Um julgado que foi bastante comentado do STF refere-se à suposta extradição de brasileira nata que teria sido deferida. Muitas vezes, as notícias que o divulgaram destacavam a matéria como se, de fato, tido sido aberta uma “brecha” à vedação constitucional.

Mas foi isso que realmente ocorreu?

Para compreender melhor a questão, é necessário que lembremos um pouco sobre a extradição.

Espécie mais antiga e mais comum de cooperação internacional, a extradição é a única medida prevista com restrição já no texto constitucional: não cabe extradição para crimes políticos e não cabe, em hipótese alguma, em relação ao brasileiro nato. Mesmo quanto ao naturalizado as hipóteses são excepcionais:

LI – nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;

Como se vê claramente apenas do dispositivo constitucional, observa-se que a inviabilidade da extradição em relação ao brasileiro nato é absoluta.

Contudo, é importante que lembremos que o nato pode, sim, perder a nacionalidade brasileira.

Isso ocorrerá nas hipóteses em que ele adquirir voluntariamente outra nacionalidade, conforme previsão do art. 12, §4º, da própria CF:

Art. 12, § 4º – Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:

I – tive rcancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional;

II – adquirir outra nacionalidade, salvo no casos:

a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira;

b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis;

Vamos, então, trazer essas duas premissas para o caso que estamos analisando.

Na hipótese, Cláudia, nascida no Brasil e, portanto, brasileira nata adquiriu, voluntariamente, a nacionalidade americana e, nos Estados Unidos, estava sendo acusada de assassinato, o que motivou o pedido de extradição.

Em um primeiro momento, o STF foi instado a se pronunciar em MS contra ato do Ministro da Justiça, que declarou a perda da nacionalidade brasileira em desfavor de Cláudia.

Nesse ponto, vale lembrar que o procedimento de perda da nacionalidade variará conforme a hipótese:

  • Ação de cancelamento de naturalização  – Só se aplica ao brasileiro NATURALIZADO, quando pratica atividade nociva ao interesse nacional. Essa perda ocorre por decisão judicial, sendo da Justiça Federal a competência para essa ação.

Se for cancelada a naturalização de um indivíduo, este jamais poderá requerê-la novamente. A única hipótese seria no caso de uma ação rescisória, para desconstituir a decisão judicial que cancelou a naturalização (ou então por decreto presidencial – Lei 818/49).

O cancelamento gera a PERDA dos direitos políticos (e perda diferencia-se de suspensão pela sua definitividade).

  • Naturalização voluntária Aplica-se tanto ao brasileiro NATO quanto ao NATURALIZADO. Tal perda ocorre após procedimento administrativo conduzido pelo Ministro da Justiça, assegurada defesa, finalizando-se por decreto do Presidente da República.

No caso, o que o STF observou foi que o ato oriundo do Ministro da Justiça foi legítimo, pois pautado nas hipóteses constitucionais e relativo a fatos anteriores aos que motivaram o pedido de extradição.

Essa foi a notícia relativa à decisão:

MS e perda de nacionalidade brasileira

A Primeira Turma, por maioria, denegou mandado de segurança em que se questionava ato do ministro da Justiça que declarara a perda da nacionalidade brasileira da impetrante (CF, art. 12, § 4º, II), por ter adquirido outra nacionalidade (Lei 818/1949, art.23). No caso, a impetrante, brasileira nata, obtivera a nacionalidade norte-americana de forma livre e espontânea e, posteriormente, fora acusada, nos Estados Unidos da América, da prática de homicídio contra seu marido, nacional daquele país. Diante disso, o governo norte-americano indiciara a impetrante e requerera às autoridades brasileiras a prisão para fins de extradição. O Colegiado entendeu que o ato do ministro da Justiça de cassação da nacionalidade brasileira é legítimo, pois a impetrante perdera a nacionalidade brasileira ao adquirir outra em situação que não se enquadraria em qualquer das duas exceções constitucionalmente previstas: (i) tratar-se de mero reconhecimento de outra nacionalidade originária, considerada a natureza declaratória desse reconhecimento (art. 12, § 4º, II, “a”); e (ii) ter sido a outra nacionalidade imposta pelo Estado estrangeiro como condição de permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis (art. 12, § 4º, II, “b”). Por fim, a Turma revogou a liminar deferida pelo Superior Tribunal de Justiça, que suspendera provisoriamente a eficácia da portaria ministerial de cassação da nacionalidade. Vencidos os Ministros Edson Fachin e Marco Aurélio, que concediam a segurança. O Ministro Edson Fachin assentava que o brasileiro nato não poderia ser extraditado pelo Brasil a pedido de governo estrangeiro, porque se cuidaria de garantia fundamental que não comporta exceção. Salientava ainda que se a extradição não for concedida, legitimar-se-á ao Estado Brasileiro, mediante a aplicação extraterritorial de sua própria lei penal, fazer instaurar a persecução criminal. O Ministro Marco Aurélio reputava que, em se tratando de mandado de segurança contra ato de ministro da Justiça, o órgão competente para julgamento é o Superior Tribunal de Justiça. Além disso, concluía que o direito à condição de brasileiro nato seria indisponível. MS 33864/DF, rel. Min. Roberto Barroso, 19.4.2016. (MS-33864)

Somente após esse cancelamento é que, então, foi analisado o pedido de extradição apresentado ao Estado brasileiro, considerando que os fatos que o motivaram foram posteriores à aquisição voluntária da nacionalidade americana.

Assim é que, nessa análise, o STF entendeu, sim, ser possível a extradição requerida, já que, na hipótese, houve anteriormente a perda da nacionalidade brasileira, não havendo, com isso, o impeditivo relativo à condição de brasileira nata da acusada.

A decisão foi assim noticiada:

STF – Concedida extradição de brasileira naturalizada americana, acusada de assassinato (Quarta-feira, 29 de março de 2017).

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) deferiu, nesta terça-feira (28), o pedido de extradição de Cláudia Cristina Sobral, nascida no Brasil, requerido pelo governo dos Estados Unidos da América. Ela é acusada de ter assassinado o marido norte-americano no estado de Ohio, em 2007. O entendimento da Turma na Extradição (EXT) 1462 é de que Cláudia renunciou à nacionalidade brasileira ao adotar a cidadania norte-americana em 1999.

O ministro Barroso explicou que Cláudia abriu mão da cidadania brasileira voluntariamente. “A extraditanda já detinha desde há muito tempo o greencard, que tem natureza de visto de permanência, e garante os direitos que ela alega ter adquirido com a nacionalidade: o direito de permanência e de trabalho”, afirmou. De acordo com a Constituição brasileira ela não perderia a nacionalidade brasileira se a naturalização no estrangeiro fosse imposição para permanência ou exercício de direitos em outro país.

De acordo com os autos, a extraditanda mudou-se para os EUA em 1990 e obteve o green card. Em 1999, ao obter a cidadania norte-americana, nos termos da lei local, ela declarou renunciar e abjurar fidelidade a qualquer outro Estado ou soberania.

Na decisão da Turma, ficou ressaltado que o deferimento do pedido da extradição é condicionado ao compromisso formal de o país de destino não aplicar penas interditadas pelo direito brasileiro, em especial a prisão perpétua ou pena de morte, bem como ficando a prisão restrita ao prazo máximo de 30 anos, como prevê o regramento brasileiro.

Como se observa, há, aqui, uma impropriedade em se considerar que o STF autorizou a extradição de brasileira nata, pois, como vimos, houve, antes do deferimento do pedido de extradição, a declaração da perda da nacionalidade brasileira pelo Ministério da Justiça. Assim, o que o STF analisou foi um pedido de extradição em face de uma americana naturalizada, anteriormente brasileira nata, ok?

Com isso, não afirme que o STF relativizou a previsão constitucional, correto?