetivo que, no presente caso, é bem conservar os bens sequestrados, inclusive quanto aos frutos deles provenientes e correta fruição.

Em verdade, o administrador judicial é remunerado para tal prática e integra-se na organização judiciária da gestão de bens que, em princípio, são de responsabilidade da UNIÃO no caso citado, desempenhando função ou ofício peculiar nessa organização.

Tem, registre-se, capacidade processual para litigar em juízo, representando a massa de bens arrestadas/sequestradas, mas importante registrar que o ajuizamento de qualquer ação dependerá do prévio consentimento do órgão judiciário.

Sendo assim, considerando que haja nomeação de administrador judicial para gerir os bens arrestados, dele será a competência para promoção da cobrança dos frutos relativos aos bens que lhe foram confiados, assim como ingressar com as ações pertinentes para a correta conservação de tais bem.

[1] ASSIS, Araken de, MANUAL DO PROCESSO DE EXECUÇÃO, 8ª Edição, RT, pag. 1069.

[2] https://intranet.oabpr.org.br/download/CPC_06_02.pdf