Ei pessoal, como estão?

Em recente julgado, a 2ª Turma do STJ adotou posicionamento diverso do constante do Informativo 546 sobre o cabimento de remessa necessária em Ação de Improbidade Administrativa, o que certamente será objeto de questionamento em provas da advocacia pública. Por isso, o post de hoje objetiva delinear a evolução jurisprudencial do Tribunal da Cidadania, facilitando a compreensão do assunto.

Como cediço, a remessa necessária se cuida de instituto típico e exclusivo do regime jurídico do direito processual público, funcionando como ferramenta de proteção ao interesse público.

A doutrina majoritária lhe atribui a natureza jurídica de condição de eficácia da sentença. Leonardo Carneiro da Cunha, por seu turno, modificou o posicionamento antes adotado em sua obra e passou a afirmar, em 2016, que a remessa necessária possui natureza de recurso (recurso de ofício).

Justamente por ser função primordial da remessa a preservação do interesse público, surge a dúvida acerca da possibilidade de sua aplicação na Ação de Improbidade Administrativa, tendo em vista a inexistência de previsão de reexame necessário na Lei n. 8.429/92.

Com efeito, a doutrina processualista possui sólido entendimento pela possibilidade de remessa ex officio na hipótese improcedência da ação de improbidade administrativa, com base na aplicação analógica do artigo 19 da Lei 4.717/1965 (Lei da Ação Popular), que institui remessa necessária específica para a ação popular[1]. In verbis:

Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente caberá apelação, com efeito suspensivo.

De outro modo, assentou a Primeira Turma do STJ, no REsp 1220667/MG, o entendimento de que a Ação de Improbidade Administrativa segue rito próprio e tem objeto específico, disciplinado na Lei 8.429/92, a qual não prevê hipótese de remessa necessária de sentenças de rejeição da inicial ou de improcedência, sendo inaplicável a remessa prevista no art. 19 da Lei nº. 4.717/65, porquanto incabível, na hipótese, analogia, paralelismo ou outra forma de interpretação, para importar instituto criado em lei diversa.

Para o referido Órgão Julgador, a ausência de previsão da remessa de ofício pela LIA não poderia ser vista como uma lacuna a ser preenchida, especialmente por ser o reexame necessário instrumento de exceção no sistema processual, devendo, portanto, ser interpretado restritivamente.

A propósito, confira-se a ementa do julgado da Primeira Turma, o qual foi objeto do Informativo 546 do STJ:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES SEM PRÉVIO CONCURSO PÚBLICO. DANO AO ERÁRIO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA QUE NÃO CONTEMPLA A APLICAÇÃO DO REEXAME NECESSÁRIO. NÃO HÁ QUE SE FALAR EM APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA LEI DA AÇÃO POPULAR. PARECER DO MPF PELO PROVIMENTO DO RECURSO.RECURSO ESPECIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DESPROVIDO.

  1. Conheço e reverencio a orientação desta Corte de que o art. 19 da Lei 4.717/65 (Lei da Ação Popular), embora refira-se imediatamente a outra modalidade ou espécie acional, tem seu âmbito de aplicação estendido às ações civis públicas, diante das funções assemelhadas a que se destinam – proteção do patrimônio público em sentido lato – e do microssistema processual da tutela coletiva, de maneira que as sentenças de improcedência de tais iniciativas devem se sujeitar indistintamente à remessa necessária (REsp.1.108.542/SC, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJe 29.05.2009).
  2. Todavia, a Ação de Improbidade Administrativa segue um rito próprio e tem objeto específico, disciplinado na Lei 8.429/92, e não contempla a aplicação do reexame necessário de sentenças de rejeição a sua inicial ou de sua improcedência, não cabendo, neste caso, analogia, paralelismo ou outra forma de interpretação, para importar instituto criado em lei diversa.
  3. A ausência de previsão da remessa de ofício, nesse caso, não pode ser vista como uma lacuna da Lei de Improbidade que precisa ser preenchida, razão pela qual não há que se falar em aplicação subsidiária do art. 19 da Lei 4.717/65, mormente por ser o reexame necessário instrumento de exceção no sistema processual, devendo, portanto, ser interpretado restritivamente; deve-se assegurar ao Ministério Público, nas Ações de Improbidade Administrativa, a prerrogativa de recorrer ou não das decisões nelas proferidas, ajuizando ponderadamente as mutantes circunstâncias e conveniências da ação.
  4. Parecer do MPF pelo conhecimento e provimento do Recurso.
  5. Recurso Especial do MINISTÉRIO PÚBLICO desprovido. (REsp 1220667/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/09/2014, DJe 20/10/2014).

            Contudo,o aludido entendimento não é uníssono na Corte. Em 16.02.2017, ao apreciar Recurso Especial oposto em face de acórdão do TJMG que invocou o entendimento exarado no julgado acima transcrito (REsp 1220667/MG), a Segunda Turma do STJ decidiu em sentido contrário à tese publicadano Informativo546, adotando posicionamento mais benéfico à Fazenda Pública.

De acordo com o julgado, aplica-se subsidiariamente o Código de Processo Civil à Lei de Improbidade Administrativa. Assim, é cabível o reexame necessário na Ação de Improbidade Administrativa, nos termos do artigo 496 do CPC/2015[2].

Mas não é só. A Segunda Turma do STJ afirmou, ainda, que, por aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário, isto é, a despeito do valor da pretensão envolvida na causa, afastando a incidência do §3º do art. 496 do CPC/15.

Confira-se a ementa do acórdão:

PROCESSUAL  CIVIL.  IMPROBIDADE  ADMINISTRATIVA. REEXAME NECESSÁRIO.CABIMENTO.  PACÍFICO ENTENDIMENTO NO STJ DE QUE O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DEVE SER APLICADO SUBSIDIARIAMENTE À LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.INCIDÊNCIA,  POR  ANALOGIA,  DO  ART.  19  DA  LEI 4.717/1965. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

  1.  Cuida-se,  na  origem,  de  Ação  de  Improbidade Administrativa proposta  pelo  Município  de  Vieiras contra Juvenal Soares Duarte, objetivando  a  condenação do réu por ter deixado que prescrevessem, durante  o  seu mandato, as dívidas de IPTU e ISS relativas aos anos de 1999 e 2000.
  2.  O  Juiz  de 1º Grau julgou improcedente o pedido e afirmou que a sentença estava sujeita ao reexame necessário.
  3. O Tribunal a quo não conheceu da remessa oficial.
  4.  É  pacífico  o  entendimento  no STJ de que o Código de Processo Civil  deve  ser  aplicado  subsidiariamente  à  Lei  de Improbidade Administrativa.  Assim,  é  cabível  o reexame necessário na Ação de Improbidade Administrativa, nos termos do artigo 496 do CPC/2015.
  1. No mais, por “aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública sujeitam-se    indistintamente    ao   reexame   necessário”   (REsp 1.108.542/SC,   Rel.   Ministro  Castro  Meira,  j.  19.5.2009,  DJe 29.5.2009).
  2.  Recurso  Especial  provido  para anular o v. acórdão recorrido e determinar  a devolução dos autos para o Tribunal de origem a fim de prosseguir no julgamento.(REsp 1613803/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/02/2017, DJe 07/03/2017).

Desse modo, a análise da evolução jurisprudencial do C. STJ permite concluir que, atualmente, existe divergência entre a Primeira e a Segunda Turma da Corte quanto ao cabimento da remessa necessária em Ação de Improbidade Administrativa, sendo favorável à Fazenda Pública a posição da Segunda Turma, que admite o reexameem caso de sentença de improcedência, independentemente do valor atribuído à causa, com base na aplicação subsidiária do art. 496 do CPC/15 e analógica da primeira parte do art. 19 da Lei n. 4.717/65.

Fique atento!

[1]Nesse sentido: CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. Rio de Janeiro: Forense, 2016. BARROS, Guilherme Freire de Melo. Poder Público em juízo para concursos. Salvador: juspodivm, 2016.

[2]Art. 496.  Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

I – proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público;

II – que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal.

  • 1oNos casos previstos neste artigo, não interposta a apelação no prazo legal, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, e, se não o fizer, o presidente do respectivo tribunal avocá-los-á.
  • 2oEm qualquer dos casos referidos no § 1o, o tribunal julgará a remessa necessária.
  • 3oNão se aplica o disposto neste artigo quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a:

I – 1.000 (mil) salários-mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público;

II – 500 (quinhentos) salários-mínimos para os Estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações de direito público e os Municípios que constituam capitais dos Estados;

III – 100 (cem) salários-mínimos para todos os demais Municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público.

  • 4oTambém não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em:

I – súmula de tribunal superior;

II – acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

III – entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

IV – entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa.