Olá alunos da EBEJI e leitores do blog! Vamos tratar hoje de tema afeto ao direito de família, relativo ao problema da guarda na dissolução do casamento ou fim do relacionamento entre os genitores.

Primeiro vamos relembrar alguns aspectos da guarda. Já tratamos deste tema em texto anterior aqui no blog (https://blog.ebeji.com.br/quando-a-guarda-compartilhada-deixara-de-ser-aplicada/) e recomendo a leitura.

O art. 21 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) dispõe que “O poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.

O poder familiar, então, é o feixe de direitos e deveres exercido pelos genitores, em igualdade de condições, em relação à pessoa e bens do filho. Tal poder dura enquanto perdurar a menoridade, cessando-se, portanto, aos 18 anos completos (art. 1630, CC).

O direito de guarda dos filhos é, conforme preceitua o art. 1634, II do Código Civil, consectário do poder familiar e, para ser exercido, independe da situação conjugal dos genitores. Vejamos:

Art. 1.634.  Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:

[…]

II – exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;

Desta forma, independente do estado civil dos genitores, sejam eles casados, conviventes, separados, divorciados ou solteiros, tal situação não influencia em absolutamente nada o exercício do poder familiar e da guarda dele decorrente em relação aos filhos menores.

Em verdade, apenas a lei do divórcio, Lei n. 6.515/77 (art. 10) previu a influência da culpa na separação consensual para fixação da guarda. No entanto, com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, a redação original do art. 1.584 revogou tacitamente a previsão anterior, por flagrante incompatibilidade, deixando a culpa de ser elemento determinante da fixação da guarda para um cônjuge. Para tanto, adotando-se a perspectiva civil-constitucional, o novo parâmetro para a fixação da guarda passou a ser o melhor interesse da criança ou adolescente.

Dai que hoje, por força da Lei nº 13.058, de 2014, na ausência de consenso entre o pai e a mãe, a regra a ser aplicada é a da guarda compartilhada, na forma do art. 1.584, §2o do CC.

No entanto, por algumas razões é possível que a guarda do infante seja unilateral, isto é, deferida a um só dos genitores. Enquanto um tiver a guarda o outro terá, a seu favor, a regulamentação de visitas (art. 1.589), cujo escopo é permitir a convivência a manutenção dos laços afetivos.

Como essa modalidade reduz a convivência contínua do menor com o genitor não guardião, é muito comum que no caso concreto surjam inúmeros conflitos entre os pais, sendo necessária a intervenção firme do judiciário.

A priori, para minimizar os possíveis atritos que possam existir entre eles, a visitação é fixada pelo juiz nos mínimos detalhes, o que envolve dias com ou sem pernoite na companhia do não detentor da guarda, horário específico de buscar e entregar o filho e o local em que isso ocorrerá, e regulamentações mais específicas, sobre como será o dia do aniversário do menor, dos próprios pais, férias, feriados, Natal, ano novo, datas comemorativas, etc.

Contudo, em muitos casos isso ainda não é suficiente, pois os pais, imbuídos ainda de sentimento de mágoa pelo fim do relacionamento ou pelo início de nova relação da outra parte, utilizam a presença do filho para afetar o outro. Casos bastante comuns são o de desrespeito às regras de visitação pelo genitor detentor da guarda. Nestas hipóteses, o que pode ser feito para que a visitação seja cumprida adequadamente?

A primeira medida e a mais conhecida é a de busca e apreensão do menor que, entretanto, é por demais gravosa e até traumatizante para este, pois pode ter que ser retirado à força por pessoa totalmente estranha (oficial de justiça) e, por vezes, com auxílio de força policial.

Além da busca e apreensão, hoje não mais existente como cautelar típica pelo novo CPC, qual outra forma de coagir o genitor detentor da guarda a respeitar as regras de visitação? É possível a fixação de multa para o caso de descumprimento?

Em recente precedente o STJ enfrentou a questão e definiu que sim, a aplicação de multa, conhecida como astreinte, é meio coercitivo válido, possível de ser utilizado para os casos de descumprimento do regime de visitação. É o que segue:

REsp 1.481.531-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, por unanimidade, julgado em 16/2/2017, DJe 7/3/2017. A aplicação de astreintes é válida quando o genitor detentor da guarda da criança descumpre acordo homologado judicialmente sobre o regime de visitas. Discute-se se é cabível a fixação preventiva de astreintes para a hipótese de eventual descumprimento do regime de visitação de menor, por parte do genitor que detém a guarda da criança, consoante acordo de separação consensual homologado judicialmente entre as partes. Com efeito, nos termos do art. 1.589 do CC/02, o direito de visita é uma garantia conferida pela lei, ao pai ou à mãe que não detiver a guarda do filho, para que possa desfrutar de sua companhia segundo o que for acordado entre eles ou decidido pelo juiz. O direito de visitação tem por finalidade manter o relacionamento do filho com o genitor não guardião, que também compõe o seu núcleo familiar, interrompido pela separação do casal ou por outro motivo, tratando-se de uma manifestação do direito fundamental de convivência familiar garantido pela Constituição Federal, no seu art. 227, caput. Essa prioridade absoluta aos direitos da criança, do adolescente e do jovem, assegurada pela CF/88, que abrange o direito de visita como decorrência do direito à convivência familiar, em absoluto, não pode ser visto somente como um direito do genitor não guardião, mas como um direito do próprio filho, de modo que deve ser assegurado e facilitado pelos pais, com absoluta prioridade, priorizando a intimidade, que é direito intangível da personalidade. A cláusula geral do melhor interesse da criança e do adolescente, decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana, recomenda que o Poder Judiciário cumpra o dever de protegê-las, valendo-se dos mecanismos processuais existentes, de modo a garantir e facilitar a convivência do filho com o visitante nos dias e na forma previamente ajustadas, e coibir o guardião de criar obstáculos para o cumprimento do acordo firmado com a chancela judicial. Nesse cenário, o direito de visitação deve ser visto como uma obrigação de fazer do guardião de facilitar, assegurar e garantir, a convivência do filho com o não guardião, de modo que eles possam se encontrar, manter e fortalecer os laços afetivos e, assim atender suas necessidades imateriais, dando cumprimento ao preceito constitucional. Dessa forma, o não guardião pode ir a juízo para assegurar o direito de ter o filho em sua companhia caso haja obstáculo ou resistência ao exercício do seu direito. Como é sabido, o art. 461 e parágrafos do CPC/73, trazem instrumentos processuais úteis ao jurisdicionado na obtenção de tutela das obrigações de fazer e não fazer, podendo ele obter tanto a preventiva como a inibitória, além de medidas coercitivas para que se possa obter o cumprimento da obrigação. A melhor interpretação é a de que os instrumentos processuais previstos nos referidos dispositivos legais podem ser utilizados para tutelar os direitos provenientes do direito de visitação, devendo a expressão obrigação de fazer ou não fazer ser interpretada como de abrangência geral, acolhendo também as de natureza não patrimonial, servindo como um mecanismo apto e eficiente de garantir o direito fundamental da personalidade que é o do regime da visitação. Por oportuno, cabe ressaltar que o NCPC, afasta qualquer dúvida sobre a temática aqui discutida, pois o § 6º do art. 536, autoriza, de modo expresso, a aplicação de multa em caso de descumprimento de obrigação de natureza não obrigacional ou existencial. Além disso, outro mecanismo que poderia ser utilizado para que o não guardião da criança exercesse o seu direito de visitação, seria a utilização da ação de busca e apreensão (CPC/73, art. 839). No entanto, essa medida, levando-se em consideração sempre o melhor interesse da criança e do adolescente, pode se mostrar drástica e prejudicial para elas que poderiam ser levadas a força por uma ordem judicial, inclusive com a utilização da polícia para a sua efetivação, mostrando-se a astreintes um meio mais eficaz e menos traumatizante para o menor.

O que se tem é que o direito de visitação é visto, então, como obrigação de fazer de cunho não obrigacional, para a qual podem ser aplicadas todas as medidas que assegurem o seu cumprimento, dentre as quais a fixação de multa, conforme preceitua o art. 461 do CPC/73 e art. 497 do CPC/2015.

Assim, cabe dizer, no caso de resistência ou criação de empecilhos pelo genitor detentor da guarda, que viola ou abusa do que foi fixado no regime de visitação, poderá o juiz se valer da aplicação de multa, o que é claramente permitido pelo art. 536, §6o do CPC/2015, ao possibilitá-la para as obrigações sem natureza obrigacional.

Pela leitura do julgado, percebe-se que a situação abordada envolve a resistência apenas pelo detentor da guarda em cumprir o que fixado. No entanto, é possível dizer que caso haja descumprimento por parte do genitor visitante, a fixação de multa também poderá ser operada em seu desfavor, uma vez que além de o poder familiar ser exercido igualmente por ambos (art. 21, ECA e art. 226, §5o, CF), não há porque a aplicação de astreintes ser restringida ao guardião.

Destarte, em caso de descumprimento por qualquer dos genitores do que foi fixado no regime de visitação, as medidas existentes no ordenamento podem ser amplamente aplicadas em prol de um ou de outro, já que o que se busca, em verdade, é a tutela do melhor interesse da criança e do adolescente, consubstanciada, no caso, em assegurar a convivência do filho com os pais e a manutenção do vínculo de afeto com estes. Logo, o que vale para um vale para o outro, e a obrigação de respeitar o que fixado é exigível igualmente de ambas as partes.

Cabe destacar, por fim, que o Código Civil admite, ainda, no art. 1.584, §4o, que o descumprimento imotivado de cláusula de guarda implique a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor. Então, além de busca e apreensão e fixação de multa, temos também a possibilidade de redução de qualquer prerrogativa estipulada em favor daquele que descumpre.

Bons estudos e até semana que vem!