Hitala Mayara, Advogada da União

EBEJI

É bem verdade que muito já se comentou sobre a decisão do STF na ADI 4357/DF, que declarou a inconstitucionalidade parcial da EC 62/09 quanto às alterações por ela promovidas no art. 100 da Constituição.

De forma bem breve, a ADI 4357/DF foi proposta pelo Conselho Federal da OAB e pela Associação dos Magistrados Brasileiros, e alegava, além da inconstitucionalidade formal da EC 62/09, a inconstitucionalidade material de diversos dispositivos seus.

Analisando a decisão do STF, um resumo do que foi decidido na referida ADI é o seguinte:

ARGUMENTOS APRESENTADOS NA ADI

DECISÃO DO STF

Inconstitucionalidade formal da EC 62, uma vez que os dois turnos de votação foram realizados no mesmo dia, ao longo de duas sessões legislativas ocorridas com menos de 1h de intervalo entre ambas. O STF rejeitou esse argumento, pois considerou não ter a CF/88 previsto um intervalo mínimo entre os turnos, apenas exigindo a ocorrência de dois turnos para que a questão estivesse bem maturada.
Inconstitucionalidade do §2º do art. 100:§ 2º Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares tenham 60 (sessenta) anos de idade ou mais na data de expedição do precatório, ou sejam portadores de doença grave, definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo do fixado em lei para os fins do disposto no § 3º deste artigo, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório. O STF acolheu a inconstitucionalidade apenas da expressão na data de expedição do precatório, pois considerou que esta limitação violaria o princípio da igualdade, devendo a superpreferência estabelecida pelo §2º ser estendida também a todos os credores que completassem 60 anos enquanto estivessem aguardando o pagamento do precatório.
Inconstitucionalidade dos §§9º e 10 do art. 100 (compensação):§ 9º No momento da expedição dos precatórios, independentemente de regulamentação, deles deverá ser abatido, a título de compensação, valor correspondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, incluídas parcelas vincendas de parcelamentos, ressalvados aqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial.§ 10. Antes da expedição dos precatórios, o Tribunal solicitará à Fazenda Pública devedora, para resposta em até 30 (trinta) dias, sob pena de perda do direito de abatimento, informação sobre os débitos que preencham as condições estabelecidas no § 9º, para os fins nele previstos O STF entendeu que os dois dispositivos são inconstitucionais, pois geram uma situação de superioridades processual para a Fazenda Pública, violando, ainda, o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa, a coisa julgada, a isonomia e a separação de Poderes.
Inconstitucionalidade do §12 do art. 100:§ 12. A partir da promulgação desta Emenda Constitucional, a atualização de valores de requisitórios, após sua expedição, até o efetivo pagamento, independentemente de sua natureza, será feita pelo índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança, e, para fins de compensação da mora, incidirão juros simples no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, ficando excluída a incidência de juros compensatórios. O STF reconheceu a inconstitucionalidade da expressão índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança, pois considerou que esse índice, por ser fixado previamente, não evita a efetiva perda do poder aquisitivo da moeda. Aqui, é importante frisar que a inconstitucionalidade da TR foi reconhecida apenas para fins de correção monetária, já que o §12 se refere à atualização dos valores requisitórios. Por isso é que também, neste ponto, foi declarado inconstitucional, por arrastamento, o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, que assim prevê:Art. 1o-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.Quanto aos juros de mora, portanto, a TR permaneceria aplicável.
Inconstitucionalidade do §15 do art. 100:§ 15. Sem prejuízo do disposto neste artigo, lei complementar a esta Constituição Federal poderá estabelecer regime especial para pagamento de crédito de precatórios de Estados, Distrito Federal e Municípios, dispondo sobre vinculações à receita corrente líquida e forma e prazo de liquidação. Esse §15, que foi complementado pelo art. 97 do ADCT, incluído pela EC 62/09, e que previa uma espécie de “moratória” para os Estados e Municípios, também foi declarado inconstitucional pelo STF, assim como o art. 97 do ADCT, sob o fundamento de que esse “calote” feriria valores do Estado de Direito, do devido processo legal, do acesso ao Judiciário e da razoável duração do processo, dentre outros princípios, como o princípio da igualdade.

Antes de concluir o julgamento da ADI, ainda nos debates, surgiu a discussão sobre se seria o caso ou não de modular os efeitos da decisão proferida. Naquela ocasião, os Ministros do STF resolveram que a matéria seria deliberada apenas em momento posterior, após provocação dos interessados.

Recebidas tais provocações, então, o STF decidiu que, até que houvesse a modulação, o art. 100 da CF/88, com as alterações promovidas pela EC 62/09, deveria continuar a ser integralmente aplicado, questão que, inclusive, foi reafirmada em diversos precedentes da Corte:

Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. ADIs 4.357 e 4.425 do STF. Inconstitucionalidade do art. º1-F da Lei 9.494/97. Modulação dos efeitos da decisão pendente. 3. Aplicação dos dispositivos até julgamento final das ADIs 4.357 e 4.425 do STF. 4. Agravo regimental não provido. (RE 784075 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 09/09/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-185 DIVULG 23-09-2014 PUBLIC 24-09-2014)

O fato é que, embora o julgamento da ADI 4357 tenha se dado em 2013, apenas em março de 2015 o STF realizou a esperada modulação dos efeitos, na qual consolidou o seguinte:

DECISÃO INICIAL DO STF

RESULTADO APÓS A MODULAÇÃO DOS EFEITOS

Inconstitucionalidade do §2º do art. 100:O STF acolheu a inconstitucionalidade apenas da expressão na data de expedição do precatório, pois considerou que esta limitação violaria o princípio da igualdade, devendo a superpreferência estabelecida pelo §2º ser estendida também a todos os credores que completassem 60 anos enquanto estivessem aguardando o pagamento do precatório. Não houve modulação, de modo que a decisão passou a valer com efeitos ex tunc.
Inconstitucionalidade dos §§9º e 10 do art. 100 (compensação):O STF entendeu que os dois dispositivos são inconstitucionais, pois geram uma situação de superioridades processual para a Fazenda Pública, violando, ainda, o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa, a coisa julgada, a isonomia e a separação de Poderes. Efeitos modulados para garantir a validade das compensações realizadas até 25/03/2015. A partir de então, eventuais compensações só serão válidas se forem fruto de acordo entre a Fazenda Pública e o credor do precatório.
Inconstitucionalidade do §12 do art. 100:O STF reconheceu a inconstitucionalidade da expressão índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança, pois considerou que esse índice, por ser fixado previamente, não evita a efetiva perda do poder aquisitivo da moeda.Aqui, é importante frisar que a inconstitucionalidade da TR foi reconhecida apenas para fins de correção monetária, já que o §12 se refere à atualização dos valores requisitórios. Por isso é que também, neste ponto, foi declarado inconstitucional, por arrastamento, o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, que assim prevê:Art. 1o-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.Quanto aos juros de mora, portanto, a TR permaneceria aplicável, pois a segunda parte do § foi considerada constitucional. Efeitos modulados para garantir apenas eficácia prospectiva à declaração de inconstitucionalidade às expressões declaradas inconstitucionais.Com isso, até 25/03/15, a TR poderia ser aplicada para fins de correção monetária. A partir daí, devem ser aplicados os seguintes índices:

  • IPCA-E, para os precatórios em geral;
  • SELIC, para os precatórios tributários.

Considerando, contudo, que a administração federal já previu o IPCA-E como o índice de correção monetária de precatórios na LDO desde 2013, para valer a partir de 2014, na prática, para os precatórios federais, o IPCA-E já vem sendo aplicado desde janeiro de 2014, independente da modulação realizada pelo STF, que foi eficaz, portanto, em relação aos precatórios estaduais e municipais.

Inconstitucionalidade do §15 do art. 100:Esse §15, que foi complementado ainda pelo art. 97 do ADCT incluído pela EC 62/09, e que previa uma espécie de “moratória” para os Estados e Municípios, também foi declarado inconstitucional pelo STF, assim como o art. 97 do ADCT, sob o fundamento de que esse “calote” feria valores do Estado de Direito, do devido processo legal, do acesso ao Judiciário e da razoável duração do processo, dentre outros princípios, como o princípio da igualdade. Efeitos modulados para garantir a validade da norma por mais cinco anos, a contar de 01/01/2016. Assim, o regime especial de pagamento de precatórios para Estados e Municípios é válido até 2020.Além disso, o STF considerou válidas as compensações, leilões e pagamento à vista por ordem crescente de crédito realizados até 25/03/15, bem como os acordos diretos realizados até esta data, com base no regime especial anteriormente instituído.

Além disso, o STF delegou competência ao CNJ para a apresentação de proposta normativa que discipline: (1) a utilização compulsória de 50% dos recursos da conta de depósitos judiciais tributários para o pagamento de precatórios; (2) a possibilidade de compensação de precatórios vencidos, próprios ou de terceiros, com o estoque de créditos inscritos em dívida ativa até 25/03/15, por opção do credor do precatório.

Atribuiu ao CNJ, também, competência para monitorar e supervisionar o pagamento dos precatórios pelos entes públicos na forma do quanto decidido.

Feito esse resumo sobre o quanto decidido pelo STF na referida ADI, contudo, é preciso observar alguns pontos relevantes relativos especificamente à declaração de inconstitucionalidade do §12 do art. 100 e, por arrastamento, do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97.

O primeiro deles é para frisar que essa decisão apenas se refere à correção monetária e, além disso, apenas se aplica para os precatórios já expedidos.

A razão é a seguinte: o objeto da ADI foi o §12 do art. 100, que previa a aplicação da TR para a atualização monetária dos precatórios já expedidos. Como o art. 1º-F da Lei 9.494/97 falava de modo amplo sobre a aplicação da TR, foi ele declarado também inconstitucional por arrastamento.

Ocorre que em momento algum houve pronunciamento específico do STF sobre a aplicação da TR como índice de mora ou mesmo para fins de atualização monetária no que se refere às ações de conhecimento ainda em curso e mesmo nas ações de execução que não contem com precatório expedido.

Assim, da decisão do STF na ADI 4357 não é possível extrair a inconstitucionalidade ampla da TR, a alcançar as ações em curso ou sua aplicação como índice de mora.

Essa “falha” no julgamento, inclusive, foi reconhecida pelo próprio Supremo, que já no dia 08/05/2015 reconheceu a repercussão geral de recurso relativo à incidência de juros e correção monetária em precatórios, afetando o RE 870947 como representativo da controvérsia.

Ao noticiar a afetação, o STF destacou que o caso servirá ainda para esclarecer duas “sutilezas” pendentes de um pronunciamento explícito pela Corte. A primeira delas é relativa à declaração de inconstitucionalidade por arrastamento do artigo 1-F da Lei 9.494/1997, com redação dada pela Lei 11.960/2009. O dispositivo diz que nas condenações impostas à Fazenda Pública, os índices relativos à correção monetária, juros remuneratórios e de mora são os índices de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.

Frisou também que outro aspecto pendente de esclarecimento pelo STF é incidência da correção monetária das condenações impostas à Fazenda Pública na fase anterior à expedição do precatório. Segundo o ministro Luiz Fux, o STF se manifestou apenas quanto às regras para a atualização dos valores de precatórios, faltando ainda um pronunciamento expresso quanto às regras de correção monetária na fase anterior, relativa às condenações.

Em resumo, é possível concluir que da decisão do STF na ADI 4357 não é possível extrair a inconstitucionalidade ampla da TR, a alcançar as ações em curso ou sua aplicação como índice de mora, pontos esses que já tiveram a repercussão geral reconhecida, aguardando julgamento.

O outro ponto que deve ser observado refere-se à posição que o STJ fixou sobre o tema.

Como vimos, o STF, ao julgar a ADI 4357 em 2013, não realizou a modulação dos seus efeitos, o que somente ocorreu em março de 2015. Contudo, ciente da necessidade dessa modulação, a Corte Suprema firmou a posição de que, até sua ocorrência, deveria ser integralmente aplicado o art. 100 da CF/88 com as alterações promovidas pela EC 62/09. Por consequência, também o art. 1º-F da Lei 9.494/97 deveria permanecer aplicável.

Na prática, contudo, não foi isso o que ocorreu.

Já em junho de 2013, a Primeira Seção do STJ julgou o REsp 1270439/PR, sob a sistemática do art. 543-C do CPC, definindo a matéria relativa à correção monetária e à aplicação da TR, considerando, inclusive, o quanto decidido pelo STF na ADI 4357.

Assim, sobre esse ponto específico, fixou o STJ o seguinte:

  • O art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei 11.960/09, deve ser aplicado, de imediato, aos processos em andamento, sem, contudo, retroagir a período anterior a sua vigência, conforme já decidido no julgamento do REsp 1205946/SP pela Corte Especial;
  • Considerando a decisão do STF na ADI 4357/DF, contudo, o art. 1º-F deverá ser aplicado do seguinte modo:
  • Os juros moratórios serão equivalentes aos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicáveis à caderneta de poupança, exceto quando a dívida ostentar natureza tributária;
  • Em se tratando de dívida de natureza tributária, a taxa SELIC será a única aplicável, por englobar atualização monetária e juros de mora;
  • Em se tratando de dívida não tributária, a atualização monetária deverá ser calculada com base no IPCA-E.

Eis o resumo da decisão do STJ no Resp 1270439/PR:

DÍVIDA TRIBUTÁRIA

DÍVIDA NÃO TRIBUTÁRIA

Apenas a taxa SELIC, que engloba tanto a atualização monetária dos valores quanto os juros de mora TR – juros de moraIPCA-E correção monetária

Como se observa, diferentemente do STF, o STJ fixou posição relativa aos processos em curso, e não apenas em relação aos precatórios já expedidos, fazendo desde já a distinção quanto à aplicação da TR para fins de atualização monetária e como índice de mora.

É interessante destacar que, mesmo com a modulação, o STJ não sinaliza qualquer mudança em seu entendimento, pois já fixou o entendimento de que a pendência de ação de inconstitucionalidade ou de recurso com repercussão geral reconhecida não impõe a suspensão dos recursos especiais que estejam para sua apreciação[1].

Assim, em sendo cobrada tal matéria no concurso, é interessante observar se o enunciado pede a posição firmada pelo STF em ADI ou se invoca a posição do STJ, considerando a distinção entre ambas. Em uma prova discursiva, levantar a posição dos dois Tribunais é excelente, pois demonstra maior conhecimento sobre o tema.

[1] Essa posição foi firmada também em sede de recurso repetitivo, no julgamento do AgRg nos EREsp 1142490/RS.

EBEJI

Grande abraço e bons estudos.

Hitala Mayara