Hitala Mayara, Advogada da União
EBEJI
É bem verdade que muito já se comentou sobre a decisão do STF na ADI 4357/DF, que declarou a inconstitucionalidade parcial da EC 62/09 quanto às alterações por ela promovidas no art. 100 da Constituição.
De forma bem breve, a ADI 4357/DF foi proposta pelo Conselho Federal da OAB e pela Associação dos Magistrados Brasileiros, e alegava, além da inconstitucionalidade formal da EC 62/09, a inconstitucionalidade material de diversos dispositivos seus.
Analisando a decisão do STF, um resumo do que foi decidido na referida ADI é o seguinte:
Antes de concluir o julgamento da ADI, ainda nos debates, surgiu a discussão sobre se seria o caso ou não de modular os efeitos da decisão proferida. Naquela ocasião, os Ministros do STF resolveram que a matéria seria deliberada apenas em momento posterior, após provocação dos interessados.
Recebidas tais provocações, então, o STF decidiu que, até que houvesse a modulação, o art. 100 da CF/88, com as alterações promovidas pela EC 62/09, deveria continuar a ser integralmente aplicado, questão que, inclusive, foi reafirmada em diversos precedentes da Corte:
Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. ADIs 4.357 e 4.425 do STF. Inconstitucionalidade do art. º1-F da Lei 9.494/97. Modulação dos efeitos da decisão pendente. 3. Aplicação dos dispositivos até julgamento final das ADIs 4.357 e 4.425 do STF. 4. Agravo regimental não provido. (RE 784075 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 09/09/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-185 DIVULG 23-09-2014 PUBLIC 24-09-2014)
O fato é que, embora o julgamento da ADI 4357 tenha se dado em 2013, apenas em março de 2015 o STF realizou a esperada modulação dos efeitos, na qual consolidou o seguinte:
DECISÃO INICIAL DO STF |
RESULTADO APÓS A MODULAÇÃO DOS EFEITOS |
Inconstitucionalidade do §2º do art. 100:O STF acolheu a inconstitucionalidade apenas da expressão na data de expedição do precatório, pois considerou que esta limitação violaria o princípio da igualdade, devendo a superpreferência estabelecida pelo §2º ser estendida também a todos os credores que completassem 60 anos enquanto estivessem aguardando o pagamento do precatório. | Não houve modulação, de modo que a decisão passou a valer com efeitos ex tunc. |
Inconstitucionalidade dos §§9º e 10 do art. 100 (compensação):O STF entendeu que os dois dispositivos são inconstitucionais, pois geram uma situação de superioridades processual para a Fazenda Pública, violando, ainda, o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa, a coisa julgada, a isonomia e a separação de Poderes. | Efeitos modulados para garantir a validade das compensações realizadas até 25/03/2015. A partir de então, eventuais compensações só serão válidas se forem fruto de acordo entre a Fazenda Pública e o credor do precatório. |
Inconstitucionalidade do §12 do art. 100:O STF reconheceu a inconstitucionalidade da expressão índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança, pois considerou que esse índice, por ser fixado previamente, não evita a efetiva perda do poder aquisitivo da moeda.Aqui, é importante frisar que a inconstitucionalidade da TR foi reconhecida apenas para fins de correção monetária, já que o §12 se refere à atualização dos valores requisitórios. Por isso é que também, neste ponto, foi declarado inconstitucional, por arrastamento, o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, que assim prevê:Art. 1o-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.Quanto aos juros de mora, portanto, a TR permaneceria aplicável, pois a segunda parte do § foi considerada constitucional. | Efeitos modulados para garantir apenas eficácia prospectiva à declaração de inconstitucionalidade às expressões declaradas inconstitucionais.Com isso, até 25/03/15, a TR poderia ser aplicada para fins de correção monetária. A partir daí, devem ser aplicados os seguintes índices:
Considerando, contudo, que a administração federal já previu o IPCA-E como o índice de correção monetária de precatórios na LDO desde 2013, para valer a partir de 2014, na prática, para os precatórios federais, o IPCA-E já vem sendo aplicado desde janeiro de 2014, independente da modulação realizada pelo STF, que foi eficaz, portanto, em relação aos precatórios estaduais e municipais. |
Inconstitucionalidade do §15 do art. 100:Esse §15, que foi complementado ainda pelo art. 97 do ADCT incluído pela EC 62/09, e que previa uma espécie de “moratória” para os Estados e Municípios, também foi declarado inconstitucional pelo STF, assim como o art. 97 do ADCT, sob o fundamento de que esse “calote” feria valores do Estado de Direito, do devido processo legal, do acesso ao Judiciário e da razoável duração do processo, dentre outros princípios, como o princípio da igualdade. | Efeitos modulados para garantir a validade da norma por mais cinco anos, a contar de 01/01/2016. Assim, o regime especial de pagamento de precatórios para Estados e Municípios é válido até 2020.Além disso, o STF considerou válidas as compensações, leilões e pagamento à vista por ordem crescente de crédito realizados até 25/03/15, bem como os acordos diretos realizados até esta data, com base no regime especial anteriormente instituído. |
Além disso, o STF delegou competência ao CNJ para a apresentação de proposta normativa que discipline: (1) a utilização compulsória de 50% dos recursos da conta de depósitos judiciais tributários para o pagamento de precatórios; (2) a possibilidade de compensação de precatórios vencidos, próprios ou de terceiros, com o estoque de créditos inscritos em dívida ativa até 25/03/15, por opção do credor do precatório.
Atribuiu ao CNJ, também, competência para monitorar e supervisionar o pagamento dos precatórios pelos entes públicos na forma do quanto decidido.
Feito esse resumo sobre o quanto decidido pelo STF na referida ADI, contudo, é preciso observar alguns pontos relevantes relativos especificamente à declaração de inconstitucionalidade do §12 do art. 100 e, por arrastamento, do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97.
O primeiro deles é para frisar que essa decisão apenas se refere à correção monetária e, além disso, apenas se aplica para os precatórios já expedidos.
A razão é a seguinte: o objeto da ADI foi o §12 do art. 100, que previa a aplicação da TR para a atualização monetária dos precatórios já expedidos. Como o art. 1º-F da Lei 9.494/97 falava de modo amplo sobre a aplicação da TR, foi ele declarado também inconstitucional por arrastamento.
Ocorre que em momento algum houve pronunciamento específico do STF sobre a aplicação da TR como índice de mora ou mesmo para fins de atualização monetária no que se refere às ações de conhecimento ainda em curso e mesmo nas ações de execução que não contem com precatório expedido.
Assim, da decisão do STF na ADI 4357 não é possível extrair a inconstitucionalidade ampla da TR, a alcançar as ações em curso ou sua aplicação como índice de mora.
Essa “falha” no julgamento, inclusive, foi reconhecida pelo próprio Supremo, que já no dia 08/05/2015 reconheceu a repercussão geral de recurso relativo à incidência de juros e correção monetária em precatórios, afetando o RE 870947 como representativo da controvérsia.
Ao noticiar a afetação, o STF destacou que o caso servirá ainda para esclarecer duas “sutilezas” pendentes de um pronunciamento explícito pela Corte. A primeira delas é relativa à declaração de inconstitucionalidade por arrastamento do artigo 1-F da Lei 9.494/1997, com redação dada pela Lei 11.960/2009. O dispositivo diz que nas condenações impostas à Fazenda Pública, os índices relativos à correção monetária, juros remuneratórios e de mora são os índices de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.
Frisou também que outro aspecto pendente de esclarecimento pelo STF é incidência da correção monetária das condenações impostas à Fazenda Pública na fase anterior à expedição do precatório. Segundo o ministro Luiz Fux, o STF se manifestou apenas quanto às regras para a atualização dos valores de precatórios, faltando ainda um pronunciamento expresso quanto às regras de correção monetária na fase anterior, relativa às condenações.
Em resumo, é possível concluir que da decisão do STF na ADI 4357 não é possível extrair a inconstitucionalidade ampla da TR, a alcançar as ações em curso ou sua aplicação como índice de mora, pontos esses que já tiveram a repercussão geral reconhecida, aguardando julgamento.
O outro ponto que deve ser observado refere-se à posição que o STJ fixou sobre o tema.
Como vimos, o STF, ao julgar a ADI 4357 em 2013, não realizou a modulação dos seus efeitos, o que somente ocorreu em março de 2015. Contudo, ciente da necessidade dessa modulação, a Corte Suprema firmou a posição de que, até sua ocorrência, deveria ser integralmente aplicado o art. 100 da CF/88 com as alterações promovidas pela EC 62/09. Por consequência, também o art. 1º-F da Lei 9.494/97 deveria permanecer aplicável.
Na prática, contudo, não foi isso o que ocorreu.
Já em junho de 2013, a Primeira Seção do STJ julgou o REsp 1270439/PR, sob a sistemática do art. 543-C do CPC, definindo a matéria relativa à correção monetária e à aplicação da TR, considerando, inclusive, o quanto decidido pelo STF na ADI 4357.
Assim, sobre esse ponto específico, fixou o STJ o seguinte:
- O art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei 11.960/09, deve ser aplicado, de imediato, aos processos em andamento, sem, contudo, retroagir a período anterior a sua vigência, conforme já decidido no julgamento do REsp 1205946/SP pela Corte Especial;
- Considerando a decisão do STF na ADI 4357/DF, contudo, o art. 1º-F deverá ser aplicado do seguinte modo:
- Os juros moratórios serão equivalentes aos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicáveis à caderneta de poupança, exceto quando a dívida ostentar natureza tributária;
- Em se tratando de dívida de natureza tributária, a taxa SELIC será a única aplicável, por englobar atualização monetária e juros de mora;
- Em se tratando de dívida não tributária, a atualização monetária deverá ser calculada com base no IPCA-E.
Eis o resumo da decisão do STJ no Resp 1270439/PR:
DÍVIDA TRIBUTÁRIA |
DÍVIDA NÃO TRIBUTÁRIA |
Apenas a taxa SELIC, que engloba tanto a atualização monetária dos valores quanto os juros de mora | TR – juros de moraIPCA-E – correção monetária |
Como se observa, diferentemente do STF, o STJ fixou posição relativa aos processos em curso, e não apenas em relação aos precatórios já expedidos, fazendo desde já a distinção quanto à aplicação da TR para fins de atualização monetária e como índice de mora.
É interessante destacar que, mesmo com a modulação, o STJ não sinaliza qualquer mudança em seu entendimento, pois já fixou o entendimento de que a pendência de ação de inconstitucionalidade ou de recurso com repercussão geral reconhecida não impõe a suspensão dos recursos especiais que estejam para sua apreciação[1].
Assim, em sendo cobrada tal matéria no concurso, é interessante observar se o enunciado pede a posição firmada pelo STF em ADI ou se invoca a posição do STJ, considerando a distinção entre ambas. Em uma prova discursiva, levantar a posição dos dois Tribunais é excelente, pois demonstra maior conhecimento sobre o tema.
[1] Essa posição foi firmada também em sede de recurso repetitivo, no julgamento do AgRg nos EREsp 1142490/RS.
EBEJI
Grande abraço e bons estudos.
Hitala Mayara
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